A sociedade brasileira viveu em
2015 uma intensa disputa política entre dois projetos de poder: o da presidenta
Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), reeleita em eleições livres
e democráticas no ano anterior, e o da oposição golpista, liderada pelos
grandes meios de comunicação, empresários, setores conservadores da classe
média e partidos como o PSDB, PPS e DEM, derrotados nas urnas e até hoje
inconformados com o repúdio da população ao seu candidato, Aécio Neves.
Antes mesmo de a presidenta assumir seu novo mandato, para dar continuidade a um ciclo de doze anos de governos democráticos e
populares iniciado em 2002 com a vitória do ex-líder operário brasileiro Luís
Inácio Lula da Silva (PT), a oposição golpista tentou impedir a sua posse,
realizando marchas fascistas pedindo a volta da ditadura militar e usando
diferentes artimanhas para impedir que ela assumisse o cargo, ora pedindo
a recontagem dos votos, que teriam sido “manipulados” pelas urnas eletrônicas (!!!),
ora questionando as contas da campanha e o orçamento do ano anterior para impedir a sua diplomação, sem nenhuma base legal. Atualmente, o pretexto usado
pela oposição é a política fiscal do governo federal – as chamadas “pedaladas”
– também praticada por governos anteriores e nunca questionada.
Dilma Rousseff tem uma biografia
limpa, ao contrário de seus adversários: lutou na resistência contra a ditadura
militar, como guerrilheira, não enriqueceu, não tem contas na Suíça (como
Eduardo Cunha), nem casas em Paris (como FHC), nem sonegou o imposto de renda,
como os seus principais opositores. Ela obteve 54 milhões de votos nas urnas e
é apoiada por partidos de esquerda e centro-esquerda como PT, PDT e PCdoB, setores de legendas de centro-direita, como o PMDB, pelos principais movimentos sociais brasileiros, como as centrais
sindicais CUT e CTB, o Movimento dos trabalhadores sem terras (MST) e sem
moradia (MTST), entidades estudantis (UNE, UBES, UJS), de mulheres (UBM),
negros (Unegro), entre outras, e por intelectuais, escritores e artistas como Antonio Candido, Alfredo Bosi, Augusto de Campos, Marilena Chauí, Chico Buarque de Hollanda, Fernando Moraes, Marieta Severo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Schwartz.
Seus opositores têm apoio da Rede
Globo, revista VEJA, jornais Folha de S.
Paulo e Estado de S. Paulo (que também promoveram o golpe de 1964 e apoiaram o regime militar), da FIESP, entidade dos
grandes empresários, da maioria conservadora na Câmara dos Deputados, presidida
por Eduardo Cunha (PMDB), processado por corrupção, e de grupos abertamente de
extrema-direita, financiados pelos Estados Unidos, como Revoltados On Line, Vem
Pra Rua e Movimento Brasil Livre, protagonizados por personagens oriundos da
ditadura militar, como o ex-capitão Jair Bolosonaro, com passado de tortura,
estupro e assassinatos.
Apesar da intensa campanha de
difamação de Dilma, Lula e do Partido dos Trabalhadores na mídia, que acontece
todos os dias (não se trata de jornalismo, mas de difamação, calúnia e
propaganda política explícita em favor do partido PSDB, que representa a
direita no Brasil), no dia 16 de dezembro foi realizada uma passeata com mais
de cem mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, em apoio à presidenta, além de dezenas
de milhares que se reuniram em outras capitais e cidades brasileiras. Para
efeito de comparação, a última passeata pró-impeachment, realizada na mesma
Avenida Paulista, reuniu de 28 mil a 40 mil fascistas.
Juristas de diferentes posições
ideológicas como Claudio Lembo, Fábio Konder Comparato, Dalmo de Abreu
Dallari, declararam a inconstitucionalidade do pedido de impeachment – na
verdade, golpe de estado --, também repudiado pela Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na última
semana, graças à defesa que a sociedade civil fez do mandato legítimo de Dilma
Rousseff e da manutenção da democracia e do estado de direito no país, o
Supremo Tribunal Federal mudou o rito do impeachment definido pela Câmara dos
Deputados, de modo que o tema seja discutido e votado em respeito à
Constituição, sem as manobras golpistas que garantiriam a execução do golpe de
estado.
Mesmo que a Câmara aprove o impeachment, o que hoje é muito mais
difícil, graças ao entendimento do STF, poderá ser facilmente derrotado no
Senado, cujo presidente, Renan Calheiros, já se manifestou contra o afastamento
da presidenta. Esta é uma grande vitória da democracia no Brasil e motivo de
orgulho para a bancada, militância e eleitores do Partido Comunista do Brasil (PCdoB),
cuja deputada Jandira Feghali foi responsável pela ação junto ao STF que
praticamente enterrou o golpe de estado no país.
O que representa, afinal, essa
disputa política?
