Desde o início de suas atividades em 2015, o atual Congresso Nacional se constituiu em um governo paralelo, colocando em pauta projetos que se chocam não apenas com o Governo Federal, mas com a própria democracia, o estado laico e de direito: redução da maioridade penal, flexibilização da legislação trabalhista, estatuto da família homofóbico, restrição do direito ao aborto, fim da lei de desarmamento, entre outras insanidades. O Parlamento declara guerra às mulheres, aos negros, aos jovens, aos homoafetivos, aos trabalhadores, enfim, à sociedade.
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
TEMOS O MELHOR CONGRESSO QUE O DINHEIRO PODE COMPRAR
Desde o início de suas atividades em 2015, o atual Congresso Nacional se constituiu em um governo paralelo, colocando em pauta projetos que se chocam não apenas com o Governo Federal, mas com a própria democracia, o estado laico e de direito: redução da maioridade penal, flexibilização da legislação trabalhista, estatuto da família homofóbico, restrição do direito ao aborto, fim da lei de desarmamento, entre outras insanidades. O Parlamento declara guerra às mulheres, aos negros, aos jovens, aos homoafetivos, aos trabalhadores, enfim, à sociedade.
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
O QUE ESTÁ EM JOGO NA ATUAL CRISE POLÍTICA
A atual crise política brasileira
é um conflito entre dois projetos de país: um que promove os direitos sociais,
a inclusão, o crescimento econômico com distribuição de renda, a transparência,
a democracia, a defesa de nossos recursos naturais, a participação popular, a
independência e soberania nacional; e outro que defende o retorno a um modelo
autoritário de exclusão social, de repressão aos movimentos sociais e
criminalização de mulheres, jovens, negros e homoafetivos, de liquidação dos
direitos trabalhistas e elevada concentração de renda, especialmente nos
setores financeiro, fundiário e agroindustrial, de entrega de nossas riquezas
naturais às grandes companhias internacionais e de submissão ao capital
internacional e à política externa dos Estados Unidos e de Israel.
POEMAS DE CHIU YI CHIH
ALEPH
rastro de luz absorvida pelas
ásperas formigações da cratera, sua mão esconjurada se contorce entre
embriões, frascos e oblíquas vidraças – seu sangue que agora parece submergir
numa tênue bolha d’água ainda se incrusta com as raízes da recém-nascida massa
– e tudo escorre nessa rústica tecedura de pálidos borrões, nesse ofuscante
zênite de rumores
COMO SE UM SURDO ESTREMECIMENTO
pudesse arrancar-lhe a voz que no
fundo das gramíneas vacilantes se encasula e se encobre, como se nesse
intervalo de incubações as raposas se agitassem no alto das copas de um
pinheiro com súbitos escândalos ao lado das areias, nuvens, escamas, folhas,
estradas, cinzas, manchas, trilhas, ecos, sementes, lascas, aços, pedras,
espelhos, galhos, arcos, cílios, papoulas, flancos, cascos, desertos, algas,
ídolos, êxodos, insônias, vidros, insetos, ilhas, plumas, cardumes, glóbulos,
poros, renúncias, fissuras, páginas, rios, clavículas, riscos, silvos,
aquários, quedas, ossos, cipós, trapos, ruídos, fivelas, alças, telhas,
vértebras, laços e fiapos
quando todas as fibras se retesam
em círculos impróprios quando todas as tábuas se dividem por entre as malhas de
carbono quando todos os movimentos se recurvam até o vértice da constelação
quando todas as palavras se desprendem dos seus próprios invólucros quando todo
ouro é transposto ao fundo do invisível quando toda pele se desfaz e se refaz
em concêntricas colunas quando todos os micróbios se encarregam de conduzir o
sopro da vida quando todas as luzes e sombras se rebatem contra o teto quando
todas as janelas desabam lentamente ao longo da avenida iluminada
enquanto eu e você escutamos
aquela fera de narinas obtusas enquanto as áridas flechas de gelo atropelam o
perfume das sacadas enquanto as asas retilíneas se alongam sob as estreitas
películas enquanto começamos a duvidar de todas as aventuras e tragédias
enquanto meus olhos translúcidos se fecham pouco a pouco enquanto seu reflexo
se eleva ao limiar de um recomeço improvável enquanto os pensamentos se
flagelam contra as brasas e as têmporas se estendem aos astros insufláveis
UM RIO DE AMÊNDOAS
espalha-se no leito dos sulcos,
um rio que sobe e desce, como animal intocável, signo recoberto pelas insígnias
da fuligem, ronronando debaixo das calçadas, dos ladrilhos e das embocaduras,
relíquia-faca, gesto-hiato, susto-império
COMO SE UM FEIXE DE LUZ
pudesse atravessar-lhe o peito
