MAIS MAIAKOVSKI

HINO AO CRÍTICO

Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
Tagarela, nasceu um rebento raquítico.
Filho não é bagulho, não se atira na lixeira.
A mãe chorou e o batizou: crítico.

O pai, recordando sua progenitura,
Vivia a contestar os maternais direitos.
Com tais boas maneiras e tal compostura
Defendia o menino do pendor à sarjeta.

Assim como o vigia cantava a cozinheira,
A mãe cantava, a lavar calça e calção.
Dela o garoto herdou o cheiro de sujeira
E a arte de penetrar fácil e sem sabão.

Quando cresceu, do tamanho de um bastão,
Sardas na cara como um prato de cogumelos,
Lançaram-no, com um leve golpe de joelho,
À rua, para tornar-se um cidadão.

Será preciso muito para ele sair da fralda?
Um pedaço de pano, calças e um embornal.
Com o nariz grácil como um vintém por lauda
Ele cheirou o céu afável do jornal.

E em certa propriedade um certo magnata
Ouviu uma batida suavíssima na aldrava,
E logo o crítico, da teta das palavras
Ordenhou as calças, o pão e uma gravata.

Já vestido e calçado, é fácil fazer pouco
Dos jogos rebuscados dos jovens que pesquisam,
E pensar: quanto a estes, ao menos, é preciso
Mordiscar-lhes de leve os tornozelos loucos.

Mas se se infiltra na rede jornalística
Algo sobre a grandeza de Puchkin ou Dante,
Parece que apodrece ante a nossa vista
Um enorme lacaio, balofo e bajulante.

Quando, por fim, no jubileu do centenário,
Acordares em meio ao fumo funerário,
Verás brilhar na cigarreira-souvenir o
Seu nome em caixa alta, mais alvo do que um lírio.

Escritores, há muitos. Juntem um milhar.
E ergamos em Nice um asilo para os críticos.
Vocês pensam que é mole viver a enxaguar
A nossa roupa branca nos artigos?

Tradução: Augusto de Campos e Boris Schnaiderman

UM POEMA DE MAIAKOVSKI

HINO AO JUIZ

Pelo Mar Vermelho vão, contra a maré,
Na galera a gemer os galés, um por um.
Com um rugido abafam o relincho dos ferros:
Clamam pela pátria perdida – o Peru.

Por um Peru – Paraíso – clamam os peruanos,
Onde havia mulheres, pássaros, danças,
E, sobre guirlandas de flores de laranja,
Baobás – até onde a vista alcança.

Bananas, ananás! Peitos felizes.
Vinho nas vasilhas seladas…
Mas eis que de repente com praga
No Peru imperam os juízes!

Encerraram num círculo de incisos
Os pássaros, as mulheres e o riso.
Boiões de lata, os olhos dos juízes
São faíscas num monte de lixo.

Sob o olhar de um juiz, duro como um jejum,
Caiu, por acaso, um pavão laranja-azul:
Na mesma hora virou cor de carvão
A espaventosa cauda do pavão.

No Peru voavam pelas campinas
Livres os pequeninos colibris;
Os juízes apreenderam-lhes as penas
E aos pobres colibris coibiram.

Já não há mais vulcões em parte alguma,
A todo monte ordenam que se cale.
Há uma tabuleta em cada vale:
“Só vale para quem não fuma.”

Nem os meus versos escapam à censura;
São interditos, sob pena de tortura.
Classificaram-nos como bebidas
Espirituosa: “venda proibida”.

O equador estremece sob o som dos ferros.
Sem pássaros, sem homens, o Peru está a zero.
Somente, acocorados com rancor sob os livros,
Ali jazem, deprimidos, os juízes.

Pobres peruanos sem esperança,
Levados sem razão à galera, um por um.
Os juízes cassam os pássaros, a dança,
A mim e a vocês e ao peru.

Tradução: Augusto de Campos

terça-feira, 27 de setembro de 2011

ESQUELETOS DO NUNCA (VI)


DIFRAÇÃO


Difração é o tempo em que viajamos entre palavras e coisas, memórias e ressentimentos. Nossos focinhos avançam para além dos retratos e nada encontramos além de fungos, fiapos, fêmures.

(Do Dicionário Pessoal de Bolso, I)


SOMBRA (I)

Mortos habitam meu poema. Defraudam a sombra. Esqueletos do nunca, mastigam cada palavra, depois lambem os ossos.

(Entre as pálpebras, cuándo, mi señora?)


SOMBRA (II)

Paul Celan veio aqui, fumou um cigarro, depois jogou-se no rio Sena.

