Louis
Aragon (Louis
Andrieux), poeta e romancista francês, nasceu em 03 de outubro de 1897 em Paris. Sua família era
proprietária de uma pensão num bairro abastado da capital francesa. Após
concluir os estudos no Liceu Carnot, em 1916, ingressou na Faculdade de
Medicina da Universidade de Paris. Convocado para o serviço militar, serviu
como médico auxiliar durante a I Guerra Mundial. Após o conflito, retomou os
estudos e conheceu André Breton, que o apresentou ao surrealismo. Nos anos
seguintes, dirigiu, juntamente com Philippe Soupault e Breton, a revista Littérature. Aragon estreou como poeta
em 1920, com o livro Feu de joie, ao
qual seguiram outras publicações, como o romance Anicet ou Le Panorama (1921), a compilação de contos Le libertinage (1924) e a narrativa
satírica Le paysan de Paris (1926),
entre outras obras. Em 1928 conheceu Elsa Triolet, escritora russa, cunhada de
Maiakovski, que foi o seu grande amor e
com quem se casou. Filiou-se ao Partido Comunista Francês (PCF) e realizou, em
1930, uma visita à União Soviética. De volta a Paris, distanciou-se dos surrealistas
e publicou Le front rouge (1930), poema de temática
revolucionária, escrito sob a influência de Maiakovski. Nos anos seguintes,
Aragon publica poemas, artigos de jornal, ensaios e romances de nítida
influência marxista. Durante a Guerra Civil Espanhola, alistou-se como
voluntário e combateu ao lado dos republicanos. Quando a França foi ocupada
pelas tropas nazistas, em 1940, participou da Resistência, assim como Paul
Éluard, também militante do PCF. Entre seus livros publicados nesse período
destacam-se Le crève cour (1941) e Les yeux d’Elsa (1942), sua obra mais
conhecida, em que celebra o amor absoluto. Após a II Guerra Mundial, colabora
em jornais e revistas como Ce soir e Les lettres françaises e publica outros
livros importantes, como Elsa (1958)
e Le Fou d'Elsa (1963). Entre seus últimos títulos publicados destacam-se
os romances La mise à mort (1965) e Blancheou l’oubli (1967). Louis Aragon,
um dos maiores poetas franceses do século XX e um dos fundadores do
surrealismo, faleceu em Paris em 1982.
domingo, 22 de dezembro de 2013
UM POEMA DE LOUIS ARAGON
Je te préfère à tout ce qui vaut de vivre et de mourir
Je te porte l’encens des lieux saints et la chanson du forum
Vois mes genoux en sang de prier devant toi
Mes yeux crevés pour tout ce qui n’est pas ta flamme
Je suis sourd à toute plainte qui n’est pas de ta bouche
Je ne comprends des millions de morts que lorsque c’est toi qui gémis
C’est à tes pieds que j’ai mal de tous les cailloux des chemins
A tes bras déchirés par toutes les haies de ronces
Tous les fardeaux portés martyrisent tes épaules
Tout le malheur du monde est dans une seule de tes larmes
Je n’avais jamais souffert avant toi
Souffert est-ce qu’elle a souffert
La bête clamant une plaie
Comment pouvez-vous comparer au mal animal
Ce vitrail en mille morceaux où s’opère une mise en croix du jour
Tu m’as enseigné l’alphabet de douleur
Je sais lire maintenant les sanglots Ils sont tous faits de ton nom
De ton nom seul ton nom brisé ton nom de rose effeuillée
Ton nom le jardin de toute Passion
Ton nom que j’irais dans le feu de l’enfer écrire à la face du monde
Comme ces lettres mystérieuses à l’écriteau du Christ
Ton nom le cri de ma chair et la déchirure de mon âme
Ton nom pour qui je brûlerais tous les livres
Ton nom toute science au bout du désert humain
Ton nom qui est pour moi l’histoire des siècles
Le cantique des cantiques
Le verre d’eau dans la chaîne des forçats
Et tous les vocables ne sont qu’un champ de culs-de- bouteille à la porte d’une cité audite
Quand ton nom chante à mes lèvres gercées
Ton nom seul et qu’on me coupe la langue
Ton nom
Toute musique à la minute de mourir
Je te porte l’encens des lieux saints et la chanson du forum
Vois mes genoux en sang de prier devant toi
Mes yeux crevés pour tout ce qui n’est pas ta flamme
Je suis sourd à toute plainte qui n’est pas de ta bouche
Je ne comprends des millions de morts que lorsque c’est toi qui gémis
C’est à tes pieds que j’ai mal de tous les cailloux des chemins
A tes bras déchirés par toutes les haies de ronces