A oposição de direita apresenta
os mesmos “argumentos” já utilizados em 1964 no golpe civil-militar que
derrubou o presidente João Goulart: corrupção e ameaça comunista. Curiosamente,
essa mesma oposição nunca denunciou a compra de votos no Congresso para a reeeleição
de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que pagou R$ 200 mil para cada deputado e
senador que votasse a favor da reeleição, assim como nunca se revoltou com
as propinas recebidas por FHC e José Serra (também do PSDB) durante a chamada
Privataria Tucana – privatizações irregulares de empresas estatais lucrativas
brasileiras a preço de banana, como a Companhia Vale do Rio Doce, cujo valor de
mercado era de R$ 100 bilhões na época e que foi vendida por apenas R$ 3
bilhões (os valores recebidos pelos tucanos, depositados em paraísos fiscais, é
fato documentado no livro “Privataria Tucana”, de Amaury Jr., mas nunca foi
investigado ou punido).
A indignação seletiva da direita
brasileira também aceita o chamado “mensalão mineiro” de Aécio Neves, o tráfico
de drogas dirigido por um senador próximo ao PSDB – um helicóptero com 450 kg de cocaína foi
apreendido, mas seu proprietário até hoje encontra-se em completa liberdade --,
e ainda os escândalos de corrupção que envolvem o governo de Geraldo Alckmin
(PSDB) no estado de São Paulo, especialmente nas empresas de metrô e de
abastecimento de água. Dilma Rousseff, ao contrário, deu completa liberdade à
Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Procurador Geral da República para
que todos os escândalos de corrupção, dentro e fora de seu governo, sejam
investigados e os responsáveis, punidos – o que JAMAIS aconteceu nos oito anos
de desgoverno de FHC, que engavetou todos os processos e denúncias que
envolviam, já em seu mandato, a Petrobrás.
A corrupção, portanto, é apenas
um pretexto para a direita, não uma questão de princípio. Em 2015, inclusive,
revelou-se que grandes empresários brasileiros – os mesmos que apoiam o golpe
de estado –
sonegaram imposto de renda e
depositaram bilhões de dólares irregularmente em contas no exterior (confiram
em
http://www.brasildefato.com.br/node/33330
e em
http://transfersan.com.br/portal/itau-bradesco-vale-500-empresas-devem-r-392-bilhoes-a-uniao/).
Apenas três empresas – os bancos Itaú, Bradesco e Vale do Rio Doce – devem R$ 392
bilhões à União, sem que isso seja amplamente denunciado na mídia golpista. Entre as empresas sonegadoras e com depósitos em paraísos fiscais estão, é claro, grandes jornais e emissoras de televisão.
Quanto ao suposto “comunismo” de
Dilma Rousseff, ele se traduz em políticas de inclusão social que, pela
primeira vez na história do país, favoreceram os mais pobres, os negros e as
mulheres – 32 milhões de brasileiros saíram da miséria em doze anos e o país
foi retirado do mapa da fome pela ONU, graças a programas como o Bolsa-Família,
elogiado nos EUA por Hillary Clinton e adotado, posteriormente, na Suíça e no
Japão. Dilma e Lula construíram 12 universidades federais (FHC, nenhuma) e mais
de 400 escolas técnicas (FHC, menos de 20). No primeiro mandato de Dilma, foi
aprovado que 10% do PIB e 75% dos roylaties do petróleo sejam investidos na
educação (e os demais 25% na saúde). O programa Mais Médicos contratou mais 18
mil profissionais da saúde brasileiros e estrangeiros para atenderem a cerca de
50 milhões de brasileiros nas regiões mais pobres do país (claro, sendo
duramente atacado pela elite médica brasileira, cuja origem social é a
burguesia, que tem nojo de pobres, negros e nordestinos e recusa-se a
trabalhar em tais áreas).
Dilma reajustou o salário mínimo
acima da inflação (segundo o insuspeito jornal Folha de S. Paulo a vida dos
mais pobres melhorou 129% nos últimos 12 anos), preservou a legislação
trabalhista, que o PSDB pretende “flexibilizar”, revogando direitos em
benefício do acúmulo de mais lucros pelos empresários, e interrompeu o ciclo de
privatizações de FHC, mantendo a propriedade estatal da Petrobrás, Banco do
Brasil, Caixa Econômica Federal e outras empresas públicas. O PSDB, por sua
vez, tem votado no Congresso Nacional – o mais conservador desde 1964 – a favor
de projetos de exclusão social, como os da redução da maioridade penal para 15
anos de idade, o da ampliação da terceirização no mercado de trabalho, o que na
prática revoga direitos trabalhistas, pela redução do acesso da mulher ao
aborto em hospitais públicos, privatização da Petrobrás e outras empresas públicas,
fim do regime de partilha para a exploração do pré-sal, entre outras pautas
reacionárias.
O PT não é um partido revolucionário; ele nasceu das lutas operárias e populares no final da década de 1970 contra o regime militar e possuía um programa socialista. Hoje, é uma legenda social-democrata, que se propõe a fazer programas de distribuição de renda, democratização do estado e ampliação dos direitos sociais, mas nem isso a burguesia brasileira, que conserva a ideologia de Casa Grande & Senzala, está disposta a aceitar.
