quarta-feira, 19 de outubro de 2016

À BEIRA-PELE
















Acende a noite de palavras
Paula Tavares


I

Meia-lua para iniciar um poema;
letra v entre as coxas
erguendo relâmpagos.


II

Considere esta mulher deitada,
a mão direita
entre os joelhos
e o antebraço (esquerdo)
na altura das pupilas,
Ariadne em Naxos.
Logo inverte a posição,
estica os tornozelos
e desenha pequenos círculos
imprecisos
com os pés,
mapa de um labirinto?
(Dríade, convoca a mitologia dos lábios
para abolir a noite.)
Súbito, sua mão escorrega
até a pirâmide invertida,
após acariciar o umbigo,
como se violasse
o silêncio
de uma pétala.


III

Anoitecer em ti,
percorrê-la
em cada poro
mínimo:
de uma estrela
a outra estrela

de teu céu
indecifrável.

Poema inédito de Claudio Daniel


sexta-feira, 14 de outubro de 2016














Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

Hilda Hilst


FIGURA DE DANÇA
















Flamingo 
olho-de-flamingo
algo que nasce dos pés
em direção ao vermelho:
uma escrita-labareda
tecida em fumos
de touros e mantilhas
com a doçura da flama
que devora a manhã.

Poema de Claudio Daniel, 2016