Tous les fardeaux portés martyrisent tes épaules
Tout le malheur du monde est dans une seule de tes larmes
Je n’avais jamais souffert avant toi
Souffert est-ce qu’elle a souffert
La bête clamant une plaie
Comment pouvez-vous comparer au mal animal
Ce vitrail en mille morceaux où s’opère une mise en croix du jour
Tu m’as enseigné l’alphabet de douleur
Je sais lire maintenant les sanglots Ils sont tous faits de ton nom
De ton nom seul ton nom brisé ton nom de rose effeuillée
Ton nom le jardin de toute Passion
Ton nom que j’irais dans le feu de l’enfer écrire à la face du monde
Comme ces lettres mystérieuses à l’écriteau du Christ
Ton nom le cri de ma chair et la déchirure de mon âme
Ton nom pour qui je brûlerais tous les livres
Ton nom toute science au bout du désert humain
Ton nom qui est pour moi l’histoire des siècles
Le cantique des cantiques
Le verre d’eau dans la chaîne des forçats
Et tous les vocables ne sont qu’un champ de culs-de- bouteille à la porte d’une cité audite
Quand ton nom chante à mes lèvres gercées
Ton nom seul et qu’on me coupe la langue
Ton nom
Toute musique à la minute de mourir
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
ZUNÁI, REVISTA DE POESIA & DEBATES
A poesia como um aprendizado de esmeraldas
vivas – Entrevista com
Adriana Zapparoli
Poesia clássica chinesa – Dinastia Tang, Ricardo Portugal
Gramática expositiva do texto leminskiano, Tida Carvalho
Abre-te, cérebro! O tudo que cabe nas
palavras de Arnaldo Antunes,
Hernany Tafuri
Cadernos da Palestina: artigos, depoimentos e poemas
Poemas inéditos de Armando Freitas Filho, Eduardo Espina,
Nanda Prieto, Roberta Tostes Daniel, Rubens Zárate, Marcílio Costa, Ricardo Carranza,
Iago Passos, Consztanza Muirin, Fátima Sapetiveoatl.
Traduções: T. S. Eliot, e. e. cummings, William
Blake, W. B. Yeats, Henri Michaux, Maria-Mercè Marçal e Mercê Rododera.
Contos de Sérgio Medeiros, DirceWaltrick do Amarante, Anita Dutra e
Márcia Barbieri.
Especial: O juiz julgado – nove
cantigas de escárnio e mal-dizer
Zunái é uma publicação comprometida com a inovação estética e
temática e com a “batalha das ideias”, divulgando o que há de mais experimental
e perturbador na literatura e no cenário cultural brasileiro.
Revista
Zunái: www.zunai.com.br
Preço: Inefável; inconcebível.
Onde encontrar: no ciberespaço, essa “Gran Cualquierparte” (Vallejo).
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
A PALESTINA REIMAGINADA NA POESIA BRASILEIRA
A cultura árabe-palestina é uma das mais antigas do Oriente
Médio, destacando-se por suas realizações na arquitetura, música, dança, literatura
e artes visuais. A Mesquita de Omar, com sua cúpula dourada, construída no
centro histórico de Al-Quds (Jerusalém) no século VII, durante a dinastia
omíada, foi reconhecida pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade. A
dança típica conhecida como dabke,
acompanhada por alaúde (oud), tambor
(tabla), pandeiro (daff) e instrumentos de sopro (mijwiz e arghul), é outro cartão-postal da Palestina. Executada em
celebrações especiais, como festas de casamento, rituais de circuncisão, para
comemorar o regresso de viajantes ou a libertação de prisioneiros, possui
vários estilos, entre eles a As-Samir,
em que os dançarinos, agrupados em duas fileiras, em paredes opostas, fazem uma
competição de poesia popular, com versos improvisados, incluindo gracejos e
insultos recíprocos – algo similar aos “desafios” dos nossos poetas de cordel,
tradição cuja origem remonta à tençón dos trovadores medievais, cultores por
excelência das cantigas de escárnio e de mal-dizer. A poesia também está presente nos diwáns, eventos performáticos que reúnem
declamação, música e dança tradicionais, que preservam a língua, história,
lendas e folclore dos povos árabes, fortalecendo sua identidade cultural. No
Ocidente, a palavra diwán é conhecida
desde o século XVIII graças a Johann Wolfgang von Goethe, autor do livro Diwán ocidental-oriental, obra
precursora do fascínio europeu pela poesia árabe e persa, que alcançaria seu
ápice na poesia de Federico Garcia Lorca, autor do Divã do Tamarit (1940),
que reúne poemas que dialogam com a forma clássica da cassida.