Já o PSDB, nos estados do país que desgoverna, como São Paulo, Goiás e Paraná, tem protagonizado violenta repressão policial a estudantes, professores e movimentos sociais, inclusive com o uso de helicópteros, blindados, tropa de choque, spray pimenta, bombas e balas de borracha. Exercida pela Polícia Militar, criada na época da ditadura, a violência acontece regularmente nos bairros de periferia, contra a juventude negra e pobre. Como se não bastasse a violência contra a juventude, os desgovernos tucanos ainda tentam implementar o projeto de "reorganização" da educação, que na prática significa privatização do ensino, fechamento de centenas de escolas e demissão de professores e funcionários, além do crescimento da evasão escolar. Em São Paulo, os estudantes ocupam mais de 200 escolas e enfrentam a Polícia Militar, aos gritos de "Não tem arrego! Você tira a nossa escola, a gente tira o seu sossego!".
Na política internacional, Dilma
Rousseff manteve a política iniciada por Lula – integração com a América Latina
(MERCOSUL, Celac, Unasul), recusa à participação em uma “zona de livre
comércio” com os EUA (antes, ALCA, hoje, Aliança do Pacífico), que arruinaria a
indústria nacional, incapaz de concorrer com a norte-americana. Dilma denunciou
a agressão imperialista à Líbia, apoia firmemente a causa da criação do Estado
da Palestina, denunciando a violência sionista contra o povo palestino, e está
entre os arquitetos do novo bloco geopolítico internacional, os BRICs – Brasil,
Rússia, Índia, China, África do Sul – que ameaça a hegemonia política e
econômica do imperialismo norte-americano.
Já a oposição golpista, liderada
pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aloysio Nunes, Geraldo
Alckmin, defende o oposto: redução da importância do MERCOSUL, retorno à OEA
(onde os Estados Unidos têm direito a voto e veto), ingresso na Aliança do Pacífico, privatização da Petrobrás,
fim do regime de partilha para a exploração do pré-sal e entrega de nossas
riquezas para as companhias internacionais, tal como FHC fez com a Companhia
Vale do Rio Doce. Um Brasil desgovernado pelo PSDB estaria fora dos BRICs e
alinhado com os Estados Unidos, a OTAN, Israel, e exerceria um papel de
desestabilização dos governos progressistas na América Latina – Venezuela,
Cuba, Bolívia, Equador, Chile, Uruguai.
Quanto à suposta crise econômica
brasileira, é preciso ressaltar alguns pontos: 1) há uma crise econômica
internacional iniciada em 2007, nos EUA, quando Obama usou dinheiro público para
socorrer os bancos privados, para evitar sua falência. Essa crise teve
desdobramentos, nos anos seguintes, na Europa, especialmente na Grécia,
Portugal, Espanha, Itália e França (nesse último país, a taxa de desemprego é
de 10%; na Espanha, 26%, e na Grécia, 27%). O Brasil, sob os governos de Lula e
Dilma, foi pouco atingido por essa crise, que se tornou mais visível a partir
de 2014, com o crescimento das taxas de inflação e desemprego.
O que a mídia
não diz é que parte da responsabilidade por essa crise é das grandes empresas
brasileiras, que demitem milhares de trabalhadores, usando a desculpa da
“crise”, para reduzir despesas e concentrar ainda mais o lucro, e dos próprios
meios de comunicação, que buscam criar, artificialmente, um sentimento de pessimismo
para justificar o afastamento da presidenta. A criminalização pela mídia das
grandes construtoras brasileiras, que empregam 500 mil trabalhadores e têm
realizado obras de grande porte no país e no exterior, também tem a sua parcela
de culpa pela retração da economia (neste caso,
há um reflexo da contradição entre os setores capitalistas produtivos e
aqueles vinculados ao capital financeiro e ao rentismo).
A situação econômica
brasileira atual nem de longe pode ser comparada com a dos oito anos de mandato
de FHC: basta compararmos os números dos dois governos – taxas de desemprego,
inflação, PIB, valor do salário mínimo, da cesta básica, da gasolina etc. Com a
saída de Levy do Ministério da Fazenda, o país tem todas as condições para
retomar uma agenda positiva de desenvolvimento e de ampliação dos investimentos
em programas sociais como o Minha Casa Minha Vida, maior projeto de habitação
popular já implementado no Brasil, que entregou, até 2014, quatro milhões de
moradias.
Em 2016, com certeza, a disputa
política continuará intensa, e os movimentos sociais têm clareza de seus
objetivos: defender a democracia, o estado de direito e o mandato legítimo de
Dilma Rousseff, defenestrar Eduardo Cunha da presidência da Câmara Federal –
ele tem um prontuário criminal suficiente para ser preso – e lutar pela
retomada do crescimento econômico, com distribuição de renda e ampliação dos
programas sociais para o benefício de toda a sociedade brasileira.
#NãoVaiTerGolpe!
#FascistasNãoPassarão!
Claudio
Daniel