UM POEMA DE OCTAVIO PAZ

EXAME NOTURNO

Toda noite lutou com a noite,
nem vivo nem morto,
aos poucos penetrando em sua substância,
enchendo-se até o limite de si mesmo.

Primeiro foi estender-se no obscuro,
fazer-se imenso no imenso,
repousar no centro insondável do repouso.
Fluía o tempo, fluía seu ser,
fluíam numa só corrente indivisível.
Com pancadas sonolentas a água caía e se levantava,
precipitavam-se alma e corpo, pensamento e ossos:
a redenção suplicava ao tempo,
suplicava erguer-se, suplicava ver-se,
volta transparente monumento de sua queda?
Rio acima, onde o informe começa,
a água se desmoronava com os olhos fechados.
Retornava o tempo à sua origem, brotando-se de si mesmo.

Além, do outro lado, um fulgor fez sinais.
Abriu os olhos, encontrou-se à margem:
Nem vivo nem morto
Ao lado de seu corpo abandonado.
Começou o assédio dos signos,
a escritura de sangue da estrela no céu,
as ondas concêntricas que uma frase levanta,
ao cair e cair na consciência.
Ardeu sua fronte coberta de inscrições,
santos e sinais súbitos abrirão labirintos e espessuras,
mudarão reflexos tácitos nos quatro pontos cardeais.
Seu próprio pensamento, entre os obeliscos derrubado,
foi pedra negra tatuada pelo raio.
Mas o sonho não veio.
Cega batalha de ilusões,
Obscuro corpo a corpo com o tempo sem corpo!
Caiu de rosto em rosto,
de ano em ano,
até o primeiro vagido:
húmus de vida,
terra que se desterra,
corpo que se desnace,
vivo para a morte,
morto para a vida.

(Nesta hora há mediadores em todas as partes,
há pontes invisíveis entre o dormir e o velar.
Os adormecidos mordem o ramo de sua própria fadiga,
o ramo solar da ressurreição cotidiana;
os desvelados talham o diamante que há de vencer a noite;
mesmo os que estão sozinhos levam em si sua parelha encarniçada,
em cada espelho jaz um duplo,
um adversário que nos reflete e nos abisma;
o fogo precioso oculto sob a capa de seda negra,
o vampiro ladrão dobra a esquina e desaparece, rápido,
roubado por sua própria rapidez;
com o peso de seu ato nas costas
se precipita em seu dormir sem sonho o assassino,
já para sempre, sem o outro;
abandonados à corrente todo-poderosa,
flor dupla que brota de um talo único,
os enamorados fecham os olhos no alto de um beijo:
a noite se abre para eles e devolve-lhes o perdido,
o vinho negro na copa feita de uma única gota de sol,
a visão dupla, a mariposa mira por um instante no centro do céu,
na asa direita um grão de luz e à esquerda um de sombra.
Repousa a cidade nos ombros do obreiro adormecido,
a semente do canto se abre na fronte do poeta.)

O escorpião ermitão na sombra se aguça.
Noite no interdito,
instante que balbucia e não acaba de dizer o que quer!
Amanhã sairá o sol,
o astro se inunda na sua luz,
se afoga em sua cólera rija?
Como dizer bons dias à vida?
Não perguntes mais,
não há nada que dizer, tampouco nada que calar.
O pensamento brilha, se apaga, retorna,
idêntico a si mesmo se devora e engendra, repete-se
nem vivo nem morto,
sempre em torno ao olho fixo que o pensa.

Voltou a seu corpo, meteu-se me si mesmo.
E o sol tocou a fronte do insone,
Brusca vitória de um espelho que já não reflete nenhuma imagem.

Tradução: Winner Chiu

Leia mais poemas de Octavio Paz na próxima edição da Zunái.

TRÊS POEMAS DE HEINER MULLER

EU SOU O ANJO DO DESESPERO
Eu sou o anjo do desespero. Com as minhas mãos distribuo a embriaguez, o atordoamento, o esquecimento, o prazer e o sofrimento dos corpos. O meu discurso é o silêncio, o meu cântico o grito. Na sombra das minhas asas habita o medo. A minha esperança é o último fôlego . A minha esperança é a primeira batalha. Eu sou a faca com que o morto abre a sua urna. Eu sou o que há-de ser. O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo de amanhã.


