quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

POESIA.BR




Poesia br é um dos mais ambiciosos projetos de mapeamento da poesia brasileira que eu conheço, organizado pelo poeta Sergio Cohn, que também é editor da Azougue. Trata-se de uma caixa com dez livros, dez pequenas antologias, que retratam 500 anos de poesia, desde os cantos da tradição oral indígena até a poesia jovem dos autores que publicaram a partir de 2000. Um trabalho de referência que merece estar em todas as bibliotecas públicas, nas escolas e universidades.

Claro: como acontece em toda antologia, sempre há nomes que faltam, por isso mesmo é importante que haja várias antologias, para que o leitor forme o seu próprio cânone pessoal. Vale a pena citar também as antologias por década publicadas pela Global. O volume dedicado aos anos 1990 foi organizado pelo poeta Paulo Ferraz.

Uma diferença do trabalho de Sergio Cohn em relação às antologias anteriores é que, pela primeira vez -- até onde sei -- foi incluída a poesia oral indígena (pena que não foi possível encartar um CD, como fez o Douglas Diegues em sua coletânea de poesia mkbyá-guarani).

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A MAIOR FRAUDE DA POESIA BRASILEIRA



É preciso, às vezes, discordar dos amigos e concordar com os adversários em nome da coerência e da sinceridade. Tenho muitas diferenças de opinião com Ronald Augusto, mas concordo com tudo o que ele diz nesta resenha:

"Restaria avançar uma ou duas ideias sobre a consagração fulminante de Angélica Freitas, afinal, seu percurso poético público abarca apenas cinco anos de atividade. O lastro da simpatia pessoal e profissional; as boas relações com os despachantes dos grupos de mando, tanto do mercado editorial supostamente interessado no fascínio artístico, quanto do jornalismo cultural; os contatos de mútuo prestigiamento que ratificam o traço endogâmico da poesia contemporânea; enfim, esses itens perfeitamente secundários no que concerne à fruição do poema são, de fato, secundários, porém não irrelevantes – principalmente para o caso em tela. E importam ser questionados e referidos aqui como insumos para debates vindouros, justamente porque, ao menos para as circunstâncias atuais, se tornaram mais relevantes ou indispensáveis do que a qualidade estética em si mesma."

O texto integral está na página http://www.sul21.com.br/jornal/2013/02/o-ambiente-literario-e-a-inexistencia-da-poeta-que-era-mulher-de-verdade/

PALAVRA LIVRE



O que aconteceria com o mercado editorial brasileiro se o estado publicasse livros de prosa e poesia de autores contemporâneos de qualidade, em edições bem feitas, de baixo custo, com tiragens de cinco a dez mil exemplares por título e distribuísse os livros gratuitamente para a população em terminais rodoviários, estações de metrô ou os incluísse nas cestas básicas do Bolsa Família?

CURSO SOBRE HAROLDO DE CAMPOS NA CASA DAS ROSAS





Caros, a partir do dia 05 de março realizarei um curso sobre a poesia de Haroldo de Campos, em dois módulos, na Casa das Rosas. Ficaria muito satisfeito com a presença de vocês! 

O curso discutirá aspectos da obra poética do autor, desde Xadrez de Estrelas até Entremilênios. Além da leitura de poemas de cada livro de Haroldo de Campos e da análise do conjunto de sua obra, será feito um estudo de alguns textos teóricos do poeta.

O Módulo I será às terças-feiras, dias 5, 12, 19 e 26 de março, das 19h30 às 21h30, e o Módulo II, também às terças-feiras, dias 2, 9, 16, 23, 30 de abril, das 19h30 às 21h30.

Inscrições e informações pelos telefones (11) 3285-6986 ou 3288-9447.

P.S.: a edição de fevereiro da Zunái está atrasada, mas deve entrar on line no início de março.

Há braços,

Claudio Daniel

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

PROGRAMAÇÃO DE MARÇO DA CURADORIA DE LITERATURA E POESIA DO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO





Praça Mário Chamie – Menu de Poesia

Sexta-feira, dia 08/03/2013, das 20h30 às 22h 

Recital dedicado à obra da poeta, tradutora e letrista Alice Ruiz, organizado por Maria Alice Vasconcelos, com a participação de Frederico Barbosa, Claudio Daniel, Beatriz Helena Ramos Amaral, Elisa Andrade Buzzo, Sílvia Nogueira, Ana Rusche, Elson Fróes, Luiz Ariston Dantas, Leo Gonçalves, Tatiana Fraga e Eduardo Lacerda.



