sexta-feira, 29 de junho de 2012

POEMAS DE FABRÍCIO SLAVIERO



GALINÁCEA À COMBUSÃO

Perua Kombi a carregar Tambores de Lavagem (— grandes — dois
ou três) e (três ou quatro — grandes —) Sacas de Farelo, ambos
para Porcos (Bancos/Corpos de Bacon), e
                                         a combinar não só — em Cor? —, o Azul
metálico de sua Lataria com o plástico Turquesa dos Tambores,
como também — em Cor Textura Cheiro? —, o nauseante
Conteúdo destes, com os bem prováveis Vômitos de seus con-
textuais Descarregadores (— a saber, este que vos [...] e vós).

***

na (plástica?) bandeja sanitária, ou caja de arena, o argiláceo
granulado para a self-higiene; para — altíssimo grau de rigor — o
esmero fisiológico de um ardiloso (?) gato — olhos esmeraldinos,
e, pra lá de gasta: — uma lixa salivar grão setenta e sete.


***


vocalistas que levam a cabo
— ou, à anagramática boca —
uma ríspida indústria,
— a gutural:

vibrante (uvulares
e múltiplas ápico-
-alveolares, — ambas
sonoras) e
constritivamente (aspiradas
glotais, — sonoras
ou surdas), urram;

urram pra que se dê sim
— e, o quanto antes —
o “dar as caras” de
alguns cegos nódulos
nas pregas vocais — os
assim chamados,
“nódulos de cantor”;

e urram
para além dos paroxismos
da rouquidão — lá
onde o cavernoso (da voz)
já é quase afonia;
quase mutismo.
Dingos e (Mendigos) Aborígenes.
Canis Lupus Dingo e (sim?) Homo Sapiens.
Cão e Homem selvagens australianos.
Ambos desafetos do “Aussie”, — o Homem
                             [civilizado australiano.
Mas os primeiros, — privilegiados —, também
   [são, ’inda que por Razões subsistenciais,
[desafetos de “quase” todos (Marsupialia) Marsupiais.


PATRULHA IDEOLÓGICA (DE DIREITA)


 O sr. juiz continua escrevendo cartinhas e telefonando quase todo dia para os secretários da cultura do município e do estado, pedindo a minha cabeça e a do Frederico Barbosa -- inclusive usando minhas publicações no Facebook para me condenar por minhas ideias. O camarada é mesmo paranóico. Minha única dúvida é: por que ele ainda não foi encaminhado para tratamento clínico por médicos especializados?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

QUAL FOI O CRITÉRIO?



O juiz Régis Bonvicino publicou suas "obras completas" pela Imprensa Oficial do Estado. Comente a sua opinião sobre este fato na ouvidoria da Imprensa Oficial, no site http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/Home_1_0.aspx#27/06/2012 

terça-feira, 26 de junho de 2012

BARROCO, NEOBARROCO, TRANSBARROCO


Caros, nos dias 11, 12 e 13 de julho, apresentarei o curso "Barroco, Neobarroco, Transbarroco" no Instituto de Ciências Humanas e Sociais, campus Mariana (MG), rua do Seminário, s/n. Centro, Mariana, tel: (31) 3557-9406. O curso, que faz parte da programação do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, abordará questões teórico-conceituais formuladas por autores como Haroldo de Campos, Severo Sarduy e Lezama Lima, além de discutir obras literárias de autores brasileiros e latino-americanos da segunda metade do século XX. Entre os temas abordados estão a quebra de fronteiras entre os gêneros literários, a mescla de repertórios culturais de diferentes épocas e países, a miscigenação linguística e cultural e a abolição das fronteiras entre a norma culta e a popular, numa síntese estética e imaginativa que transcende o barroco histórico do século XVII e o próprio neobarroco, como marca distintiva de um período recente, apontando para um outro campo de possibilidades criativas, radicado no prazer da linguagem: o transbarroco. Mais informações no site http://www.festivaldeinverno.ufop.br/ Confiram abaixo a bibliografia do curso:


CAMPOS, Haroldo de. Uma arquitextura do barroco. In A Operação do Texto. São Paulo: ed. Perspectiva, 1976.