O ANJO DA DESVENTURA
Atrás dele o passado dá à costa, despeja entullho sobre as asas e os ombros, como o barulho de bombos enterrados, enquanto à sua frente o futuro se estanca e lhe comprime os olhos e lhe rebenta o globo dos olhos como uma estrela, e transforma a palavra numa mordaça barulhenta que o estrangula com o seu oxigénio.


Durante algum tempo ainda se enxerga o bater das suas asas, ainda se ouve o êxtase do bater das pedras que caiem atrás , por cima e à sua frente, cada vez mais ruidosas, enquanto o movimento impetuoso mas inútil, esporádico, abranda.

Então, o instante fecha-se sobre ele: no pedestal , que rapidamente ficou soterrado , o anjo da desventura encontra a paz, à espera da história na petrificação do voo , olhar e hausto. Até que o poderoso murmúrio do bater de asas se dispersa, de novo, em ondas, por toda a pedra, e anuncia o seu voo.


FRAGMENTO PARA LUIGI NONO

A ERVA AINDA
TEMOS DE A ARRANCAR
PARA QUE FIQUE
VERDE

Em Auschwitz
A pegada da unha
Homem sobre mulher
Mulher sobre criança

Os cânticos quebrados

O coro sacro
Das metralhadoras

O cântico dos
esquartejados
As cordas vocais de Mársias
Contra Apolo
Na pedreira dos povos

A carne dos instrumentos

Mundo sem martelos nem pregos

Inaudito

Tradução: Luís Costa

Leia mais poemas de Heiner Muller na próxima edição da Zunái.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

LOJINHA DO TURCO

Caros, quem tiver interesse em adquirir o meu livro Fera Bifronte, que saiu em 2009 pela Lumme Editor, pode solicitar a obra pelo e-mail vendas@lummeeditor.com

Plim, plim!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

PRISMA V


lêmures / lavoram / lúnulas, / recrocita / labirinto / (abismo) / (de espectros). / esta porta / que se abre, / prosa / de corvos, / esta porta / que se fecha, / rosa / de répteis, / não há caminho, / tudo é caminho; / flor de abril / escurece / relógios / até dessangrar / a anã / em tropismo / de lacraias. / tudo / é um jogo / amargo / como saltar / os ossos, / piscar / palavras, / traçar / na pedra / sub-reptício / urro / (para ver) / (o mistério) / (que há no mundo) / (e em mim). / entre fetos / e rudimentos / de búfalo, / entre cristais / e um agudo senso / de coágulo, / abolir / o peixe / numa agrimensura / de enigmas. / cristal negro, / seio negro, / lua negra, / restilo / de piçarras: / tudo / o que escrevo / tudo / o que escavo / tudo / o que escuto / tudo / o que escarro / tudo o que esqueço / me deslinda, / desatina, / desafina, / desarvora, / desenflora, / entre amarelos /e lanugens, / entre larvais / e mentais, / entre o que / pensa / e o que / sente, / entre o que / mente / e o que / muda, / entre o que / canta / e o que / encanta, / entre / mundo / e nada.
2008
(Poema do livro Fera Bifronte.)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

PRISMA IV


cristal negro, / réptil negro, / sub-reptícia / anã negra / (amarga) / entre folhas./ flor de abril / recrocita / olho- / de-búfalo:/ unhas traçam / a agrimensura / do escuro, / acendem lúnulas / de lacraias / até tropismo / de fetos / (para ver) (a beleza) / (que há no mundo) / (e em mim). / nenhuma porta / ou esta / que se abre, / esta / que se fecha, / este caminho, / nenhum caminho / (tudo) / (é labirinto). / entre piçarras / e rudimentos / de papoulas, / entre seios / e um agudo / senso / de alvura, / lavoura / de auroras / alteradas. / (pedra) / (é um jogo) / (como saltar) / (abismos), / (piscar) / (os ossos,) / (remoer) / (a rosa,) / (cinema) / (mental) / (ou séquito) / (de desatinos). / um, dissocia / mariposa; / dois, coagula / lunário; / três, escurecem / larvais, / restilo / de cores / abolidas. / tudo é mistério, / deslinde / de lanugens / até dessangrar / palavras- / peixes.