Praça Mário Chamie – Poesia dos 4 Cantos: Noite Argentina 

Sexta-feira, dia 13/03/13, das 20h30 às 22h

Poesia dos Quatro Cantos é uma atividade mensal dedicada à divulgação da poesia internacional, num formato que inclui a leitura com danças e músicas típicas de cada país, nos intervalos das leituras. Em março, será feita a apresentação de uma Noite Argentina com a poeta Francesca Cricelli, com a participação Carolina Morgado Leão, Fábio Henrique Menezes Evangelista e Edmar Pereira Costa Filho (músicos), André Luis Magro e Andressa de Souza Moraes (dançarinos).


Praça Mário Chamie – Poemas à Flor da Pele

Sexta-feira, dia 15/03/13, das 20h30 às 22h 

Sarau poético realizado pelo grupo Poemas à Flor da Pele, com a participação de músicos e atores. Haverá também o lançamento de livros de poesia de novos autores.


Praça Mário Chamie – Recital de Poesia Árabe e Sul-Americana

Terça-feira, dia 19/03/13, das 19h30 às 21h 

Estudantes e pesquisadores da Bibliaspa — Biblioteca e Centro de Pesquisa América do Sul — Países Árabes que participam do Programa de Língua e Cultura Árabe apresentarão no recital poemas de autores árabes e sul-americananos, com destaque para os autores Mahmud Darwich, Pablo Neruda e Thiago de Mello.  


Sala de Debates – Poetas de Cabeceira: Jorge Luis Borges

Sexta-feira, dia 28/03/13, das 19h às 21h 

Julian Fuks fará uma palestra sobre o poeta argentino Jorge Luis Borges, comentando a biografia do autor, sua época, características estéticas e, sobretudo, a sua experiência pessoal como leitor da poesia de Borges, um dos autores mais importantes da literatura argentina do século XX.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

CÂNONE E ANTICÂNONE (III)



GENERAL MANDÍBULA ATACA GOTHAM CITY: A POESIA DE ADEMIR ASSUNÇÃO

 A voz do ventríloquo (São Paulo: Edith, 2012), é o quarto volume de poemas de Ademir Assunção, que também publicou LSD nô (1994), Zona branca (2000) e A musa chapada (2008, em parceria com Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e o artista visual Carlos Carah), além dos volumes de prosa experimental A máquina peluda (1997), Cinemitologias (1998), Adorável criatura Frankenstein (2003) e do CD de música e poesia Rebelião na zona fantasma (2005). Os títulos de seus livros já deixam explícito o diálogo do autor com o universo das histórias em quadrinhos, do cinema, da música pop, da contracultura, das mitologias pré-colombianas e do Oriente — diálogo já bem comentado na fortuna crítica do autor.

Estas referências são comuns a outros poetas de sua geração, como Maurício Arruda Mendonça, Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes, que compartilham ainda o interesse pela poesia e concepção de vida dos poetas beats norte-americanos, como Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti e Allen Ginsberg. A poesia de Ademir Assunção, no entanto, não se esgota em tais referências: sua temática é mais ampla, incluindo o retrato alegórico da cidade, com ênfase nos que estão situados à margem, como as prostitutas, traficantes, menores abandonados e moradores de rua, a reinvenção de mitos indígenas, gregos e bíblicos (Ulisses na tormenta, Na cova dos leões), a sensação de deslocamento e incomunicabilidade num mundo cada vez mais dominado pelo mercado e pela mídia, a loucura belicista, a busca do amor como a utopia possível, para citar alguns temas recorrentes.