 CAMPOS, Haroldo de. A obra de arte aberta. In Teoria da Poesia Concreta. São Paulo: ed. Duas Cidades, 1975.

 BATISTA, Leon Félix. Prosa do que está na esfera. São Paulo: ed. Olavobrás, 2003.

 BRACHO, Coral. Rastros de luz. São Paulo: ed. Olavobrás / Mirabilia, 2004.

 CHIAMPI, Irlemar. Barroco e modernidade. São Paulo: ed. Perspectiva, 1998.

 DANIEL, Claudio. Jardim de Camaleões. São Paulo: ed. Iluminuras, 2004.

 HATHERLY, Ana. A experiência do prodígio. Lisboa. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1983.

 HATHERLY, Ana. A casa das musas. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.

 HATHERLY, Ana. O ladrão cristalino. Lisboa: Editorial Cosmos, 1997.

 JIMÉNEZ, Reynaldo. Shakti. Bauru: Lumme Editor, 2006

 KOZER, José. Íbis amarelo sobre fundo negro. Curitiba: Travessa dos editores, 2006.

 LIMA, Lezama. A expressão americana. São Paulo: ed. Brasiliense, 1988.

 LIMA, Lezama. Fugados. São Paulo: ed. Iluminuras, 1993.

 MILÁN, Eduardo. Estação da fábula. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2002.

 PERLONGHER, Néstor. Caribe transplatino. São Paulo: ed. Iluminuras, 1991.

 PERLONGHER, Néstor. Lamê. Campinas: Editora da Unicamp, 1994.

 PERLONGHER, Néstor. Evita vive. São Paulo: ed. Iluminuras, 2001.

 SARDUY, Severo. Escrito sobre um corpo. São Paulo: ed. Perspectiva, 1979.

 SARDUY, Severo. Cobra. Rio de Janeiro: José Álvaro Editor, 1975.

 SOSA, Victor. Sunyata e Outros Poemas. Bauru: Lumme Editor, 2006.


 NA INTERNET:

 CAMPOS, Haroldo de. Barroco, Neobarroco, Transbarroco. In: Zunái, Revista de Poesia e Debates:

 DANIEL, Claudio. Arte de enlouquecer cristais. In: Zunái, Revista de Poesia e Debates:

 DANIEL, Claudio. A voz do encantatório. In: Zunái, Revista de Poesia e Debates:

 DICK, André. Jardim Transbarroco. In: Zunái, Revista de Poesia e Debates: http://www.revistazunai.com.br/ensaios/andre_dick_jardim_transbarroco.htm

 ECHAVARREN, Roberto. Sobre Neobarroco. In: Zunái, Revista de Poesia e Debates: http://www.revistazunai.com.br/materias_especiais/festival_tordesilhas/sobre_o_neobarroco_echavarren.htm
 
 KOZER, José. O neobarroco: um convergente na poesia latino-americana. In: Zunái, Revista de Poesia e Debates:

 MILÁN, Eduardo. Neobarrosos. In: Zunái, Revista de Poesia e Debates: http://www.revistazunai.com.br/ensaios/eduardo_milan_neobarrosos.htm

UM POEMA DE DANÍIL IVANOVITCH KHARMS



ANOTAÇÃO Nº 10 NO CADERNO AZUL

Havia um cara ruivo que não tinha nem olhos, nem orelhas. 
Nem tinha cabelos, portanto, chamá-lo de ruivo é uma coisa teórica.
Não podia falar, pois não tinha boca. E nem tinha nariz.
Não tinha braços nem pernas. Não tinha barriga, e muito menos costas;
não tinha espinha e nem qualquer tipo de entranhas.
Não tinha nada de nada!
Portanto, não há nem como saber de quem nós estamos falando.
Na verdade, é melhor que a gente nem diga mais nada sobre ele.