2008
(Poema do livro Fera Bifronte)

PRISMA III


até / dessangrar / peixes, / entre unhas. / pilhas / de palavras / rotas, / restos / de canção: / flor / de abril / em amarelo, / para ver / o enigma / no mundo / e em mim. / recrocita / labirinto / lunar, / corvo / de fetos / alterados. / há o gosto / amargo / do relógio, / uma anã / que só anda / para trás / e clotilde / estrangulada / num café / da rua aurora. / tudo é mental, / mariposas / ou seios, / pétalas / ou música, /rudimentos / de mistério / e mistério. / todo labirinto / é uma palavra / do deslinde / ao desatino /(sub-reptício réptil / foge / entre lúnulas). / cristal negro, / praia negra,/ papoula enegrecida / em sons larvais / até lavoura / de fétidos./ havia uma pedra, / havia uma rosa, / havia um abismo. /tudo / é cinema / mental, / praias / e palavras, / pilhas de ossos / podres. / alguma porta / ou nenhuma, / esta / ou aquela, / esse caminho, / qual caminho? / entre um senso / agudo / de extinção / e rudimentos / de lanugem, / entre o restilo / e o séqüito /de lêmures, /todo enigma / é incapaz /de abolir / o silêncio .

2008
(Poema do livro Fera Bifronte)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PRISMA II


olho-de-corvo; / um, crocita; / dois, arranha; / três, escurece; / quatro, engasga, / tropismo / de piçarras. / cristal negro, / búfalo negro, / palavra enegrecida / em urros / de lacraias. / sons vegetais, / sons minerais, / sons fecais, / dissociados / de sentido. / recrocita / réptil/ em folha / lunar, / sub-reptício / acende / música / até lavoura / de restos: / há um relógio / estrangulado / e uma anã / fazendo ponto / numa esquina / da rua aurora. /tudo é um jogo / de ossos / como saltar / à corda, / piscar / os olhos, / remoer / a canção. / tudo é cinema / mental. / entre seios / e rudimentos / de mariposas, /entre o mistério / e um agudo / senso / de extinção, / dessangrar / a beleza / (fuligem) / até um vago / perfume / de papoulas; / ou abrir a porta: / não há caminho, /nenhum / ou este / que se fecha, / tudo é labirinto, / (deslinde) / desatino. /alvura, / lunário / de lúnulas: / unhas, / entre peixes.

2008
(Poema do livro Fera Bifronte)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

PRISMA I

toda palavra / é um labirinto / (recrocita / corvo lunar), / (sub-reptício réptil / foge / entre folhas). / cristal negro, / búfalo negro,/ palavra enegrecida / em sons guturais, / espectros / de si mesmos. / flor de abril / acende música, / amarelo, / amarelo, / até lavoura / de fetos. / há uma anã / estrangulada / na rua aurora; /há um relógio de ponto / que só anda / para trás; / a dentadura / de clotilde; / o gosto amargo / do café. / tudo é / um cinema / mental, /pilhas de ossos- / palavras, /extintas praias, / labirinto / de cores / alteradas. / poema: / forma de ver / o escuro / que há no mundo / e em mim. / palavras caem / (fuligem),/ restos de canção: / ou abrir a porta: / entre seios / e rudimentos / de agrimensura, / entre o mistério / e um agudo / senso de beleza, / vago perfume / de papoulas, / até dessangrar / as pétalas / do canto. / nenhuma porta / (deslinde) / desatino;/ nenhuma / ou essa / que se fecha. / ou aquela, / qual,/ ou esta porta,/ este caminho,/ não há caminho./ restilo / de alvura / ou lanugem, / lúnula:/ peixes, / entre unhas.