que na superfície das rochas enrugadas se desvela e se descobre, assim como se
nesse ponto dourado os olhos pudessem apalpar a tímida e sonora rachadura que
arde e retorce e repousa sob os inúmeros algarismos
com suas chamas que se
resguardam com seus truques impassíveis com suas litografias impalpáveis com
seus calcanhares que se empalidecem com suas ébrias efemeridades com seus cegos
rangidos com seus gritos que se emudecem com suas imprecisas caminhadas com
seus suores desvalidos com seus versos quiromânticos com seus lábios
inalcançáveis com suas pálpebras insolúveis com seus dedos intangíveis com suas
válvulas que se intumescem
como se ainda em convulsões cada
estrela fosse uma abrupta circunferência daquilo que jamais se nomeia
nessa voragem em que relampeja o
bico das armaduras durante a invasão de cada pedaço onde o assobio do cristal é
quase uma nuvem-esgrima
apesar de que nascemos e morremos
sem que nenhum de nós possa guardar consigo a relíquia da difusa claridade que
resplandece diante de nossos olhos
apesar de que toda rosa se
desvanece e nenhuma luz se revela no meio da balbúrdia quando alguns pássaros
crucificados começam a dançar em torno das clareiras
apesar de que nenhuma alma se
entrega ao corpo desenganado quando ninguém sonha na expiação do enxofre e
nunca eu mesmo fui capaz de compreender minha própria insignificância
apesar de que nem seríamos
corajosos a ponto de acariciar aquela cordilheira longínqua e tampouco isso
faria a mínima diferença já que um chimpanzé saltaria de um prédio a outro num
milésimo de segundo
apesar de que nem todo fogo
poderá ser apagado pela velocidade do córrego assim como jamais o medo será
extirpado de nossos pensamentos enquanto os músculos se revigoram em diversas
gotículas numa espécie de transbordamento incessante
apesar de que algumas linhas
esgarçadas se recompõem à margem dos contornos imponderáveis quando são
açoitadas numa turbulência sem volta e assim se precipitam em inúmeras
verticalidades
apesar de que a sombra por onde
se infiltra o acaso jamais continuará sendo a mesma e por isso aquela porta vislumbrada
em seu perfil poderá se desmanchar numa figura incognoscível
com rasgos e viscos e larvas e
lírios
e fios e fendas e joelhos e
cordas
com varetas e tijolos e
presilhas e joias
e papéis e cartões e anéis e
assoalhos
com chicotes e braços e motores
e cadarços
e tesouras e xícaras e réguas
e relógios
com sedas e quadros e ímãs e
agulhas
e sacos e grampos e trincas e
bússolas
com sinos e alumínios e calças
e bicicletas
e palitos e livros e escoras e
andrajos
com flocos e discos e rastros
e espinhos
e hélices e ovários e luvas e
gessos
com vasos e gases e ruínas e
rosas
e roncos e relinchos e berros
e arrepios
com tudo que pode se dispersar em
ralos com tudo que pode se dissolver em ondas com tudo que pode se destrincar
sob os muros com tudo que pode se desembaraçar atrás de cordões
com tudo que pode se destravar
por meio de parafusos com tudo que pode se descolar em trombas com tudo que
pode se desembocar em frotas com tudo que pode se despovoar no meio de tropas
com tudo que pode se desmentir em
gestos com tudo que pode se desfazer em imagens com tudo que pode se
descosturar em escórias com tudo que pode se desmembrar em membranas
com tudo que pode se desarranjar
por meio das erosões com tudo que pode se desalojar após as explosões com tudo
que pode se desencravar em escarificações com tudo que pode se desossar com a
ferrugem
com tudo que pode se dissipar em
ceras com tudo que pode se desandar em rodas com tudo que pode se destrancar em
ruas com tudo que pode se desenredar em feiúras
com tudo que pode se desamarrar
em escadarias com tudo que pode se despencar atrás das portinholas com tudo que
pode se desatrelar em troças com tudo que pode se desvelar em vórtices
com tudo que pode se desatar
acima das violas com tudo que pode se desdizer com astúcias com tudo que pode
se desprender com alicates com tudo que pode se desarticular em restos
com tudo que pode se desalinhar
atrás das grades com tudo que pode se deslizar acima das traves com tudo que
pode se desaprumar das cadeiras com tudo que pode se desanuviar no centro das
tempestades
com tudo que pode se descuidar
após a saciedade com tudo que pode se despregar atrás das estantes com tudo que
pode se desdourar em demônios com tudo que pode se destroçar com miolos
com tudo que pode se desaguar
sobre formigas com tudo que pode se dissecar em parábolas com tudo que pode se
desacreditar em fábulas com tudo que pode se desferir em frestas
ENQUANTO UMA GARGANTA SE RETORCE