A poesia árabe moderna, que assimilou influências do verso
livre, da poesia social, do surrealismo e de outras tendências estéticas, é
bastante rica e variada, e nela se destaca a obra do palestino Mahmoud Darwish
(1942-2008), reconhecido como um dos mais expressivos autores da língua árabe
do século XX. Nascido na aldeia palestina de Birwa, nos arredores de Akka
(Acre), imigrou com sua família para o Líbano quando tinha apenas seis anos de
idade, após a destruição de seu vilarejo pelos sionistas, episódio que integra
a infame história da Nakba (“catástrofe”, em árabe), que levou à destruição de
mais de 400 aldeias palestinas e provocou o êxodo de 750 mil palestinos,
proibidos até hoje de retornarem a suas terras e lares (o número atual de
refugiados e seus descendentes é calculado em cinco milhões). Darwish
destacou-se como poeta, jornalista e militante político, sendo o autor da Declaração de Argel, também conhecida como a
“Declaração da Independência Palestina”, lida publicamente por Yasser Arafat, em
1988, quando o líder da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) declarou
unilateralmente a criação do Estado Palestino. A poesia de Darwish abandona a
métrica e as formas de composição da poesia árabe clássica, como a cassida e o gazal, adota o verso livre e um estilo de dicção coloquial, em que
o eu lírico funciona, muitas vezes, como um eu coletivo – a comunidade
palestina, em especial a que vive no exílio, tema que comparece com frequência
em sua obra poética. Outros temas recorrentes
são a natureza, o amor, a poesia, a sensação de estranhamento, causada pela
vivência no exterior, e o desejo de retorno à pátria (a busca de uma origem,
real ou imaginada, é um tema caro a autores da literatura moderna, como Joyce,
Celan e Kozer).
No
Brasil, os poemas de Mahmoud Darwish foram apresentados pela primeira vez ao
público brasileiro na antologia Poesia
palestina de combate (Rio de
Janeiro: Achiamé, 1981), organizada por Abdellatif Laâbi e traduzida por Jaime
W. Cardoso e José Carlos Gondim. O livro, apesar de algumas incorreções (a tradução
não foi feita a partir do árabe, mas de outras traduções para línguas
ocidentais), tem o valor inegável de oferecer, pela primeira vez ao leitor
brasileiro, uma amostragem da poesia palestina contemporânea, em que se
destacam, além de Darwish, vozes singulares como as de Fádua Tuqan, Tawfik
Az-Zayad e Samih Al Qassim. Como o próprio título da coletânea indica, a
seleção dos poemas foi feita de acordo com critério temático: estão reunidas
aqui canções de combate, que expressam a epopeia de um povo que resiste, há
quase sete décadas, à brutal tentativa de genocídio humano e cultural
perpetrada pelo estado sionista. Apesar dessa delimitação, que obedece a um viés
político (justificável em seu contexto histórico), o resultado estético
apresenta alguns ótimos resultados, como podemos verificar nas seguintes composições:
OS LÁBIOS CORTADOS
Eu poderia ter contado
a história do rouxinol assassinado
poderia ter contado
a história...
se não me tivessem cortado os lábios.
(Samih al Qassim)
Eu poderia ter contado
a história do rouxinol assassinado
poderia ter contado
a história...
se não me tivessem cortado os lábios.
(Samih al Qassim)
PROVÉRBIOS
Segundo nosso primeiro antepassado
disseram nos provérbios
“Como uma raposa
que engole uma foice”
“O que o vento traz
a tempestade leva”
“Quem rouba os outros
vive sempre
com medo”.