2008
(Do livro Fera Bifronte)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

DESVIO

Farto já de tanta ambigüidade, flor excessiva, alfabeto cego

que se desdobra em vogais.

Peixe branco, gris ou amarelo

desgarrado de sua guelra,

no desvio das águas,

entre suposições, eufórico,

justaposto à inevitável precariedade.

À meia-noite,

desmanchar esqueletos

de anões,

é sempre a mesma música proliferante,

pautada nas ranhuras

da cervical.

Até dilatar os debruns coaxiais

da caixa craniana; sublime

é a arte do esquecimento.

2005

(Poema do livro Fera Bifronte)

PARTITURA

Perplexidade, raios de um sol

que redesenha seu centro;

essa matéria tão delicada,

ferozes epitélios da flor;

deslizando das pupilas,

revoluta, para outro mar,

após tingir o flanco da noite.

Fosse apenas o perambular

em outra relva, seria tema

de chanson; dissociada de mim,

reclinada em lua minguante,

seria musa de retrato fauvista,

excedendo o rubro tigrino.

De todo modo, um dia vou

felinizá-la em partitura.

2006

(Poema do livro Fera Bifronte)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

RAPTO

Para iniciar uma lua pelos filamentos, em articulações

de répteis.

Obliterar os arredores

ao esquadrinhar a pele.

Descrever

joelhos como náutilos,

seios como escabelos,

esse é o meu hibridismo,

minha fome vertebrada.

Acontece que

a expansão do branco

bifurca-se, espraia-se

esqualidamente

do lábio ao umbigo,

em simulado rapto.

Ame o mapa de meu rosto,

sua caligrafia de incinerações.


2005

(Poema do livro Fera Bifronte)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

CARANGUEJO


Aquática paisagem, faixas de areia e uma seqüência de morros, horizonte simulando música. Quiosques vendem camarões e mariscos. Meninos magros e morenos jogam bola com uma cabeça decepada. A velha senhora inglesa lê o Herald Tribune com lentes bifocais. O sorveteiro anuncia profecias apocalípticas. Há um furacão nas ilhas Fidji. Esferas planas surgem no céu de Okinawa, como pegadas de urso. Um sargento aposentado em Kansas conversa com os peixes. Não há nada que seja realmente absurdo. Tudo está escrito em algum lugar, nas Tábuas de Esmeralda, no Popol Vuh, no Livro Tibetano dos Mortos. Há quem diga que a espuma no oceano é uma linguagem. Há uma lógica irrefutável no movimento dos astros. O destino foi escrito nas palmas de nossas mãos. Tudo isso ignoro, não me diz respeito; palavras são detritos como algas, conchas ou brincos oferecidos à deusa das águas. Eu só deslizo as pinças entre possibilidades. Invisto minha carapaça vermelho-marrom, que você tanto ama, até o centro da dúvida, para encontrar minha fábula. Eu sou a imagem deste enigma, a contradição de um crustáceo.

2007
(Do livro Fera Bifronte)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

ANTICABEÇA (II)

Lona podre, nacos de carne, torsos caindo; escuras mariposas (stukas) caindo; sirenes, uma canção.

Bater nos cornos do céu, capricórnio adoece em luzes de urina; olhos blindados; cano de fuzil apontado para a lua.

Esferas ou cilindros de cérberos; o aço grunhe; rajadas de agni; fogos-fátuos; bocas lanhadas por detritos.

Há um pássaro de três cabeças, e um só canto; uma jovem nua flutua no céu.

Emily pediu um livro (borboleta voando) de gravuras coloridas (sonhada por um chinês), com capa veludosa (desejada por um gato) e marcador de páginas (com bigodes de mandarim).

Ela, que ama peônias, biombos, nanquins, e sonha ser enfermeira num grande hospital em Berlim.

Ela, que ama o verde mar de gaivotas, e a prata que cintila nas peças do aparelho de chá.

Isso foi há quanto tempo? Havia um piano de cauda e lenços brancos, pedaços de carneiro e o pôr-do-sol.

Agora, só há o verde-prata, ou verde-escuro, verde-panther; na boca do dragão.