Tradução: Lauro Machado Coelho


segunda-feira, 25 de junho de 2012

UM POEMA DE LUIZ ARISTON

A vida é uma mulher negra
Que sorri seus dentes brancos
De leite
Sobre as nossas cabeças
Como espadas cadentes que são
E são papões e são tutus
Monstros dos olhos e orifícios
Com muco nas mucosas
Pelos sombra e vida crua
Nos invadem vem de dentro
Eviscerando eviscerando
Até restar somente a pele
E o cheiro ocre muda em grito
E muda em grito interminável
E muda em choro
E muda em sonho
E muda em nada muda
Para quem corremos
E que nos socorre
Desta nossa vida a mulher negra


A vida é uma mulher negra
Que sorri seus dentes brancos
Em nossos espelhos
Cara a cara
Enquanto nos havemos outros mais felizes
Em quanto ela sorri
De quem dançamos quem sorrimos
Vai navalha nesta valsa
De olhos cegos sem coleira
Ela sorri ela sorri
A nos deixar felicidades
Nos lugares nas angústias
Da ilusão da verdade da ilusão
Da verdade da ilusão da verdade
Que de tão simples
Tão simplesmente simples
De tão óbvia
E de tão bêbados gozamos
Afogados entre os seios
Desta nossa vida a mulher negra


A vida é uma mulher negra
Que sorri seus dentes brancos
Em nossa cola
Nos nossos cangotes
E já não podemos olhar pra trás
Sem virar sal
E nos viramos e vemos
Na medusa a nós atrelada
A estrela de brilho intenso
Que não fomos
Porque não pudemos ver
Porque não podemos ver
A estrela de brilho intenso
Senão na medusa a nós atrelada
Que insistimos em ver e virar
A virar sal
Sem desejar mais nada
Além de deleitosamente
Dissolver-se entre os dentes brancos
Desta nossa vida a mulher negra

domingo, 24 de junho de 2012

PROGRAMAÇÃO DA CURADORIA DE LITERATURA DO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO PARA O MÊS DE JULHO



Poesia dos 4 Cantos (Noite Cubana): dia 06 (sexta-feira), às 20h30. Praça Mário Chamie (Bibliotecas)

Poesia dos Quatro Cantos é uma atividade mensal dedicada à divulgação da poesia internacional, num formato que inclui a leitura de poemas com danças e músicas típicas de cada país, nos intervalos das leituras. Em julho acontecerá a Noite Cubana com a poeta Lélia Maria Romero, os músicos Sidnei Ishara (Sidão) e Jayme Lessa e a cantora Miriam Miràh.


Poemas à Flor da Pele: dia 20 (sexta-feira), das 20h às 22h. Praça Mário Chamie (Bibliotecas)

Sarau poético realizado pelo grupo Poemas à Flor da Pele, com a participação de músicos e atores. Haverá também o lançamento de livros de poesia de novos autores.


Menu de Poesia: dia 27 (sexta-feira), das 20h às 22h. Praça Mário Chamie (Bibliotecas)

Sarau poético dedicado à obra do poeta português Fernando Pessoa, com organização de Maria Alice Vasconcelos e a participação dos poetas Carlos Felipe Moises, Carlo Lotto, Carlos Augusto Sousa de Oliveira, Carlos Bueno, Célia Ábila, Doroty Dimolitsas, Isabel Sousa, Ivan Carlos Regina, Paulo Ortiz e Luiz Ariston.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Saem, enfim, os editais das bolsas BN/Funarte de criação e circulação literária


Por Raquel Cozer 

Saíram hoje no “Diário Oficial da União” os editais referentes às Bolsas de Criação e Circulação Literária, que no ano passado, no centro de uma interminável discussão entre Biblioteca Nacional e Funarte, não foram publicados –e que agora agregam as siglas das duas instituições no nome. O prazo para inscrições é de 45 dias a partir de hoje (até 3/8).

