A poesia do cotidiano desenvolvida por Carlos Drummond de Andrade estava relacionada com a filosofia existencialista, o desencanto religioso, o marxismo, a ambivalência de desespero e vontade utópica que animou o cenário intelectual na época da II Guerra Mundial. Na década de 1970, Drummond foi relido -- ou "reimaginado" -- por jovens que se encantaram com a sua liberdade formal, especialmente o poema-crônica e o poema-piada. As obras publicadas por tais autores, como Cacaso e Francisco Alvim, acrescentaram algumas referências temáticas -- a ditadura militar, a contracultura -- mas não avançaram um milímetro na linguagem poética: praticaram a paródia (ou pastiche) das formas inauguradas pelos modernistas, especialmente Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Drummond. A partir da década de 1990, novos poetas retomaram a dicção coloquial-cotidiana, mais afastados ainda das preocupações filosóficas e políticas de CDA: seus poemas resumem-se a descrições banais de um padaria, uma loja de sucos, um partida de futebol, sem nenhum trabalho estético inovador, nenhuma tensão existencial mais profunda, nenhum retrato crítico da sociedade comparável ao radicalismo de Cesário Verde. É uma poesia paupérrima na forma e no conteúdo, que só se sustenta por suas relações de poder com a mídia, o mercado editorial e a universidade. O que é uma lástima, pois uma poesia realista séria, trabalhada, com forma e conteúdo relevantes, faz falta em nosso cenário poético.
sexta-feira, 22 de maio de 2015
DRUMMUNDANOS
A poesia do cotidiano desenvolvida por Carlos Drummond de Andrade estava relacionada com a filosofia existencialista, o desencanto religioso, o marxismo, a ambivalência de desespero e vontade utópica que animou o cenário intelectual na época da II Guerra Mundial. Na década de 1970, Drummond foi relido -- ou "reimaginado" -- por jovens que se encantaram com a sua liberdade formal, especialmente o poema-crônica e o poema-piada. As obras publicadas por tais autores, como Cacaso e Francisco Alvim, acrescentaram algumas referências temáticas -- a ditadura militar, a contracultura -- mas não avançaram um milímetro na linguagem poética: praticaram a paródia (ou pastiche) das formas inauguradas pelos modernistas, especialmente Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Drummond. A partir da década de 1990, novos poetas retomaram a dicção coloquial-cotidiana, mais afastados ainda das preocupações filosóficas e políticas de CDA: seus poemas resumem-se a descrições banais de um padaria, uma loja de sucos, um partida de futebol, sem nenhum trabalho estético inovador, nenhuma tensão existencial mais profunda, nenhum retrato crítico da sociedade comparável ao radicalismo de Cesário Verde. É uma poesia paupérrima na forma e no conteúdo, que só se sustenta por suas relações de poder com a mídia, o mercado editorial e a universidade. O que é uma lástima, pois uma poesia realista séria, trabalhada, com forma e conteúdo relevantes, faz falta em nosso cenário poético.
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