Sua técnica literária pouco tem a ver com a prosódia beat: basta compararmos um poema de Allen Ginsberg, como o Uivo, com seu jorro discursivo que se aproxima da prosa, com O pântano, um dos mais belos poemas de A voz do ventríloquo: “Há uma serpente enrodilhada nas ramagens / do poema: / cauda verde-turquesa, escamas / mitológicas, cabeça / de névoa”. Este poema se aproxima da estética neobarroca, não apenas pela riqueza imagética e metafórica, mas sobretudo pela colagem de referências de diferentes repertórios culturais, como “um cemitério de aviões de caça da Segunda Guerra” e “uma rainha que trepa / com o próprio filho” (Jocasta?), “prostitutas chinesas” e “um monstro de folhagens / e couro cru de crocodilo”. Claro: a montagem ou justaposição de cenas é uma técnica narrativa do cinema, que está presente em quase toda a obra de Ademir Assunção, em especial nos livros Cinemitologias e Zona branca, mas também aqui, na Voz do ventríloquo, assim como o diálogo criativo com o jazz (Billie Holiday na porta dos fundos), a pintura (O grito) e a televisão (A vida em tecnicolor). Não se trata de mera exibição de citações cultas, fetichismo que muito afetou a poesia da década de 1990, mas de releituras que o poeta faz das coisas que fazem sentido para a sua sensibilidade e compreensão de si mesmo e do mundo, de seus medos, vivências e obsessões.

Podemos dizer que a poesia de Ademir Assunção tem um alto grau de sinceridade, mas que não é confessional, como boa parte da literatura beat – os poemas amorosos de Allen Ginsberg e os romances de Jack Kerouac, por exemplo, onde são nítidos os traços autobiográficos. A sinceridade na escrita, é bom ressaltar, não significa o registro imediato de sensações, o lirismo espontâneo, herdeiro da escrita automática dos surrealistas (a frase zen-budista “Primeira ideia, melhor ideia” era uma das favoritas de Ginsberg). Ademir Assunção visa justamente o contrário, desautomatizar a escrita e o pensamento, para tornar mais afiadas as palavras da tribo: “eu sou poeta e sigo em frente / em linhas tortas / eu não lido com palavras mortas”, diz ele no poema Orfeu nos quintos dos infernos.

A imaginação poética – melhor dizendo, a máquina de fabricar mitologias – de Ademir Assunção caminha de mãos dadas com a informalidade de Paulo Leminski, Roberto Piva e Torquato Neto, três de seus ícones culturais – por isso mesmo já chamei essa poesia, em outro artigo, valendo-me de um oxímoro, de “formalismo informal” (Pensando a poesia brasileira em cinco atos, texto publicado na Zunái, Revista de Poesia e Debates, na página http://www.revistazunai.com/materias_especiais/claudio_daniel_pensando_a_poesia.htm). A paródia é um dos recursos mais usados pelo poeta, seja a glosa satírica do discurso quinhentista, em Máquina peluda, seja a reapropriação crítica da linguagem e técnica narrativa das histórias em quadrinhos, em Zona branca e A voz do ventríloquo, onde aparecem personagens como o General Mandíbula, O Anjo do Ácido Elétrico e Mister P., inventados pelo autor, ao lado de Orfeu, Ulisses, Heráclito, Iemanjá, o Coringa e King Kong.  A própria Poesia, e o seu irmão Prosa, comparecem nas páginas do Diário do Ventríloquo, inserções de prosa narrativa com fundo preto e as letras em cor branca que aparecem em várias seções do livro, como se fosse uma narrativa paralela, um canto dialogado. A organização dos poemas e textos em prosa obedece a um princípio não-linear, mimetizando, no próprio corpo semântico, o caos e a fragmentação do mundo a nossa volta. O fio condutor do livro talvez esteja no próprio título do volume: é a voz invisível do ventríloquo, esse eu lírico que percorre as ruas de Gotham City “enquanto o Coringa injeta no braço esquálido / a última gota da ampola”.   


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

CÂNONE E ANTICÂNONE (II)