Para as Bolsas BN/Funarte de Criação Literária foram destinados R$ 450 mil. São 30 bolsas, no valor de R$ 15 mil cada uma, a princípio cinco para o Norte, sete para o Nordeste, cinco para o Sul, oito para o Sudeste e cinco para o Centro-Oeste. Podem concorrer brasileiros maiores de 18 anos natos ou naturalizados e estrangeiros no país há mais de três anos.

As bolsas são para iniciantes, considerados aí escritores com até dois títulos de autoria principal publicados com ISBN (ou seja, nome em antologia não elimina ninguém), interessados na produção inédita de poesia, romance, contos, crônicas e novelas. Os critérios são criatividade, contribuição artística e o mais comum para escritores (mentira): organização. A partir da divulgação do resultado, no segundo semestre, os selecionados terão um ano para entregar o livro, com possibilidade de prorrogação por mais um ano.
Já as Bolsas BN/Funarte de Circulação Literária, a serem usadas para a criação de oficinas, cursos, palestras e afins, ficaram com R$ 800 mil. São 20 bolsas, quatro por região, cada uma no valor de R$ 40 mil. As inscrições também ficam abertas pelos próximos 45 dias. Os critérios para habilitação são relevância cultural, impacto social e originalidade.

Comentário de Ademir Assunção:

"A notícia parece boa, mas é péssima. Vou explicar: em 2010, a Bolsa Funarte de Criação Literária, que existia desde 2007, saltou de 10 para 60 bolsas para todo o país. Além disso, foi criada a Bolsa Funarte de Circulação Literária. Ambas, com um orçamento total de R$ 4 milhões para todo o país. Foi o maior passo dado em todos os tempos em termos de políticas públicas para a criação e circulação literária no Brasil. Finalmente, o poder público parecia entender que arte não pode e não deve se limitar a uma simples relação de mercado.

No ano seguinte, com a entrada na nova equipe ministerial, tudo começou a retroceder. Em 2011 não houve editais das bolsas (interrompidos após 4 anos). Os representantes dos escritores no Colegiado Setorial do Livro, Leitura e Literatura cobraram uma reunião com o presidente da Funarte, Antonio Grassi, para discutir a volta dos editais. A reunião aconteceu em setembro, no Rio de Janeiro. Saímos da reunião com a palavra de Grassi de que lançaria um super-edital em 2012 para compensar a lacuna de 2011.

Neste meio tempo, o presidente da Biblioteca Nacional, Galeno Amorim, entrou na jogada, conseguiu trazer as bolsas para o seu domínio e que o fez? Cortou para menos da metade. Eram 60 bolsas de criação literária, caíram para 30. O valor era de R$ 30 mil, caiu para R$ 15 mil. As bolsas de circulação literária, que favoreciam projetos principalmente nos Pontos de Cultura, também foram cortadas pela metade.

Repare no penúltimo parágrafo do texto de Raquel Cozer: "O valor total, de cerca de R$ 1,5 milhão incluindo despesas administrativas, é bem menor que o de 2010, quando R$ 4 milhões foram destinados aos editais. Só as bolsas de criação, por exemplo, que eram 60, com R$ 30 mil para cada uma, caíram pela metade."

Não adiantou argumentarmos que um extenso relatório, encomendado pelo próprio Ministério da Cultura, feito por uma pesquisadora independente, apontasse as Bolsas Funartes como um dos programas públicos federais mais bem sucedidos na área de fomento à criação e circulação literária.

Também de nada adiantou argumentarmos que países desenvolvidos têm vários programas públicos de fomento à criação artística. Inclusive Cuba, bem mais pobre que o Brasil. Qualquer artista razoavelmente informado sabe disso.

Mais um lamentável retrocesso deste lamentável Ministério da Cultura. Mais uma vitória do Sr. Galeno Amorim contra a inteligência criativa e a favor do simples comércio de livros."