e a gralha desce da nuvem
e nenhum orvalho atravessa o
campo
ENQUANTO UM ADORMECIDO SE ERGUE
e o outono se deita sob as rosas
e nenhum rosto amanhece
ENQUANTO UM CASCO SE DESESPERA
e o ruído enrouquece
e nenhuma sombra se apaga
ENQUANTO UMA LÁSTIMA SE FAZ AUSENTE
e a curva estremece
e nenhum soldado se condensa
ENQUANTO UM VASO SE ENRAIVECE
e o galo acende sua crista
e nenhum estábulo desmorona
ENQUANTO UM OLHO SE APROXIMA
e o vício amadurece
e nenhum escaravelho se silencia
ENQUANTO UMA VOZ SE ESPALHA
e o mundo se contrai
e nenhum artifício aniquila
ENQUANTO UM MURO SE MULTIPLICA
e o rosto se mumifica
e nenhuma teia ilumina
ENQUANTO UM TANQUE SE ENRIJECE
e a mesa se congela
e nenhum sono anoitece
os túneis, as escrivaninhas e as
escumadeiras começam a se enlaçar ao redor das axilas tal como se antes nunca
houvesse ocorrido aquele entrecruzamento de nódoas esfomeadas
quando um vestido se estilhaça
sobre os terraços suspendendo-se contra aquela inversão que acaba de ser
expelida através das entranhas
ou como se tudo pudesse retornar
à sua nulidade inesperada atravessando o deserto das cloacas ainda que nem toda
terra seja restituída à sua forma primordial
como aquele rosto a dissolver-se
com as suas minúsculas ventosas para além do centro da sala e nunca mais
permanecesse encerrado em sua própria moldura
à semelhança daquela abóbada
seviciada que recomeça a trajetória acima dos gestos de um ancião eclodindo em
mil fagulhas de aço
enquanto as ventanias ainda
resistem no insoldável nódulo das imensas cavidades da casa de alvenaria ao
mesmo tempo que os quartzos gemem de ponta a ponta na infame réstia de
percevejos onde debaixo do olho da tristeza a porta do saguão se pulveriza
e todos cães emplumados se
inclinam contra os degraus enfurecidos tal como se a maçaneta se retorcesse num
murmúrio incompreensível de algumas cutiladas sonolentas no instante em que
balbuciamos as intermitências de uma língua absolvida
como se um leve relampejar
pudesse arrancar-lhe a mão que no fundo dos lajedos se enclausura e nessa
efusão de manchas uma minúscula orla esbranquiçada se atirasse contra seu rosto
e assim pouco a pouco o
devolvesse ao céu crivado de artérias enquanto um sorriso se derrama no
interior da vasilha desconsolada
tal como se um grito escarrado se
sonhasse para fora de si quando somos compelidos a esculpir a cada noite por
mais breve que seja a vida no estreito cadafalso do vento
(Poemas do livro Metacorporeidade, de Chiu Yi Chih. São
Paulo: Córrego, 2015.)
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
POEMAS DE RONALD POLITO
MANHÃ
Um fórceps.
Do escuro para
dentro. Da luz
parcial. Aos solavancos.
Numa cratera.
Sem tamponamento.
Entre moscas. Tapas.
Pelo meio do maciço
contrativo. Refilado.
No coração da bomba.
Da propriedade dos meios de.
Com tentáculos.
Glaciares.
MÃO DUPLA
horizonte-abismo
daqui nada é distinto
nem se emenda
daqui tudo é miúdo
não se tem a ideia de muito
nenhuma trilha ou asa
ou pausa
acordar já parece grande
o bastante
no peito uma pedra crescendo para
si
há certos animais que
sangram mais
na hora da agonia da alegria
mãos que antes são
garras que ainda
são facas
cédulas xifópagas
páginas diárias de despedaçar
luas e luas sem luz
aqui nesta paragem ou pane
para cada célula
que dana
então
de onde
abismo-horizonte
APARIÇÃO
Nenhum rastro ou luz,
vento sem assento,
não coração, legião.
Nos ombros, tudo (menos
a loucura).
E a lição absurda das entranhas.
Então; a visão.
Eu, um holocausto vivo.
SIM
deste único lugar um
lugar algum
aqui de dentro
da pós-morte
o tempo depois do tempo
este além sem suplemento
o adiante redundante
ENCANTAMENTO
Nem teus passos.
Nem teu peso.
Ou o hálito
como novelo. Ou
a pele feito correnteza.
E um roçar de braços.
Com a prumada do peito.
E já o rosto inteiro.
Não. Nenhuma palavra.
QUEM IMAGINARIA
um deserto sem desertos
* * *
Um relâmpago.
Escuro.
Um homem.
(Poemas do livro Ao abrigo. Belo Horizonte: Scriptum, 2015.)
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
ANTILABIRINTO
éstos mis alarmados compañones.
César Vallejo
À desordem de pensamentos escuros —
figuras foscas, restos roídos
nos escaninhos
da memória.
Este é o meu braço esquerdo
que por sua conta
recusou ser treva.
Este é o meu braço direito
avesso a considerações
indelineável como um pesadelo.
Absurdidade, minha fêmea
entulhada em meu desterro.
Tudo são retalhos,
figuras em folhas-de-flandres
refratadas em meu próprio minério.
Morde-se, minha memória.
Nenhuma similitude
com o lameiro do cotidiano.
Estamos quites. Ensarilhados
em nosso nevoeiro.