RITO DA FALA AO ESPELHO: UMA LEITURA DE RICARDO CORONA

Curare, de Ricardo Corona (São Paulo: Iluminuras, 2011) é um livro de poemas que faz um interessante diálogo entre o imaginário indígena (em especial da etnia xetá) e a herança das poéticas experimentais, investindo na espacialização do texto para realçar a oralidade, as variações rítmicas e as mudanças de dicção. O trabalho de Ricardo Corona com a dimensão sonora da palavra (e vale a pena recordar que o poeta tem dois ótimos CDs de música e poesia, Ladrão de fogo e Sonorizador) desconsidera as fronteiras entre prosa e poesia e sintetiza canto, narração e intervenção pictórica, utilizando os sinais de pontuação como se fossem inscrições rupestres. A variação tipológica e gráfica dá movimento às sentenças no livro, pensadas como frases sonoras de uma partitura; neste sentido, o autor potencializa o suporte livro, explorando suas possibilidades comunicativas. Curare é – entre outras coisas – uma reflexão sobre o livro, numa época em que as tecnologias eletrônicas colocam esse tema na ordem do dia. Claro: não se trata de reivindicar a morte do livro, mas sim de repensarmos o conceito e a estrutura do objeto, levando em consideração as mudanças na sensibilidade do leitor contemporâneo, operadas pela navegação no ciberespaço. Não lemos hoje do mesmo modo como no século XVIII, sempre da esquerda para direita, numa sequência linear do tipo início-meio-fim (que remete à lógica evolutiva do pensamento ocidental, desde a Bíblia e Aristóteles): o hipertexto abre “janelas”, páginas que se sobrepõem a páginas, e a leitura principal não tem mais um ponto de partida fixo: na tela do computador, todas as direções são possíveis, muda a concepção de espaço, e também a de tempo, que não mais é retilíneo, mas circular). A etnopoesia dialoga com as vanguardas, como bem observou Jerome Rothenberg: o ritual africano ou indígena é uma somatória de linguagens (musical, poética, coreográfica, dramática, sem esquecermos das tatuagens, adereços e vestes cerimoniais) que transcende as divisões estanques da arte ocidental e remete a outras concepções de espaço, tempo e movimento, que derivam de concepções mitopoéticas coletivas: a arte é uma dimensão do sagrado e ato de afirmação da identidade cultural da comunidade.  Poetas como Ricardo Aleixo, Marcelo Sahea e Ricardo Corona realizam jornadas criativas que resgatam formas de expressão “xamânicas”, via performances (e o próprio livro pode ser uma performance), mas com outro sentido – ou sentidos: não partilhamos mitos coletivos, somos órfãos das utopias, não temos deuses a descobrir em sonhos, logo, o poeta não tem mais a função mágica e social que exercia nas comunidades antigas. Ele é o xamã de uma era cética, o questionador, o dissidente luciferino que não indica rotas ou saídas, mas executa sua dança-mandala no centro do caos.  

Curare é um labirinto dividido em doze partes, que prescindem da leitura sequencial. A primeira palavra do primeiro poema da primeira seção do livro, Entxeiwi, significa “bom dia” no idioma xetá, com uma conotação próxima ao carpe diem latino, e era empregada em um rito oral realizado por José Luciano da Sila (ou Nhangoray, “Mão Pelada”) em frente ao espelho, conforme nos explica Ricardo Corona, na introdução do livro. A palavra se relaciona, no campo referencial, a outras dispostas no texto, como constelações, arquipélagos, tempo, estrelas, mundo: a existência observada por Héta, “fogo (que) vem com sua dança desviante”. O tema se desdobra nas peças seguintes, em que osonho, a embriaguez, o reflexo no espelho e a tela do cinema são outros planos ou retalhos de significação: ver o mundo é nomeá-lo, criá-lo pela palavra poética. Este é o ponto de partida de uma difusa narrativa, ou conjunto de narrativas que se entrecruzam: o livro é uma esfinge que não traz respostas ao leitor, apenas sinais para possível decodificação (outro elemento do labirinto, além da pluralidade de rotas: a escrita cifrada, simbólica, que surge no caminho da iniciação, e as armadilhas que representam perigo aos que não decifraram corretamente os sinais). O elemento lúdico é o fio condutor que permeia todo o poema (se pensarmos em Curare como um poema longo, expandido em doze cintilações): o poeta joga com as palavras, ocultando, modificando, ludibriando ou ampliando suas significações, inserindo-as em diferentes estruturas, desafiando o leitor a completar ou desfazer o quebra-cabeças, e remontá-lo assumindo todos os riscos, incluindo o da incomunicabilidade, que é talvez a única chance de comunicabilidade (na resenha de Cinemaginário, livro de estreia de Ricardo Corona, publicado em 1998, escrevi: “O cinema é a construção de uma realidade imaginada, como o sonho, que não é menos real (ou ilusório) do que a existência cotidiana, como na parábola de Chuang Tzu. O cinema é menos um espelho, um eco do real do que uma metáfora, ou conceito do mundo. Olhar uma cena ou paisagem, de certo modo, é inventá-la; é dar nome às coisas, como Adão, numa dialética entre o fora e o dentro, a parte e o todo. O sujeito cria o mundo e é criado por ele. Viver é navegar entre paradoxos, e saber quem olha, quem é visto não é o menor de todos.”).