(Como um livro) (de figuras) (metálicas;) (imagens) (d’esqueletos) (turvos;) (surdos) (espectros) (em sarabanda,) (invernal.)

Palavras zumbem na mente; difícil caminhar com o peso do mundo. Este é um tempo sombrio, tempo da impureza, do branco mesclado ao amarelo.

Lao Tzu rumou para o Sul, montado num touro, búfalo ou grou. O guarda da fronteira pediu-lhe sua inútil sabedoria.

2004

(Poema publicado no livro Fera Bifronte)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

ANTICABEÇA (I)

apartado de mim; ferocidade;
esse olhar atravessando folhas;
cegasse o vento reptante:
replicantes jias, alinhavando deserções.
entre breus, seara difratada
onde retráteis
garras do ínfero.
ao modo de borrão: ambíguo
desgarre, em acúmulo
áspero de grafias.
escavasse desde o centro
em desmedida,
e anulasse as cores da paisagem.

***
ambivalência do inseto
que se desenha íbis,
amêijoa, escaravelho,
folhas ou fíbulas, fúrias ou órbitas
insustentáveis
de outra orla, outro círculo
plasmático. tudo está
no dorso da pupila.

2005

(Poema do livro Fera Bifronte)

ÚLTIMAS NOTÍCIAS


A Curadoria de Literatura e Poesia do Centro Cultural São Paulo, criada em janeiro de 2011, tem como objetivo promover palestras, debates, recitais, exposições, workshops e outras atividades relacionadas à criação literária, apostando na diversidade com qualidade e abrindo espaço para diferentes formas de expressão, desde as mais tradicionais até as mais inovadoras. A estratégia da nova curadoria, que trabalha em conjunto com a Divisão de Bibliotecas do Centro Cultural, parte da percepção do espaço público como um local democrático e plural, como é a própria comunidade. A universalização das relações econômicas e políticas entre as nações, por outro lado, aponta a necessidade de um maior intercâmbio com outras literaturas, desde as mais próximas de nossa herança histórica, como é o caso daquelas da comunidade dos países de língua portuguesa e da América Latina, até as literaturas de países com tradições distantes da nossa, como intercâmbio cultural e democratização do saber. As primeiras ações desenvolvidas pela Curadoria de Literatura e Poesia ocorrerão em março: o Clube de Leitura de Poesia e o ciclo Poetas de Cabeceira.

CLUBE DE LEITURA DE POESIA

A Sala de Debates do Centro Cultural São Paulo receberá, mensalmente, poetas convidados para leitura de poemas e um bate-papo com o público sobre questões como a publicação do primeiro livro, a recepção crítica, a relação entre a poesia e outras artes, o papel da internet na divulgação dos novos autores, entre outros temas. Após a apresentação do poeta convidado, com a duração média de 45 minutos, haverá um sarau livre, em que todos os poetas presentes poderão ler os seus textos. O objetivo da atividade é fazer do Centro Cultural São Paulo um ponto de referência para os poetas, que serão convidados a utilizar as dependências do CCSP para se reunirem, seja para a troca de idéias, a realização de grupos de estudos, ensaios de apresentações ou outras atividades relacionadas à poesia. O primeiro encontro desta série ocorrerá no dia 10 de março, e o poeta convidado será Cláudio Willer.

POETAS DE CABECEIRA

Ciclo mensal de palestras em que um convidado falará sobre o seu poeta favorito, abordando biografia do autor, contexto histórico, análise da obra e leitura comentada de poemas do autor. O objetivo da atividade é levar ao público jovem informações sobre autores importantes da literatura brasileira e internacional. A primeira palestra do ciclo acontecerá no dia 22 de março e o poeta convidado será Ademir Assunção, que dará uma palestra sobre Torquato Neto.

UM POEMA DE ALEJANDRA PIZARNIK

Fora há sol.
É apenas um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Sei é da melodia do anjo
e do quente sermão
do último vento.
Sei gritar até de manhã
quando a morte se deita nua
na minha sombra.