Absurdidade, minha fêmea
reverbera em meus ossos:
estas quinas sem remate;
estas quinas de um antilabirinto
que sozinho percorro.
Esta é a minha clavícula;
esta é a carantonha com que insulto
as febres no espelho. Porque nada
faz sentido. Estamos quites.
Ensarilhados em nosso nevoeiro.
Absurdidade, minha fêmea
esta é a minha língua deformante,
meus jogos dissuasórios.
Porque nada faz sentido, nada.
Anjos pictóricos de estranhas asas
anunciam o próximo massacre:
corpos carbonizados numa aldeia
da Nigéria. Dois mil mortos.
Nenhuma repercussão na mídia.
São apenas negros: quem se importa?
2015
figuras foscas, restos roídos
nos escaninhos
da memória.
Este é o meu braço esquerdo
que por sua conta
recusou ser treva.
Este é o meu braço direito
avesso a considerações
indelineável como um pesadelo.
Absurdidade, minha fêmea
entulhada em meu desterro.
Tudo são retalhos,
figuras em folhas-de-flandres
refratadas em meu próprio minério.
Morde-se, minha memória.
Nenhuma similitude
com o lameiro do cotidiano.
Estamos quites. Ensarilhados
em nosso nevoeiro.
Absurdidade, minha fêmea
reverbera em meus ossos:
estas quinas sem remate;
estas quinas de um antilabirinto
que sozinho percorro.
Esta é a minha clavícula;
esta é a carantonha com que insulto
as febres no espelho. Porque nada
faz sentido. Estamos quites.
Ensarilhados em nosso nevoeiro.
Absurdidade, minha fêmea
esta é a minha língua deformante,
meus jogos dissuasórios.
Porque nada faz sentido, nada.
Anjos pictóricos de estranhas asas
anunciam o próximo massacre:
corpos carbonizados numa aldeia
da Nigéria. Dois mil mortos.
Nenhuma repercussão na mídia.
São apenas negros: quem se importa?
2015
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
SOBRE A "LITERATURA DE MERCADO" (II)
A Festa Literária Internacional
de Paraty (FLIP), evento criado para promover os autores publicados pelas
grandes editoras, em especial a Companhia das Letras, com amplo apoio
midiático, recebe patrocínio de um banco estatal, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS). Sim, um evento de empresas privadas
recebe financiamento de um banco público. Alguém sabe dizer quais são as
contrapartidas oferecidas por essas empresas privadas ao estado brasileiro? Ou
trata-se apenas de mais um triste exemplo da privatização do estado nacional?
terça-feira, 20 de outubro de 2015
SOBRE A "LITERATURA DE MERCADO"
Há literatura de entretenimento de qualidade? Sim, há. Escritores que se
dedicaram à ficção científica, ao terror, ao romance policial ou de
aventura, como H. P. Lovecraft, H. G. Wells, Julio Verne, Ray Bradbury,
Conan Doyle, Alexandre Dumas, para citar poucos exemplos, criaram obras
originais, com enredos que anteciparam invenções e descobertas
científicas que aconteceriam muito tempo depois, como os submarinos e a
viagem à lua, ou que ainda não ocorreram, como o deslocamento para
outras dimensões do tempo. Não se trata, é claro, de obras com a mesma
densidade psicológica de Dostoievski, com a riqueza da investigação
social de Balzac ou com a violenta novidade formal de Joyce, mas são bem
construídas, prendem a atenção do leitor ingênuo ou culto (Jorge Luis
Borges amava Robert Louis Stevenson, autor de A Ilha do Tesouro) e
conseguiram passar pelo crivo do mais severo dos críticos literários, o
Senhor Tempo.
OUTRA COISA, totalmente diferente, é a "literatura de
mercado" promovida pela mídia, grandes livrarias e editoras, como a
Companhia das Letras, que não tem a mesma originalidade temática de um
Júlio Verne ou de um H. G. Wells, nem preocupações de ordem filosófica,
estética ou social, mas que é maquiada para ser apresentada ao público
como se fosse "grande literatura". Nisso reside a sua essencial
mentira: não estamos falando aqui de obras que acrescentam alguma coisa à
tradição literária, em geral elas apenas repetem clichês sobre a
violência urbana, o misticismo, a sexualidade, conflitos culturais ou
supostos dramas existenciais com a leveza e descompromisso de uma
crônica de jornal ou livro de autoajuda. São publicações para serem
lidas no salão de cabeleireiro, no consultório da psicanalista, no metrô,
na fila do banco, e depois emprestadas a um amigo e completamente
esquecidas. Não têm substância que permaneça, que mereça releitura, para
a descoberta de outras camadas de significados ou para o reencantamento
dos sentidos, pelo prazer estético do texto. São livros realmente
ruins.