(Paris, a cidade das luzes)


VOLUME, COR

Navega-me, hidrófoba, acende linhas e planos, com a paleta da língua; coxas expandem-se, laboriosas, quando tudo é pele, volume e cor, quando tudo é estrondo.

(Do Diário Sentimental)


DUAS IRMÃS

Mordiam-se nos mamilos, durante o banho; unhavam-se, lambiam-se, como gatas.

(Ao sul do Equador)


DISPERSÃO

Dispersão é o tempo em que répteis assistem a noticiários de TV enquanto garotos primitivos como as flores saqueiam supermercados e os incendeiam.

(Do Dicionário Pessoal de Bolso, II)


PROFECIA

Quando chegar a Mulher Toda Nua, com a sua pose criselefantina, o poeta dirá as coisas mais terríveis; tirará dos bolsos as cartas dos quatro naipes e exigirá um Sentido que não seja o da mera trama do acaso, mas ela rirá de sua face nervurada e o pisará com o mais puro desprezo.

(Do Livro das Profecias )

POEMAS DE ABREU PAXE


EM SEXO LIVRE A LÍNGUA


entre as trevas e a seiva da sintaxe abundam palavras
inofensivas nada dizem à pátria por imitação os impérios
renovam os aspectos os tempos os modos
outro soldado emergia
unia a habitação a fonética e a fonologia ao sol de casa
pirâmides e intervalos o corpo cego texto
regenera cidades por visitar falida interacção
as meninas árvores nocturnas com portas e janelas polares
tudo treme sobre o papel a mesma travessia dispersa tudo

AGORA SEM FARO CALÍGRAFO

com a superfície em posição estrutural
configura-se inesperada montanha um gesto
espontâneo também o silêncio pintando folha no norte da língua
pálpebras previstas em casa chegam a seus pés
o milho que fosse caverna acesa
há uma mesma tarde na boca
os caroços olhos cristalinos permeiam constelações
na própria boca que rumo?
haverá um metálico lado do antigo depoimento
faz a presença a escultura
entra de alguma forma o triângulo de casa


A GARÇA ESTÓRIA FISCAL OS ESTADOS UNIDOS

cheira a glândula o sotaque de nuvens
por razão leitos de ontem
estreito sol a última rua da alma
pés na boca o repouso oco farol
istos jejuns
encharcado e puro quilo
a poça mesmo pano adensa-se
o esqueleto em cascata infixa os estados unidos
outra toalha mineral
apurava perfumes o tempo
carregava sozinho nossos corpos
na derivação ou composição suados e sujos
infinitos e esgazelados ora eufónicos
elegíveis duros rascunhos
dobram os sentidos do horizonte
aquilos na alma ficam os tentáculos envelheciam

POEMAS DE NESTOR PERLONGHER (II)


ÁGUAS AÉREAS


(fragmento XXI)


O JOGO DO CLARO-ESCURO na folhagem largada, como um decalque, estampava de ramalhetes pontilhistas a oscilação das marombas. Havia o perigo da grande serpente fluvial, a ameaça sombria da raia, o sorriso desconfiado dos jacarés e a roída sombra da tartaruga ao submergir entre os sulcos alvoroçados. Tudo tão leve e ao mesmo tempo tão quente, tão exausto. Nos amolece com sua imensidão o céu como um casaco celeste inspirado em Femirama21. Uma sutil feminilidade cinzela com delicadeza os corpos trabalhados (com tachas) dos que remam e seus gestos ágeis como panteras no maconhal. Não é fácil abstrair-se no celeste quando estas superfícies bronzeadas nos deslumbram com seu acento de canto. Sem dúvida, estende-se ao sublime, sublime resplendor.

FORMAS BARROCAS

As volutas dos anteparos mineralizam a desordem dos volumes voluptuosos, em claro-escuros de vibrações. Passa uma sombra pela cascata artificial.


