Recife no hay, de Delmo Montenegro
(Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2013), uma das obras vencedoras do I
Prêmio Pernambuco de Literatura, é o terceiro título publicado do autor, que
lançou também Os jogadores de cartas,
em 2003, e Ciao cadáver, em 2005.
Nesta nova obra, o autor pernambucano investe ainda mais na ironia, no
sarcasmo, no humor negro, já presentes em seus livros anteriores, com língua
ferina e precisa: “poetas são como / dinossauros / todos vão ser extintos / de
uma hora / pra outra, todos / sem exceção”. Desafiando o lirismo, Delmo
Montenegro cria uma dicção anarcopunk, habitada por pesadelos de Salvador Dali
ou fantasmas de Franz Kafka: “vamos para a praia dos nervos / para as geleiras
/ infames / desossar orquídeas / montar na prancha dos assassinos / o grande /
kahuna / espera / por / nós”. A linguagem concisa, recortada, com a
incorporação do espaço em branco da página e a utilização dos sinais de
pontuação como elementos rupestres leva-nos a pensar na influência da Poesia
Concreta (mais evidente em Ciao cadáver),
mas a construção de metáforas crítico-irônicas como “necrose de corais”,
“intelectuais sifilíticos”, “clitóris vermelho / flamingo-fogo” aproximam-se de
uma outra vertente da poesia brasileira, aquela freqüentada por transgressores
como Roberto Piva, Glauco Mattoso e Sebastião Nunes. A divisão espacial das
palavras e linhas, nos poemas de Delmo Montenegro, não é apenas uma elaboração visual, mas funciona como a notação em uma partitura musical, indicando
pausas, ênfases, mudanças de timbre, que se materializam na oralização. A
dimensão sonora é justamente o aspecto mais elaborado nesse livro de poemas,
que se destaca na produção pernambucana contemporânea pela ousadia e
criatividade – presente também nas obras de poetas como Micheliny Verunschk,
Bruno Monteiro, Fábio Andrade, para citarmos poucos nomes (um panorama
abrangente da nova poesia pernambucana pode ser consultado nos dois volumes da
antologia Invenção Recife, organizada
pelo próprio Delmo, em parceria com Pietro Wagner). Por fim – ao menos, nesta
nota breve – um outro aspecto que chama a antenção, em Recife no hay, são as narrativas poéticas, a meio fio entre a
fabulação e o canto dissonante, como por exemplo nesta peça, de alto impacto:
“sim, seremos amantes / solte sua voz / valvulada / durma comigo / seja meu
cadáver esta noite / depois / ponha / os cílios postiços / e / desapareça / sem
amor, sem paradas cardíacas / sejamos / apenas / dóceis animais empalhados / --
ouça agora, revolva agora -- / meu / nome /é / cão / -- abra meu zíper // /
palhas”.
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