Sem dúvida, é possível argumentar que essa avaliação depende
também de critérios de gosto, que é subjetivo, ou de modelos teóricos da
crítica literária. Neste caso, podemos contra-argumentar apresentando a
seguinte comparação: um livro como Memórias póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis, foi publicado em capítulos na imprensa diária da
época, há mais de cem anos – logo, havia um propósito comercial nessa
literatura – mas ainda hoje é lido e estudado, por sua imensa riqueza
formal e imaginativa; alguém acredita, sinceramente, que o romance de
Fernanda Torres será lembrado daqui a cinco anos, ou mesmo cinco meses?
Não há nenhum mal na diversidade de estilos, gêneros e técnicas
literárias, não há nenhum mal num escritor pensar deliberadamente em
escrever obras de entretenimento, para obter retorno financeiro, quando
suas obras são bem escritas (pensemos no caso de Edgar Allan Poe,
criador da literatura policial).
O problema ético, literário e cultural,
em minha opinião, acontece quando a “literatura de mercado” monopoliza a
atenção da mídia, se impõe ao leitor pelo lobby de grandes editores e
livreiros, obtém o favor de concursos, bolsas e editais, pelo poder de
fogo da indústria cultural, acaba sendo reconhecida inclusive pelo
Ministério da Cultura e secretarias estaduais, em detrimento da
literatura séria produzida por poetas, contistas, romancistas ou
dramaturgos que não compactuam com o mercado e produzem obras densas e
inventivas que são recusadas pelo lobby da indústria cultural. Não
existe igualdade de oportunidades porque o livro que saiu pela pequena
editora não terá o mesmo espaço, na vitrine da Livraria Cultura, que o
título publicado pela Cosac & Naif ou pela Record, não terá resenha
ou mesmo notinha nos jornais, não será comprado pelos órgãos públicos
para ser distribuído em bibliotecas escolares e raramente receberá
prêmios ou bolsas em concursos. É uma literatura que já nasce com o
estigma de “difícil”, “não comercial”, portanto, à margem do sistema. É
negada a igualdade de oportunidades e, assim, é negada a liberdade de
escolha do leitor: o mercado impõe aquilo que bem entende, com uma
imensa rede de apoio pública e privada, e assim implanta a massificação,
a boçalização da sensibilidade. Quem perde com isso? Os escritores, os
leitores, a literatura e a construção da memória e da cultura nacional.
terça-feira, 13 de outubro de 2015
CARAPUÇAS PARA TODOS
Poetas que defendem o golpe de
estado contra Dilma não são ingênuos, desinformados ou ignorantes, não
desconhecem a história recente do país nem estão preocupados com ética,
democracia, inclusão social ou com o desenvolvimento do país. São apenas
burgueses que defendem os seus interesses de classe e pequeno-burgueses que
imaginam fazer parte da elite e estão pouco se lixando para os programas
sociais e a erradicação da miséria. São bons poetas? Sim, muitos deles são bons
poetas, mas, como seres humanos, são LIXO e prefiro não conviver com a escória
fascista. P.S.: a carapuça é para todas as cabeças que a merecerem.
domingo, 11 de outubro de 2015
PEQUENA LISTA DE COISAS DELICADAS
1) microleão esculpido em
marfim; 2) leque decorado com uma lua vermelha; 3) formigueiro seco construído
sobre um pedaço de cristal; 4) borboleta amarela voando sobre um filete de
água; 5) faca tradicional japonesa (tanto), utilizada no suicídio ritual dos
samurais (seppuku); 6) um anel de estanho entalhado; 7) coleção de malaquitas;
8) visão inesperada de seios; 9) caracol subindo numa folha; 10) pintura de
galo a nanquim em papel de seda; 11) cálice de saquê do tamanho de um dedal; 12) o som da
flauta de bambu; 13) pêlos ruivos púbicos; 14) o desenho da espuma nas ondas,
recordando um dragão-do-mar; 15) o desenho das nuvens simulando um elefante;
16) frasco de mercúrio líquido; 17) pequeno peixe obeso cor de mercúrio; 18)
arcos no pátio de uma igreja franciscana do século XVII; 19) espadas
curvilíneas árabes; 20) fazer um tucano sangrar pelos olhos; 21) lagarto marrom
se escondendo atrás das rochas numa tarde clara de sol.
PEQUENA LISTA DE COISAS ENÉRGICAS
1) deusa Kali dançando
sobre o corpo de Shiva, com um colar de crânios sobre os seios e um cinturão
com mãos de demônios decepadas; 2) Avalokiteshvara com seus 108 braços
segurando diferentes armas sobrenaturais; 3) Ogum dançando com a sua espada; 4)
vendedor na feira partindo um coco ao meio com o seu facão, em um único golpe;
5) zigurate de sete andares da antiga Babilônia; 6) a cidade de pedra de
Angkor, no Camboja; 7) hélices de um helicóptero russo; 8) casal de leões fazendo amor na caverna; 9) leopardo
correndo na savana; 10) kotegaeshi (chave de pulso do Aikidô e outras artes
marciais japonesas) aplicado com timing, energia e precisão; 11) anel de ouro
com um rubi vermelho-marrom; 12) a voz de sua mãe, em algum momento de sua
infância; 13) os dentes de um cão pincher; 14) a Sagração da Primavera de Igor
Stravinski; 15) caça russo Sukhoi-32 voando a dois mil km/2 sobre a Síria,
mandando os terroristas para o inferno; 16) Claudio Daniel arrancando a
mandíbula de tucanos e liberais.