Tradução: Claudio Daniel

POEMAS DE NESTOR PERLONGHER (I)

O AYAHUASQUEIRO

sobre uma pintura de Pablo Amaringo


FOSFORESCENTE DELFINADO: pélago casteleiro em celestinagem morenos membros de meninos submergem sobressaindo rubra a cabeça da água onde nadam ou brincam escamosos unicórnios-do-mar simu-lando lado a lado atrás de uma sereia, delfim enamorado pelo azul nas ondas que sulca em saltos, seu sutil “desmunhecar” — de áureas linhas de raios orlado — ressalta no mergulho a redonda divisão dos grandes volumes molhados. Da água um pouco mais que azul, já prússia, a oleo-sidade transtorna o almíscar para desatar a fumaça que lambe — isto se vê — as tangas de geometrias auriverdes que cingem ou bordejam as cinturas de duas índias sem sutiã. À da direita, as vagas salpicavam uma mistura de açúcar metalizado, numa invasão de pontos, à distância da loura (arde a água embaixo) cabeleira. Da mão da outra saía um lenci-nho vermelho como pimentão que acariciava as espáduas de galápago de um sábio de chapelão achatado cujas mãos emitiam duplas rajadas de energia sanguínea como as veias do braço que alçava a irradiação. Sobre ambas náiades desnudas (finíssimos mamilos: o bico de um pin-cel), um templo cambojano de cujo flanco fluia uma cascata. O sá-bio milagroso sobre uma esfera de águas aéreas inclinava o poder de suas falanges. Uma mulher flutuava quase submersa nesse círculo de água.


Tradução: Claudio Daniel

sábado, 17 de setembro de 2011

O LIVRO NEGRO DO CAPITALISMO


"Um novo relatório oficial sobre a ditadura de Augusto Pinochet, o terceiro em 20 anos de democracia, eleva para mais de 40 mil as vítimas desse regime

(...)

O documento entregue nesta quinta-feira pela Comissão Valech, que atualiza outro relatório feito em 2004, acrescentou 9.800 novas vítimas de torturas e prisão política, que se somam às 27.255 reportadas inicialmente, e 30 novos casos de desaparecidos e executados, que se acrescentam aos 3.195 certificados oficialmente até agora.

Desta forma, o total de vítimas oficiais entre executados, desaparecidos e torturados durante os 17 anos que durou a ditadura de Pinochet (1973-1990) subiu para 40.280, apesar de entre os grupos de vítimas se estimar que a cifra possa superar os 100.000.

(...)

Não há dúvida de que isso é um novo passo na abordagem, nas políticas públicas que o Estado do Chile teve em relação às violações aos direitos humanos no tempo da ditadura", disse María Luisa Sepúlveda, presidente da comissão, depois de entregar o relatório ao presidente Sebastián Piñera.

A comissão reabriu seu trabalho por 18 meses e recebeu no total o depoimento de mais de 32 mil pessoas, mas a maioria destas ficou de fora do relatório após terem sido feitas as verificações ou porque não estavam dentro dos parâmetros definidos para a qualificação de vítimas.

"Há pessoas como os filhos de vítimas que sofreram invasões de domicílio violentas, onde seus pais foram vítimas de prisão e às vezes de execução, que não estão dentro do mandato porque não foram vítimas diretas", explicou Sepúlveda.

"Há outros casos que estavam fora de mandato porque não se pôde provar a motivação política dos casos ou por falta de antecedentes", completou.

"São altamente preocupantes os critérios usados para qualificar as novas vítimas. Pelo nível de repressão que houve nos 17 anos de ditadura e o número de denúncias, o número de vítimas pode passar dos 100 mil", disse à AFP Lorena Pizarro, presidente do Grupo de Familiares de Detidos Desaparecidos (AFDD).

(A matéria está publicada na íntegra na página http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/08/novo-relatorio-sobe-para-mais-de-40000-as-vitimas-da-ditadura-de-pinochet.html)


Em tempo: se vocês pesquisarem no Google "mortos e desaparecidos no Chile", encontrarão poucos links sobre o tema, mas numerosos blogues da extrema-direita que minimizam o genocídio praticado no Chile durante a ditadura de Pinochet, comparando este regime com o de Fidel Castro, em Cuba (que chegou ao poder num movimento revolucionário apoiado pelo povo cubano, e não por um golpe militar planejado nos Estados Unidos). Vamos mudar as estatísticas no Google? Se você está de acordo, por favor, copie este post e cole em seu blog.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

ESTADO DA PALESTINA JÁ!