(Tawfik Az- Zayad)
O primeiro poema, de Samih
al Qassim (nascido em 1939), concentra sua força expressiva em apenas cinco
linhas, numa estrutura similar à do haicai; porém, ao contrário do terceto
japonês, não apresenta uma ação, e
sim uma possibilidade, a partir da
justaposição de duas breves imagens, a do rouxinol e a dos lábios cortados. O
poema remete à hipótese de uma ação, que teria ocorrido se o narrador não
tivesse sofrido a violência da mutilação. É uma peça ao mesmo tempo sutil e
impactante, que recorda os poemas breves de Maiakovski (“come ananás, mastiga
perdiz / teu dia está prestes, burguês”, na tradução de Augusto de Campos) e de
Bertolt Brecht (“Escapei aos tigres / Nutri os percevejos / Fui devorado / Pela
mediocridade”, em versão de Haroldo de Campos), e ainda a “poesia-pílula” de
Oswald de Andrade (“Venceu o sistema de Babilônia / e o garção de costeleta”).
O segundo poema, de Tawfik Az- Zayad (1929-1954), também é construído de acordo
com uma técnica de montagem, mas, desta vez, de provérbios populares árabes, retirados
de seu campo habitual de referências e recontextualizados para a crítica à
ocupação israelense (“Quem rouba os outros / vive sempre / com medo”). A
incorporação de provérbios na poesia (e na prosa) de alto repertório é
verificada em diversos autores da modernidade, como James Joyce, Guimarães Rosa
e Paulo Leminski, geralmente com sentido irônico, subvertendo o sentido
original dos ditos populares, que é alterado e ampliado, pela paródia. No caso
da poesia lírica árabe, que se alimenta há séculos de imagens e ditos
tradicionais, a subversão é ainda mais violenta. Em ambas composições, o eu
lírico fala em solilóquio, mas, na peça de Tawfik Az- Zayad, o “outro” israelense
também é retratado, de forma enviesada: aquele que oprime é o que sente medo,
pois “O que o vento traz / a tempestade leva”. Um terceiro poema que merece
breve comentário é Refugiado, de Salim
Jabran (nascido em 1947):
REFUGIADO
O sol atravessa as fronteiras
sem que os soldados atirem
o rouxinol canta manhã e tarde
e dorme em paz
com todos os pássaros dos kibutz
um asno extraviado
pica o pasto
em paz
sobre a linha de fogo
sem que os soldados atirem nele
e eu
teu filho exilado
-- Ó terra de minha pátria
entre meus olhos e teus horizontes
a muralha das fronteiras
(Salim Jabran)
A composição, desenvolvida em linguagem narrativa, sobrepõe
quatro imagens: a do sol, a do rouxinol, a do asno e a do refugiado, que é o
próprio eu lírico do poema. Nas três primeiras imagens, nada acontece: os
elementos da natureza não são perturbados pelos soldados da fronteira, que não
atiram. A quarta imagem, porém, é inconclusiva: entre os olhos do narrador e a
vastidão da terra há uma muralha – e, o que o poema não diz: guaritas do
exército de ocupação israelense, com soldados que disparam naqueles que cruzam
a fronteira. Assim como nos poemas de Samih al
Qassim e Tawfik Az- Zayad, estamos aqui no território do oculto: nada é dito
claramente, o leitor deve interpretar os poemas a partir das pistas e sugestões
deixadas pelos autores. Diferente estratégia textual é adotada por Mahmoud Darwish,
discípulo de Whitman e de Maiakovski, que prefere o discurso retórico, evitando
paráfrases, metáforas e imagens abstratas. Seu vocabulário, simples e direto,
traduz o cotidiano da ocupação em versos de alto impacto como estes:
CARTEIRA DE IDENTIDADE
(fragmento)
Toma nota!
Sou árabe.
Número da
identidade: 50 mil
Número de filhos:
oito
E o nono... já
chega depois do verão.
E vais te irritar
por isso?
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa
pedreira
Com meus
companheiros de dor
Pra meus oito
filhos
O pedaço de pão
As roupas e os
livros
Arranco da rocha...
Não mendigo esmolas
à tua porta,
Nem me rebaixo
No portão do teu
palácio
E vais te irritar
por isso?