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
A LÍRICA ANARCOPUNK DE DELMO MONTENEGRO
Delmo Montenegro publicou em 2003 o seu livro de estreia, Os
jogadores de cartas, poema longo que mescla narrativa histórica, mitologia,
crítica política, drama teatral e sátira do discurso da alta cultura. Seguindo
o conceito do poeta norte-americano Edgar Allan Poe, para quem o poema longo é
uma sucessão de poemas breves, Delmo Montenegro constroi seu livro inaugural
como uma sequência fragmentária e descontínua de elementos verbais e visuais,
utilizando diferentes tipologias de letras e recursos de espacialização de
palavras e linhas, à maneira do Lance de dados de Mallarmé, que
funcionam como a notação em uma partitura musical, indicando pausas,
ênfases, mudanças de timbre, materializadas na oralização. A dicção do poeta pernambucano
é paródica, captura e amplia diversas
vozes, a melopeia simbolista, o jorro semântico beatnik e certo
brutalismo expressionista, como podemos ler nestas linhas: “nos túneis de
horror materno / nós caminhamos / por ordem da rainha de Bethsabath / (...)
tateando pelo escuro pelas fossas / pelo sol pútrido das fezes / caduceu das
moscas / avançamos / pelo Horror disforme / em nossas máscaras”. O jogo
paródico e polifônico é reforçado pela colagem de desenhos e ilustrações que
funcionam como ready made dadaístas, assim como as citações de personagens
históricos e mitológicos de diversos tempos e espaços, reais e imaginários. Todas
essas citações têm evidente caráter lúdico e compõem uma alegoria jocosa e
cruel da jornada humana.
Ciao cadáver, segundo livro de Delmo Montenegro,
publicado em 2005, com projeto gráfico de Jorge Padilha, investe em outra
estratégia criativa, apresentando poemas de arquitetura minimalista que
exploram recursos semânticos como neologismos, arcaísmos, termos científicos
extraídos da medicina e da biologia e vocábulos estrangeiros para a criação de
teratologias que recordam a pintura de Pieter Bruegel ou Hieronymus Bosch:
“luxo-caveira”, “mandíbula-bistrot: vagina”, “achtung-esqueleto”,
“cobra-caveira”, “pirâmide fecal”. É uma
poesia altamente concentrada, com ecos evidentes da música erudita de vanguarda
– Boulez, Stockhausen, Varèse, Cage –, porém, não deve ser identificada com
alguma forma de poesia pura ou abstrata, alheia aos acontecimentos no mundo,
bem ao contrário; trata-se de uma poesia crítica, tanto às formas consolidadas
do discurso quanto à própria realidade, crítica que se concretiza em compactas
metáforas como “latão-ônix-pesadelo”, “televisão-diapasão-diarreia”, “língua-porco-crematório”,
“aracnoacordedestempero”. Ciao cadáver tem uma dicção anarcopunk
habitada por pesadelos de Francis Bacon ou fantasmas de Franz Kafka, em que o
próprio lirismo se transfigura em cenários hellraiser,
como nestas linhas da composição intitulada ausência:
tálamo-caveira-canto (para greta):
“um leque / esqueleto-cobre: / rizoma-de-dores (maria / erêndira / recostada)
ossuário- / fragonard / pânico da
língua / vestes / sob vestes / : ali (ônfalo-angústia- / cachalote)
sobrescreves / beleza-máscara”.
Em seu livro mais recente, Recife
no hay, publicado em 2013 e vencedor do I Prêmio Pernambuco de Literatura,
Delmo Montenegro retorna a um discurso mais linear, porém, mantém a ironia, o
sarcasmo e o humor negro já presentes em seus livros anteriores, em versos como
estes: “vamos para a praia dos nervos / para as geleiras / infames / desossar
orquídeas / montar na prancha dos assassinos / o grande / kahuna / espera / por
/ nós”. Em outra composição, intitulada os
dinossauros, o poeta pernambucano escreve: “poetas são como / dinossauros /
todos vão ser extintos / de uma hora / pra outra, todos / sem exceção / guarde
o seu lote / na cratera / de / Chicxulub”.
A virulência satírica, mais visível neste volume que nos anteriores,
aproxima Delmo Montenegro da tradição marginal de poetas como Roberto Piva,
Sebastião Nunes e Glauco Mattoso, linha criativa diversa do construtivismo de Ciao cadáver mas com o mesmo potencial subversivo
em relação às “boas maneiras” do verbo. Outro aspecto que chama a atenção em Recife
no hay são as narrativas poéticas, a meio fio entre a fabulação e o canto
dissonante, como por exemplo nesta peça, de alto impacto: “sim, seremos amantes
/ solte sua voz / valvulada / durma comigo / seja meu cadáver esta noite /
depois / ponha / os cílios postiços / e / desapareça / sem amor, sem paradas
cardíacas / sejamos / apenas / dóceis animais empalhados / -- ouça agora,
revolva agora -- / meu / nome /é / cão / -- abra meu zíper // / palhas”.