Caros, no próximo dia 20 de setembro, terça-feira, a partir das 17h, acontecerá uma grande manifestação em apoio ao ingresso da Palestina como membro da ONU (o que na prática significa o reconhecimento do estado palestino pela comunidade internacional). O ato, que terá início em frente ao Teatro Municipal, em São Paulo, é organizado pelo Comitê pelo Estado da Palestina Já, formado por diversos partidos, centrais sindicais, estudantis e movimentos populares. A revista Zunái apóia o movimento pelo Estado da Palestina e convida todos os seus leitores e amigos a participarem desse ato.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

ALICE RUIZ NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO










A poesia brasileira atual apresenta uma diversidade de linhas criativas, que se manifestam nas revistas literárias, recitais, livros e CDs de poesia publicados pelos novos autores. Hoje, não há uma tendência estética hegemônica: encontramos autores que criam sonetos, romances de cordel, poemas visuais, neobarrocos, coloquiais ou investem na temática étnica e social, e essa variedade constitui uma riqueza de nossa literatura. O Centro Cultural São Paulo criou o Clube de Leitura de Poesia para facilitar o acesso do público à produção poética mais recente, promovendo recitais periódicos em que os poetas convidados fazem a leitura de seus poemas e conversam de modo informal com o público sobre questões como a publicação do primeiro livro, a recepção crítica, a relação entre a poesia e outras artes, o papel da internet na divulgação dos novos autores, entre outros temas. Em setembro, nossas convidadas são as poetas Alice Ruiz e Estrela Leminski farão uma leitura dialogada de poemas do livro inédito Quase duelo de quase amor.

Dia 21/09/2011 - 19h30 às 21h.

Restaurante CCSP

Centro Cultural São Paulo

Rua Vergueiro, 1.000

POEMAS DE GIUSEPPE UNGARETTI


ETERNO

Entre uma flor colhida e o dom de outra
o nada inexprimível


NOITE DE MAIO

O céu põe sobre
os minaretes
guirlandas de luzes


SOU UMA CRIATURA

Como esta pedra
de São Miguel
tão fria
tão dura
tão ressecada
tão refratária
tão totalmente
exânime

Como esta pedra
é o meu pranto
que não se vê

A morte
desconta-se
vivendo


ATRITO

Com minha fome de lobo
amaino
meu corpo de cordeiro

Sou como
a barca ínfima
e o libidinoso oceano


MANHÃ

Deslumbro-me
de imenso


RECORDAÇÃO AFRICANA

O sol rapta a cidade

Nada mais se vê

Nem mesmo os túmulos resistem muito


Tradução: Haroldo de Campos


(Do livro Ungaretti: daquela estrela à outra, organizado por Lúcia Wataghin, com traduções de Haroldo de Campos e Aurora Bernardini. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

POETAS DE CABECEIRA: GIUSEPPE UNGARETTI


















Aurora Bernardini fará uma palestra sobre o poeta italiano Giuseppe Ungaretti no Centro Cultural São Paulo, comentando a biografia do autor, sua época, características estéticas e, sobretudo, a sua experiência pessoal como leitora da poesia de Ungaretti, um dos principais autores da poesia italiana do século XX. Este evento faz parte das comemorações do Ano da Itália no Brasil.

Haverá interpretação de Libras.

Dia 14/09/2011 às 19h30

Centro Cultural São Paulo (Sala de Debates)

Rua Vergueiro, 1.000


Próximo à estação do metrô

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

ESQUELETOS DO NUNCA (V)


PAISAGEM


Flores amarelas. Sentado no banco do jardim, vejo a dança das três meninas e não escrevo nenhum poema.

(Num setembro qualquer)


METAFÍSICA

Ombro tatuado. Sapatos baixos, escuros. Pele muito clara. Leque madrilenho. Dança de passos breves, curtos, infinitos.

(Idem)


CRASH

Pernas mecânicas. Saia de couro preta. Um mapa da Lua desenhado nas costas, à maneira de cicatriz.

(Refabulando Cronenberg)


GOTHIC

Dama inglesa desoculta olhos nos mamilos. Toda paisagem é uma ficção?

(Refabulando Ken Russell)


RUÍDOS

Flores primitivas, tetas são ruídos na brancura.

(In some place, s/d. )


ONDE

Onde o verde da palavra, onde o asco da palavra, caranguejo devora o espaço em branco da página.

(?)


LIRISMO?

Noite reinventa estrela, estuque, escaravelho: permaneço vivo por uma questão de etiqueta.

(São Paulo, a Horrível)

domingo, 4 de setembro de 2011

ESTADO DA PALESTINA JÁ!



















Nakba
, em árabe, significa "catástrofe", e designa um trágico fato histórico do século XX: a expulsão de 700 mil palestinos de suas casas e terras, para a criação artificial do estado de Israel, em 1948, com base na imigração de milhões de judeus europeus para a região, vindos da Polônia, da Rússia e de outros países. Hoje, cerca de 4,5 milhões de palestinos vivem em acampamentos na Síria, no Líbano, na Jordânia, proibidos por Israel de voltarem a suas casas. Outra palavra em árabe é Sanaúd, que significa "Voltaremos". A ONU votará em setembro o ingresso do Estado da Palestina como membro pleno desta organização, o que na prática significa o reconhecimento da independência palestina pela comunidade internacional. Para que esta vitória seja conquistada é essencial a solidariedade ativa de trabalhadores, mulheres, jovens, artistas e intelectuais de todo o mundo. Esta não é uma luta apenas do povo palestino, mas de todos aqueles que se opõem ao imperialismo, ao racismo e a todas as formas de tirania e opressão.