(Publicado em fevereiro na revista Mallarmargens)


CÂNONE E ANTICÂNONE (I)



ARNALDO ANTUNES, O POETA DAS PALAVRAS E DAS COISAS

Arnaldo Antunes é um poeta que dialoga com o Tropicalismo e a Poesia Concreta, mas também com a tradição clássica, com sua métrica e rimas (“Pensamento vem de fora / e pensa que vem de dentro”), a canção popular, a tecnologia eletrônica e as artes visuais, como o desenho e a fotografia. Sua jornada poética começou em 1986, com a publicação do livro Ou e, composto de poemas caligráficos que exploram a dimensão visual das palavras, e logo seguiram outros, como Tudos (1990), As Coisas (1992, prêmio Jabuti de poesia), Nome (1993, trilogia composta de livro, CD e fita de vídeo), 2 ou + corpos no mesmo espaço (1997), Et Eu Tu (2003, em parceria com a fotógrafa Márcia Xavier), Como É Que Chama o Nome Disso (2006) e N. D. A. (2010). Em seus textos criativos, que não raro dissolvem as fronteiras entre a prosa e a poesia (o que é mais nítido no livro As Coisas), Arnaldo Antunes utiliza técnicas de diagramação, diferentes fontes, cores e corpos de letras, que moldam o sentido construtivo de cada composição. Sua estratégia de buscar novas formas de expressão poética levaram-no a fazer experiências que unem a palavra, a imagem, o som, o movimento, cujo resultado mais inventivo é o trabalho Nome. Arnaldo Antunes retoma a proposta “verbivocovisual” do movimento concretista, mas em outro diapasão, que aceita também a influência da linguagem das histórias em quadrinhos, das placas de sinalização, dos videoclipes e outros ícones da cultura de massa dos centros urbanos. Estes elementos são visíveis em seus poemas publicados em livros e também nas suas canções – ele integrou a banda de rock Titãs, na década de 1980, com a qual gravou sete discos, entre eles o clássico Cabeça dinossauro, e depois iniciou carreira solo, lançando discos como O silêncio, Um som, O corpo (trilha para dança), Paradeiro, Saiba, Qualquer, Ao Vivo no Estúdio (também em DVD), entre outros.

A linguagem coloquial da música pop está presente no trabalho criativo do poeta, assim como a fragmentação semântica do concretismo, o absurdo intencional de Gertrude Stein, o discurso e o imaginário das crianças – Arnaldo Antunes transforma as perplexidades do mundo infantil em versos anárquicos e contundentes (“como é que chama o nome disso?”). O próprio estilo caligráfico do poeta está impregnado da “mão infantil”, que traz para a escrita poética o encantamento de um olhar primitivo, de descoberta – ou redescoberta – dos nomes e das coisas. Em Palavra desordem (2002), por sua vez, o poeta cria paródias de anúncios publicitários: em oposição ao olhar receptivo de quem busca nomear as coisas, próprio do universo lúdico da criança, Arnaldo revela aqui o olhar da cultura de massa, que trabalha com a síntese, a concisão, os trocadilhos e ao mesmo tempo com o clichê e a redundância. Ao parodiar o estilo publicitário, Arnaldo faz uma crítica bem-humorada e provocativa ao repertório midiático. Em Et Tu Eu (2003), o artista mutante faz uma nova peripécia, dessa vez em diálogo com a fotografia de Márcia Xavier: palavras e imagens se completam, se opõem, se interpenetram, deixando ao leitor apenas pistas de significação. Há diversos outros aspectos que podem ser observados no trabalho de Arnaldo Antunes, um dos autores mais inventivos da atual literatura brasileira, mas vale a pena destacar suas intervenções na chamada poesia digital ou eletrônica, da qual é um dos precursores no Brasil, ao lado de Augusto de Campos, e sua atuação no campo da performance, em que o próprio corpo do poeta participa do fazer poético. Em 2011, aliás, o autor participou do festival ibero-americano de poesia performática 2011 poetas por km2, que aconteceu no Centro Cultural São Paulo (CCSP), que também apresentou seus experimentos na área da poesia digital na mostra Videopoéticas, que teve a curadoria de Elson Fróes. Já em 2012, Arnaldo Antunes participou da performance transoceânica PEDRA, juntamente com o artista visual Frederic Amal, de Barcelona – o evento, que aconteceu simultaneamente no Brasil e na Espanha, com transmissão via internet, faz parte da programação da Anilla Cultural, promovida pelo Centro Cultural São Paulo em parceria com instituições ibero-americanas. Arnaldo Antunes é um poeta que experimenta novas possibilidades para a poesia, indo além do livro como suporte e da palavra como única linguagem: tudo, para ele, pode ser transformado em poesia.