Choro debaixo do meu nome.
Agito lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
bailam comigo.
Escondo cravos
para escarnecer de meus sonhos enfermos.

Fora há sol.
Eu visto-me de cinzas.

Tradução: autor anônimo.

UM POEMA DE HERBERTO HELDER

FONTE

IV

Mal se empina a cabra com suas patas traseiras
na lua, e o cheiro a trevo
no focinho puro, e os cornos no ar
arremetendo aos astros. E sobre a solidão das casas,
entre o sono e o vinho derramado,
curvam-se os cascos de demónio -
ágeis, frágeis.
E o sonâmbulo desejo do nosso coração
tudo absorve ao alto, como uma tenebrosa
vertigem.

E quando o esplendor invade as bagas
venenosas - patético, o silêncio dos dedos
docemente o procura.
Então as veias, suspensas, mudam a conjunção
do sangue que ascende e que mergulha.
Uma estrela tremenda queima a fronte de apolo.
E a mandíbula, os pés, a invenção, a loucura, e o sono
secreto:
-Terrível, a beleza espalha sobre nós
a branca luz violenta.

Um dia começa a alma, e um caçador atinge
a cabra ao alto, fremente, no flanco
com uma flecha casta.
Lentamente cantamos o espírito dos livros.
E brilha toda a noite, no sangue espesso
e maduro do bicho
maravilhoso,
o dardo do caçador.
Um dia começa o nosso amor - ardente, infeliz,
misterioso. Porque a cabra
é qualquer coisa de materno e antigo -
e o nosso coração a rodeia,
e bate. Durante a noite irrompe o trigo.

-Subtil, a sombra das flautas subindo pelas mãos.
E sob a nossa boca roda a imagem do mundo, rosácea
abstracta, ou rosa aglomerada
e quente, Na penumbra das casas, as mulheres
respiram - surdas , cegas e loucas
de beleza. E no sono aberto as palavras são
mortalmente confusas.

- Mal se levanta a cabra sobre as letras puras, sobre
a forma doce e terrível da nossa melancolia.


(Do livro A Colher na Boca, de 1961.)

LOJINHA DO TURCO


Caros, quem tiver interesse em adquirir a segunda edição de meu livro Yumê, que saiu em 2008 pela DIX Editorial / Annablume, pode solicitar a obra pelo tel. (11) 3031-1754 ou encomendá-lo na Livraria da Vila, Livraria Cultura e outras boas casas do ramo. O site da editora está na página http://www.annablume.com.br/demonionegro/index.htm

NOITE-FLOR

amareladamente

a lua irrompe

na teia

azul-da-prússia

qual peônia

ouro rútilo

favo de mel

e se vai

(fio d’água-luz

em água-água

desatado)

sem dizer

ah deus

1998

(Do Livro Yumê)

NOITE-SEIOS

luazulada

alvíssima

deslinda-

se no céu

finíssima

auréola:

pó de luz

que cintila

nos róseos

mamilos

desnudados

— lua

em luas

refletida,

prata

em prata

lucilada

1998

(Poema do livro Yumê)

MARINHA BARROCA


o azul-espuma-catarata, azul-quase-branco-nébula, de mar branqueado no azul-lótus-krishna; delfim que sulca em saltos as vagas azul-marinho-almíscar como graciosa dançarina cambojana, pés-apsara; e (miríades!) aves aquáticas em mandálicos dervixes rodopios rumo ao meru, imenso portal laqueado, sob o céu-plumas-lakshmi, que se abre como noiva. filetes de azul-violeta nas pupilas do inseto que vê: nos brancos lençóis de areia, a velha senhora obesa, vulva em pêlos esbranquiçados, suas lágrimas fermentando taças licorosas, sob o guarda-sol; o sardônico bioquímico alemão, longas suíças platinadas, que corta o presunto em fatias, entre cusparadas; e a bela ninfeta vietcong, sinuosas pernas mecânicas, cujo olhar incendeia como napalm. por fim, o pinguim ártico banido por excessivo daltonismo. depois, nada se vê, só o mais puro azul.

1993
(Poema do livro Yumê)