No dia 20 de setembro (terça-feira), às 17h, haverá a manifestação de apoio à criação do Estado da Palestina, na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal, em São Paulo. Compareçam e divulguem!

sábado, 3 de setembro de 2011

UM POEMA DE MAHMOUD DARWISH



















VIOLINOS

Violinos choram: vão-se os ciganos a Alandalus.
Violinos choram: vão-se os árabes de Alandalus.

Violinos choram: o tempo ido é sem retorno.
Violinos choram: a pátria ida terá retorno.

Violinos queimam: a mata é escuridão distante.
Violinos sangram: sentem pulsar o sangue.

Violinos choram: vão-se os ciganos a Alandalus
Violinos choram: vão-se os árabes de Alandalus.

Violinos: cavalos nas cordas da miragem, na água gemente.
Violinos: campo violáceo selvagem, longe, circundante.

Violinos: fera fustigada, unha de mulher, o roçar do toque.
Violinos: escala menor, sons de exército em cemitério de mármore.

Violinos: loucos corações no rodopiar de pés da dançarina.
Violinos: bando de aves a migrar da bandeira não erguida.

Violinos: seda encrespada, queixas de mulher à noite sozinha.
Violinos: voz de vinho distante a evocar o dia vencido.

Violinos: me seguem, aqui, ali, para vingarem-se de mim.
Violinos: para matarem-me, onde quer que eu termine.

Violinos choram pelos árabes que se vão de Alandalus.
Violinos choram com os ciganos que se vão a Alandalus.


(Do livro Onze astros, de 1992).


Tradução: Michel Sleiman e Safa Jubran.


Leiam mais poemas de Mahmoud Darwish no caderno especial dedicado à Palestina da edição de setembro da Zunái, que logo estará on line.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

NOVAS LINGUAGENS NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO










A poesia é uma arte anterior à literatura, inclusive anterior à escrita, pois nasceu juntamente com a música, a magia e os ritos religiosos de antigas civilizações. Desde a sua origem, portanto, a poesia dialoga com outras manifestações artísticas, especialmente a música, a dança e as artes visuais. As novas mídias eletrônicas, ao permitirem a integração entre a palavra, o som, a imagem e o movimento, retomam, assim, a própria origem da poesia, num contexto digital.

Hoje, há poetas brasileiros que trabalham de maneira inventiva e consistente com a poesia eletrônica, que utiliza os recursos do computador, a videopoesia e a poesia visual, como Arnaldo Antunes (foto), Lúcio Agra, Lenora de Barros, André Vallias, Elson Fróes Gabriela Marcondes, Marcelo Sahea, Márcio-André. A Curadoria de Literatura e Poesia do Centro Cultural São Paulo incentiva exposições e eventos periódicos de poesia visual, sonora, eletrônica e outras modalidades que exploram as novas linguagens eletrônicas, que permitem a integração entre som, imagem, palavra e movimento.

Até o dia 29 de outubro, estaremos apresentando a mostra Paradas em Movimento (Videopoéticas), organizada por Elson Fróes, com trabalhos de poesia eletrônica de dez autores brasileiros, transmitidos em telas de plasma distribuídas na biblioteca, no Piso Flávio de Carvalho e no Piso Caio Graco do Centro Cultural São Paulo. E o festival ibero-americano de poesia performática 2011 Poetas por Km2 acontecerá entre os dias 02 e 04, na Sala Adoniran Barbosa, com a participação de Arnaldo Antunes, Marcelo Sahea, Márcio-André, Lúcio Agra, Paulo Hartmann, o peruano Luís Alvarado, o mexicano Ricardo Castillo e os espanhóis Ajo, Antonio Gómez, Eduard Escoffet, Peru Saizprez, Javier de la Rosa, Fabio de la Flor e Deborah Vukusic. A programação inclui oficinas de poesia visual para crianças, que acontecerão na Biblioteca do Centro Cultural, nos dias 03 e 04 de setembro, às 16h, na Sala de Leitura.

Confiram a programação do evento na página http://www.centrocultural.sp.gov.br/programacao_literatura.asp