(Artigo de Claudio
Daniel publicado na
edição de outubro da revista CULT, na coluna RETRATO DO ARTISTA)
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
RECITAL DA CAIXA PRETA & CADERNOS BESTIAIS
O Recital da Caixa Preta acontecerá
no dia 22 de outubro, quinta-feira, a partir das 19h, na Casa das Rosas,
situada na Av. Paulista, n. 37. Na ocasião haverá leituras poéticas de autores convidados e o lançamento de vários livros da Lumme Editor, inclusive do segundo volume de minha obra Cadernos Bestiais. Publico abaixo um dos poemas do livro:
HINO À POLÍCIA
Toca o terror —
cabeças de arimãs
reverberam féretros
assanha-se histérica
turba de behemoths
damballas beherits
capacetes visores
escudos tonfas
vidro moído ferro
esturricado pneus
incendiados entre
balas de borracha
rasgando rasgando
vielas entrevértebras
fantoches toscos
fantoches-ferrabrás
com fuzis automáticos
de mira telescópica
escarnecidos espectros
em carros blindados
para a contra-insurgência
nas avenidas furiosas
de meu próprio país.
2015
terça-feira, 6 de outubro de 2015
PEQUENA LISTA DE LIVROS ESSENCIAIS
1) a Odisseia de Homero; 2) Tao Te King, de Lao Tzu; 3) Dhammapada;
4) Bhagavad Gita; 5) I Ching; 6) Cântico dos Cânticos de Salomão e o Qohélet,
do Antigo Testamento (pela poesia); 7) A Antologia da Poesia Clássica definida
por Confúcio; 8) A poesia de Li T'ai Po; 9) os diários de viagem de Bashô; 10)
a Chrestomatia arcaica, que reúne a poesia trovadoresca galego-portuguesa; 11)
a Divina Comédia de Dante; 12) os Lusíadas (e os sonetos) de Camões; 12) os Ensaios de Montaigne; 13) o Fausto de
Goethe; 14) As Flores do mal de Baudelaire; 15) a Poesia Completa de Rimbaud;
16) idem, de Mallarmé; 16) Parerga e Paraliponema, de Schopenhauer; 17) Assim
falava Zaratustra, de Nietzsche; 18) A origem das espécies, de Darwin; 19) o Manifesto
Comunista e O Capital, de Marx; 20) O futuro de uma ilusão e O mal estar na
civilização, de Freud; 21) Crime e castigo e Os irmãos Karamazov, de
Dostoievski; 22) O castelo, A metamorfose e O processo, de Kafka; 23) A
montanha mágica e Doutor Fausto, de Thomas Mann; 24) Obras completas de Jorge
Luis Borges; 25) O eu profundo e os outros eus, de Fernando Pessoa; 26) Os
cantos, de Ezra Pound; 27) Terra devastada, de T. S. Eliot; 28) Ulisses e
Finnegans Wake, de James Joyce; 29) Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa;
30) Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; 31) Rosa do povo, de
Carlos Drummond de Andrade; 32) Poesia completa de Maiakovski; 33) Poesia
completa de João Cabral de Melo Neto; 34) centenas de outros títulos que não
caberiam aqui.
PEQUENA LISTA DE COISAS SENSUAIS
1) tatuagens; 2) tecidos indianos; 3) safiras; 4) conchas brancas; 5)
frutos-do-mar; 6) a Lua; 7) papel de seda; 8) o marfim; 9) a madrepérola; 10)
saquê gelado; 11) estátuas do período alexandrino; 12) pés femininos nus; 13)
gargantilhas; 14) correntinhas de tornozelo; 15) o mar; 16) a cor azul; 17)
morangos, goiabas; 18) gravuras coloridas japonesas; 19) danças africanas; 20)
Cuba; 21) a noite; 22) música de Debussy e Henri Duparc; 23) poesia de Herberto
Helder; 24) uma larva, transformada em borboleta, rompendo o casulo e alçando
voo pela primeira vez.
PEQUENA LISTA DE COISAS ADMIRÁVEIS
1) sashimi e sushi com saquê; 2) arroz indiano com passas e
especiarias; 3) chá do Ceilão; 4) vinho tinto seco; 5) doces portugueses; 6)
danças tradicionais da Indonésia; 7) espadas japonesas; 8) máscaras africanas;
9) os Cantos de Ezra Pound; 10) os Ensaios de Montaigne; 11) os haicais de
Bashô; 12) o jazz de John Coltrane; 13) as óperas de Wagner; 14) gatos, tigres,
panteras, felinos em geral; 15) orquídeas; 16) a pintura de Miró, Kandinsky,
Maliévitch; 17) a Palestina; 18) a Índia; 19) a China; 20) o Japão; 21) Marx,
Engels, Lênin, Stalin; 22) a arquitetura de Gaudí; 23) a mulher que nunca
conheci; 24) a cor vermelha; 25) a revolução socialista internacional.
