“Prova da centralidade da poesia concreta na história recente da
literatura brasileira é o fato de tantos autores diferentes entre si
terem em algum momento compartilhado afinidades com seus valores
estéticos. Itens ‘programáticos’ do movimento como dissolução do verso,
espacialidade e concepção do poema como montagem são perceptíveis no
antilirismo irônico de Nelson Ascher ou na poesia metalingüística de
Júlio Castañon Guimarães e Duda Machado – autores que forjaram, cada um,
sua poética própria, mas de alguma forma devedora das fórmulas
concretistas. Em Bonvicino, ao contrário, a condição de epígono dos
concretos se torna mais evidente. Depois de cortejar o anarquismo
contracultural de Paulo Leminski (1944-1989), esse poeta que alterna
atividades literárias com uma carreira de magistrado produziu livros em
que a sintaxe alinhava imagens descontínuas – como no ‘Quarto Poema
(Canalha Densamente Canina)’, onde aparece o título de Remorso do Cosmo
(de Ter Vindo ao Sol). Aqui, o ‘cosmos’ está reduzido a representações
florais em que ‘calêndulas sem janeiro’ e o ‘crisântemo sem pânico’
(referência ao Crisantempo de Haroldo de Campos?) compõe surtos de um
‘idioma de medos’. (...) Poeta de preocupações cívicas, Bonvicino também
procura dar concreção poética à agenda do mundo globalizado. O
resultado é um poema como ‘Sem Título (4) (Fanti-Axanti)’, que coloca em
linha reta notícias de jornal sobre devastação ecológica, guerra do
narcotráfico, assassinato de um militante antiglobalização em Gênova –
enfim, uma sequência de signos bombardeando a sensibilidade de um
sujeito paranóico, acuado pelo pânico – e que, ao tentar ultrapassar os
limites de seu solipsismo, de seu isolamento poético e pessoal, responde
aos estímulos do mundo numa língua desconexa.” (Manuel da Costa Pinto,
na Antologia Comentada da Poesia Brasileira do século 21. São Paulo:
Publifolha, 2006, pp. 85-87)
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