Este poema – talvez
o mais conhecido da literatura palestina do século XX – sugere o diálogo de um
habitante dos territórios ocupados com um soldado israelense, em tom de desafio[1]. A
tradução, assinada por Paulo Farah, professor de língua e literatura árabes na
Universidade de São Paulo, integra o volume A
terra nos é estreita e outros poemas (São Paulo: Bibliaspa, 2012), primeira
coletânea individual de Darwish publicada no Brasil[2],
que inaugura um novo patamar nas relações – ainda tímidas – entre a poesia
palestina e a brasileira. Em resenha que escrevemos sobre esse livro, publicada
na revista eletrônica Mallarmargens[3],
afirmamos que
a
poesia de Darwish emprega imagens simples, extraídas do cotidiano: o girassol,
o cavalo, a oliveira, a rosa, o prego, a chuva. A simplicidade do vocabulário,
porém, muitas vezes faz referências à história universal, à geografia do Oriente
Médio, à tradição literária e religiosa, como ocorre na curiosa composição Como nun na Surata do Clemente,
que dialoga com textos do Corão e com imagens mitológicas, como a da
fênix grega. Já no livro Salmos,
encontramos uma série de poemas sobre Jerusalém, com referências intertextuais
aos livros proféticos do Antigo Testamento, em que a cidade, transformada em
personagem, fala na primeira pessoa – recurso poético conhecido como prosopopéia. O exílio do povo hebreu
relatado nos textos bíblicos é usado por Darwish como metáfora do êxodo e do
sofrimento do povo palestino, e o retorno à terra perdida sinaliza uma utopia
ao mesmo tempo pessoal e coletiva: é a recuperação do país, que tem sua própria
história e cultura, mas também uma reapropriação de sua infância, de suas
lembranças, de suas ligações familiares, enfim, de sua vida. Na poesia de
Darwish, encontramos com frequência o diálogo, à maneira de um teatro poético,
como acontece na composição A
eternidade do cacto:
—
Para onde me levas, pai?
—
Em direção ao vento, meu filho...
Este
recurso, que permite a construção de uma pequena cena, com o pano de fundo da
história palestina a partir de 1948, recorda por vezes as composições de
Bertolt Brecht, embora em Darwish o tom épico esteja quase ausente: é um poeta
lírico e elegíaco, que observa o heroísmo presente em pequenas situações, como
lavar pratos, fazer café, ouvir o rádio, ações convertidas em formas de
resistência: o simples fato de existir, de perpetuar sua língua, seus costumes, sua
memória, já faz do palestino um combatente do sionismo, que procura apagar
todos os vestígios da existência desse povo, demolindo suas aldeias, mudando os
nomes das ruas, reescrevendo a história. A poesia, para Darwish, é uma forma de
resistência: é a afirmação de uma identidade, pessoal e coletiva, e a
reconstrução de um país pela palavra poética.
A terra nos é estreita foi publicada no
Brasil em momento histórico auspicioso: em dezembro de 2012 aconteceu o Fórum
Social Mundial Palestina Livre, em Porto Alegre (RS), que reuniu milhares de
ativistas de movimentos populares, do Brasil e do exterior, para uma série de
debates e atividades culturais relacionadas à solidariedade com o povo
palestino. A Bibliaspa, uma das entidades participantes do Fórum, promoveu
também o lançamento do romance Noite
Grande, do palestino-brasileiro Permínio Asfora, autor ainda pouco
conhecido de nossa literatura, que mereceu, no entanto, o elogio de Guimarães
Rosa. A revista Zunái – que
organizou, em parceria com a Federação Árabe Palestina (Fepal) a mostra
fotográfica Palestina: a ferida aberta,
para relembrar os 30 anos do massacre de Sabra e Chatila, também esteve no
Fórum. Participamos de uma mesa temática sobre a arte de resistência, ao lado do
célebre cartunista Latuff, e realizamos a distribuição da plaquete Poemas para a Palestina, publicação
semi-artesanal com textos de 15 autores brasileiros, que expressaram, em
diferentes estilos – do soneto à elegia, do poema minimalista ao neobarroco – a
solidariedade a um povo que busca reencontrar o seu lugar na história. A plaquete,
de poucas páginas e pequena tiragem, foi acrescida de novos textos e traduzida
para o idioma árabe por Kháled Mahassen, em um volume bilíngue que será
publicado em breve -- parte da tiragem será enviada à Cisjordânia, por ocasião da III Missão de Solidariedade à Palestina, em 2014. É nossa intenção que essa
obra seja uma semente de diálogo e cooperação entre os poetas brasileiros e
palestinos. Como breve amostragem do volume, apresentamos aqui algumas das
composições:
Jonatas
Onofre
FAIXA
DE GAZA
Como
pode ser
esta veia sem sutura?