PEQUENA LISTA DE COISAS ABOMINÁVEIS
1) couve-de-bruxelas; 2) beterraba; 3) mandioquinha; 4) vinho doce
espumante; 5) a cor roxa; 6) karaokê; 7) pastores evangélicos; 8) sertanejo,
pagode e outros ruídos antimusicais; 9) a mídia hegemônica; 10) bancos; 11)
latifúndios; 12) juízes; 13) Paulo Coelho; 14) Angélica Freitas; 15) Ricardo
Domeneck; 16) fome; 17) guerra; 18) ódio; 19) preconceito; 20) P$DB; 21) o
telefone; 22) capitalismo; 23) racismo; 24) sionismo; 25) fascismo; 26)
imperialismo; 27) a burrice.
domingo, 4 de outubro de 2015
SOBRE A CRÍTICA LITERÁRIA
Críticos literários cometem erros? Sim, com frequência!
Saint-Beuve condenou a suposta "imoralidade" de Flaubert e
Baudelaire. Sílvio Romero não reconheceu plenamente o talento de Machado de
Assis. José Veríssimo condenou a linguagem “obscura” de “Os sertões”, de
Euclides da Cunha. Antonio Candido excluiu o barroco de sua “Formação da
Literatura Brasileira” e não compreendeu Sousândrade. Wilson Martins
considerava Mário Palmério superior a Guimarães Rosa -- para citar poucos exemplos. A crítica
literária, quando não segue determinada teoria literária, com um método
particular de leitura e interpretação de textos, obedece a critérios subjetivos
de gosto pessoal, e em AMBOS os casos pode cometer injustiças, inclusive pela
inadequação da teoria ao texto analisado. Isto não significa que o trabalho do
crítico seja sempre insuficiente ou inferior ao texto literário: ele é uma
intervenção paralela à obra literária e o seu mérito, quando o crítico realiza
bem a sua tarefa, está na discussão inteligente dos procedimentos artísticos
adotados pelo escritor, contribuindo para iluminar o entendimento dessa obra. O
crítico fracassa quando sua leitura não é capaz de dar conta da proposta do
autor analisado, quando valoriza excessivamente autores de segunda ordem, por
motivos nem sempre literários, ou quando subestima autores de maior
originalidade, por não compreendê-los ou por razões de desavença pessoal,
interesse comercial, orientação jornalística ou política literária. Uma
atividade de especial importância do crítico literário é a do questionamento,
ampliação ou reinvenção do cânone literário, pela inclusão de autores de
qualidade injustamente esquecidos, como Augusto de Campos fez com Sousândrade e
Pedro Kilkerry, e também pela exclusão de autores sem originalidade e densidade
semântica, cuja reputação foi construída a partir de redes de relacionamento
social próximas às instâncias de poder universitário, editorial ou midiático
(sim, esta é uma referência direta a Ricardo Domeneck, Angélica Freitas e
outros autores medíocres inventados por Carlito Azevedo). Em todos os casos, a
crítica literária nunca é mais importante que a leitura direta dos poemas,
contos, novelas ou romances. Ela própria constitui um gênero literário, quando
tem a densidade do ensaio, e pode ser considerada, para além da dimensão
argumentativa, como construção estética, como no caso dos livros de Walter
Benjamin.
FILÓSOFOS, COGUMELOS
Rumor de verde-água esse bosque de caninos que desaparece.
Trevos
na boca
— odor
de cogumelos
e lua-de-
mosquitos —.
Estranha senhora fênix viaja em
caligrafia sua
tiara
azul.
Vagares da lua de outono biombo jasmim dragão
no teto
curvo
como atravessar
espelhos.
— Armas e cascos de cavalos
ao longe —.
Filósofos-de-laca conjeturam possíveis amanhãs
2003
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
LEOA, CLAVÍCULA
Jovem negra pinta de azul-violeta as pontas dos mamilos.
Há jaguares
sob as unhas.
sob as unhas.
Mímica
de esfinge
nos pulsos.
de esfinge
nos pulsos.
Núbia voz animal raio-de-pedra golpeia nudez janaína
reflexo de híbrida
orquídea
ou seio-
noite-
flor-
que incandesce.
reflexo de híbrida
orquídea
ou seio-
noite-
flor-
que incandesce.
(Três colares
de relva;
riscos
gravados
na rocha,
sortilégio.)
de relva;
riscos
gravados
na rocha,
sortilégio.)
(Pintura: mascar o carvão leonino da desértica
epiderme,
ruminando
arenoso
até cantar
a clavícula.)
epiderme,
ruminando
arenoso
até cantar
a clavícula.)
Claudio
Daniel, 2003.
Imagem: Uwe
Ommer.
(Poema publicado no livro Figuras metálicas. São Paulo:
Perspectiva, 2004.)
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