(Artigo publicado na edição de fevereiro da revista CULT)


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

CARTA AO PAPA, DE ANTONIN ARTAUD



O confessionário não é você, oh Papa, somos nós; entenda-nos e que os católicos nos entendam.

Em nome da Pátria, em nome da Família, você promove a venda das almas, a livre trituração dos corpos.

Temos, entre nós e nossas almas, suficientes caminhos para percorrer, suficientes distâncias para que neles se interponham os teus sacerdotes vacilantes e esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial.

Teu Deus católico e cristão que, como todos os demais deuses, concebeu todo o mal:

1º. Você o enfiou no bolso.

2º. Nada temos a fazer com teus cânones, índex, pecado, confessionário, padralhada, nós pensamos em outra guerra, guerra contra você, Papa, cachorro.

Aqui o espírito se confessa para o espírito.

De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da alma, sobre estas chamas que chegam a consumir o espírito. Não existem Deus, Bíblia. Evangelho; não existem palavras que possam deter o espírito.

Nós não estamos no mundo, oh Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você.

O mundo é o abismo da alma. Papa caquético. Papa alheio à alma, deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas em nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades.

Tradução: Claudio Willer




sábado, 9 de fevereiro de 2013

09/12/2013



Monteiro Lobato lutou em defesa da exploração do petróleo por empresas nacionais, foi perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas e encarcerado no Presídio Tiradentes. Graciliano Ramos, acusado de subversão após a Intentona Comunista, esteve preso na Ilha Grande, onde escreveu Memórias do Cárcere. Jorge Amado -- que assim como Graciliano era militante do Partido Comunista do Brasil -- fez parte da Assembleia Nacional Constituinte de 1946 e apresentou um projeto de lei garantindo plena liberdade religiosa. Carlos Drummond de Andrade, simpatizante do PC e redator de um de seus jornais, escreveu um poema, em plena ditadura militar, em defesa de Nara Leão. Na década de 1970, os poetas e romancistas brasileiros apoiavam os movimentos pela anistia e redemocratização do Brasil. Hoje, nossos autores querem ganhar prêmios, resenhas, viagens ao exterior e contratos com a editora Record ou Companhia das Letras. Nada contra que um escritor deseje reconhecimento e retorno financeiro por seu trabalho. O que é trágico é o afastamento de nossos escritores, artistas e intelectuais da vida política do país, sua indiferença aos acontecimentos, como se vivessem em outro planeta. O resultado dessa triste cumplicidade é que hoje não temos nenhuma influência na sociedade, e não contribuímos em nada para a sua transformação. Isso não é apenas melancólico; chega a dar nojo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

POEMAS DE MARCO AQUEIVA



azul distante do olho
neblina cobrindo os olhos
mais que um lugar no espaço
sonhos recobrem espaços
mais que existências estáticas
só na superfície o estático
subsolo rumor de nomes
lugar-comum ser sem nome
sonhos se carbono fossem
molde de estrelas que fosse
luz nas sombras, quem se mostra?
astros maduros se mostram?
   forma no escuro inda sonhas
   teu riso afastando as sombras
  