Este campo de destroços
em hemorragia?
A ausência das harpas
ainda verga os galhos
do salgueiro.
Mas o sol, imunda fera,
lambe um ossuário
de crianças no deserto.
esta veia sem sutura?
Este campo de destroços
em hemorragia?
A ausência das harpas
ainda verga os galhos
do salgueiro.
Mas o sol, imunda fera,
lambe um ossuário
de crianças no deserto.
Andréia
Carvalho
JUDAH
ouço
teu passo - irmão
manso de sandálias
emplastradas
sondo teus olhos
dois campos pardos
concentrados
e não te escuto o nome
abatido
e não te ouço os cânticos
pelos dentes afiados
branca munição
teu sorriso cúspide
tudo que me cospe
tudo que me cala
não
mais te coagulam pontes
no mar
vermelho do sangue
teus
frutos amordaçados
com a
fome de um jardim
suspenso
lamentam
a polpa
de tua
febre
não te
entendo o êxodo
fantástico
na fissura dos mapas
antes da promessa
era terra à vista
teu deserto mágico
antes da mesquita
era o filho do cosmos
era autêntico, o livro branco
de neve
tu te
lanças sobre muralhas
inventadas
desenhos
bombardeados
e
mutilas em seis
o que
te deram
em sete
hamurabi
coração
dilacerado
e cego
oro por ti
escarificado
Lígia
Dabul
PALESTINA
Despenca
o medo.
A
primeira pessoa
atravessa
o que
pretendo.
Não
esqueço
a fúria
da
visita. De novo
a pior
de todas
as
viagens.
Terrenos
interditos
e
barbárie
aberta,
vã,
acusam
o
direito da
resposta.
Khaled
Fayes Mahassen
GAZA
DA MORTE
O grito da morte
Gaza
Fronteiras fechada
saídas cerradas
Gaza da morte
Gaza da morte
quem faz a sorte?
A lua é triste,
a vida é triste
o sol! O sol é muito triste,
a Morte!
Ah! A morte é triste.
Gaza da Morte,
Aos olhos do mundo
casa caída
vida destruída,
criança que morre
na gaza da morte
Aos olhos do mundo
ao protesto surdo.
Oh!
O grito forte
da Gaza da morte.
Sorte?
Paz! Que Paz?
Paz com braço forte
com espada que corte
com povo unido
com governo unido
e o mundo decidido
a mudar a sorte
Gaza
Gaza da morte
Gaza da morte
Gaza
Gaza da morte.
Mudará , mudará a sorte!
O grito da morte
Gaza
Fronteiras fechada
saídas cerradas
Gaza da morte
Gaza da morte
quem faz a sorte?
A lua é triste,
a vida é triste
o sol! O sol é muito triste,
a Morte!
Ah! A morte é triste.
Gaza da Morte,
Aos olhos do mundo
casa caída
vida destruída,
criança que morre
na gaza da morte
Aos olhos do mundo
ao protesto surdo.
Oh!
O grito forte
da Gaza da morte.
Sorte?
Paz! Que Paz?
Paz com braço forte
com espada que corte
com povo unido
com governo unido
e o mundo decidido
a mudar a sorte
Gaza
Gaza da morte
Gaza da morte
Gaza
Gaza da morte.
Mudará , mudará a sorte!
[1] Conforme Paulo Farah, “A poesia e o envolvimento político de Darwish foram uma fonte contínua de conflito com as autoridades. Em 1962, ele foi acusado de incitamento à revolução por recitar um poema sobre Gaza em um festival de poesia. Nos anos seguintes, foi preso diversas vezes”.
[2]
Convém citar também as notáveis traduções de Darwish realizadas por Michel
Sleiman, poeta e professor de língua e literatura árabe na USP, publicadas na
revista Zunái, na página http://www.revistazunai.com/editorial/23ed_mahmouddarwish.htm.
[3] Artigo publicado na página
http://www.mallarmargens.com/2013/01/poeta-palestino-mahmoud-darwish-e.html
[4]
Prece recitada por um enlutado durante 11 meses após o falecimento de seu pai
ou mãe. Em caso de falecimento de um irmão, irmã, esposa, marido ou filho (a) é
recitado por apenas um mês.