* * *

 Estrela ou concha – o torso esquivo às mãos
a pele inapreensível deslizando
cicatrizes por entre olhos e dedos

nesta mínima fenda que abre e fecha
passagem entre mãos braços pés e águas
fugitivas

poucos versos à mão, e sombras em fuga
também teus olhos perdem sóis paisagem

 * * *
 Entre acessos passagens anuncia-se

ontem se esquiva à cicatriz das mãos
à sucessão de corpos deslizando
entre os vazios e beiras de um mergulho
ponte pênsil, mar me afogando em sílabas

areia que me escapa das palavras

os flancos mal abertos do navio
encalhado na redondez do tempo
abertas sílabas desencontradas
ponte pênsil, mar me afogando em sílabas

praias pedras biquinha pombas pedras
quebra-mar junto às águas da memória
evaporando-se ante sonhos e ânsias

areia que me escapa das palavras

os flancos mal abertos do navio
encalhado na redondez das sombras
outros pés mãos na redondez da fuga
azul do olho em lodo e transparência

Naquela época o cinza
ainda não nos esticava os arredores
as mãos sem projeto
ainda não abriam as rotas para dentro
os pés em torta revista
ainda não se retraiam sob o tráfego
o corpo neste complexo
ainda não se desvascularizava inteiro

Naquela época entre dores
preocupações e outros cansaços
toda erosão do corpo redescobriu-se
nos lençóis de asfalto

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

POEMAS DE AMOSSE MUCAVELE




SOMBRAS NOCTURNAS

1

Limar o escuro
com a veemência da luz
de uma  ruína
em crescimento
matinal


2

Viajar na âncora da tarde
quente do tropel
das palavras derramadas
na fecundação do silêncio


3

Sentir a dança da água
ao som da noite
podre da incansável insónia
do tardio
amanhecer



TEMPESTADE

Para L.C.Patraquim


Caminhos de largas profundezas
ofuscam o sol
na redonda face do corpo tempo
que se esgueira no atónito beco do vento
aberto nas feridas das rochas



EIS TUDO HISTÓRIA

Para  Sangari Okapi

Preso a minha vinda
nas algemas da tua chegada
onde derretem granizos na porta
dos soluços obsoletos do tempo

   
VIAGEM

Para Dilía Fraguito e Mito Elias

nas crostas do mar
brotam lagos voadores
com plumas de papagaios suburbanos
a sobrevoar nos tímpanos da cidade
que  sangra  desejos de amar os emigrantes


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

EXISTE DIÁLOGO EM SÃO PAULO


EXISTE DIÁLOGO EM SÃO PAULO é o nome do encontro do secretário municipal da cultura, Juca Ferreira, com a classe artística, que acontecerá amanhã, terça-feira, a partir das 18h30, na Sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo. O objetivo da reunião é discutir ideias para a definição de uma política pública para a área cultural, que faça parte do plano diretor da cidade. Poetas, compareçam! 

POEMAS DE EDMOND JABÈS



OS MASTROS E A VELAS

A letra rouba a palavra que rouba a imagem que rouba.

A letra mente à palavra que mente à  frase que mente ao autor que mente.

A letra sonha a palavra que sonha a frase que acolhe a palavra que acolhe a letra.

A letra desliga a palavra que desliga a imagem que desliga o dia.

A frase orna a palavra que orna a letra que orna a ausência.

A letra despende a palavra que despende a frase que despende o livro que despende o escritor que se arruína.



            O POSSUÍDO

            Para reduzir o demônio – que é a imagem – e restabelecer o equilíbrio do terror aquém e além das fronteiras de tinta, as palavras embruxadas executam uma dança mágica semelhante, ao redor do feiticeiro mascarado, àquelas das tribos primitivas.
            Com armas iguais.
            Elas têm o peito e o rosto pintados nas cores das manhãs que as ovelhas banham com seu leite e os falcões, em seu amplo voo de rapina, com o sangue negro de sua caça.
            O fogo da cerimônia extinto, humildes vocábulos recolhidos a si mesmos, sua potência de uma hora fora à altura do disfarce com o qual se desfizeram suas almas.
            O poema é para amanhã.


* * *

Busca meu nome nas antologias.
Tu o encontrarás e não o encontrarás.
Busca meu nome nos dicionários.
Tu o encontrarás e não o encontrarás.
Busca meu nome nas enciclopédias.
Tu o encontrarás e não o encontrarás.
Que importa? Terei eu jamais tido um nome?
Também, quando eu morrer, não busques
meu nome nos cemitérios
nem alhures.
E para de atormentar, hoje, aquele
que não pode responder ao chamado.

Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho

Confiram mais poemas de Jabès na edição de fevereiro da Zunái, que está no forno...