DANIEL FARIA NA COLEÇÃO CAIXA PRETA


O Livro de Orações, de Daniel Faria, acaba de ser publicado pela coleção Caixa Preta, que organizo para a Lumme Editor. O Daniel é um dos nomes fortes da nova geração e seu livro pode ser encomendado na Livraria Cultura ou por e-mail, junto à própria editora. O endereço eletrônico da Lumme Editor, capitaneada pelo bravo Francisco dos Santos, é vendas@lummeeditor.com

A coleção Caixa Preta já públicou, entre outros autores, Wilson Bueno, Horácio Costa, Adriana Zapparoli, Lígia Dabul, Andréia Carvalho Gavita, Thiago Ponce de Moraes, Fernando Karl, Virna Teixeira, Elson Fróes, Andréa Catrópa, Micheliny Verunschk, Jorge Lúcio de Campos e Ana Maria Ramiro.

POEMAS DE DANIEL FARIA



É um cristal ou melhor: cristalização. Quase. Uma estrela
Do mar, na ponta de cada tentáculo
Dentes, de lobo: animal faminto
Devorando as bordas
Do mundo.

 Oito-Olhos no centro: aranha cravada no eixo
Do nada
Patas caçando
Um porto seguro
No vazio, raízes em expansão:

Pensar num besouro caído com o dorso
No chão quente: movimentos descoordenados no ar:
Membros de uma pessoa jogada do terraço de um arranha
Céu.

Tudo isso.

Um corpo que sente a vida ser criada
Apaixonadamente, como dor, feridas
Que se cristalizam, mineralizando-se:
           
Assim o desejo se cristaliza em poema.
Assim o lodo se cristaliza em história.
Assim o caos se cristaliza em cosmo.
           

* * *

Toda manhã o sol emerge
Vomitando sinais
Cuspindo matilhas
De rancor, tantas palavras
Engrenagens

Rodas dentadas
Portando armas,
Marcas. Multidões.

Desenhar, com finos traços
Como a safira sobre os sulcos
De um disco
O azul inútil de asas
Transparentes, contra o céu.

Elucidar, na mente de tudo
O giroscópio (vazio) de anjos
Os abismos ínfimos
Onde sobrenadamos:

Que o ódio atravesse tua alma
Como as partículas sem peso
Que o universo vomita ao explodir
O sol.
                       

UM POEMA DE VLADIMIR MAIAKOVSKI


A Extraordinária Aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão na Datcha

A tarde ardia em cem sóis
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava,
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!

E grito ao sol:
Parasita!
Você aí, a flanar pelos ares,
e eu aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!

E grito ao sol:
Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostra medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com a voz de baixo:
Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!

Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro
o samovar:
Pois bem,
sente-se, astro!

Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta²,
etc.
E o sol:
Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!¿
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.

O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
Gente é pra brilhar
que tudo o mais vá prá o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

Tradução: Augusto de Campos

quinta-feira, 14 de junho de 2012

VAMOS APOIAR ESTE PROJETO!


Jamil Murad, vereador pelo Partido Comunista do Brasil (SP), elaborou um importante projeto de lei que define políticas públicas de incentivo à literatura. O projeto será votado na Câmara Municipal, após ser analisado em várias comissões. Confiram mais informações a respeito na página http://www.jamilmurad.com.br/site/component/content/article/1-noticias/621-projeto-incentivo-leitura.html

UM POEMA DE MARCELI ANDRESA BECKER

 
 DO MEU CADERNO DE EXPERIMENTAÇÕES, LXXXVII
 
 
1.
luz,


o que se esvai:
ver- 


melha, desce,
molha,


(lava-pés).
ei-lo: este frágil, finíssimo
espelho — 


a noite ateia fogo

nos seus próprios


tornozelos:


sobe, pelo meio de si,
furiosa, 


pela terrível escultura

da sua vulva. 



sim — posso ouvi-la;
posso 


premeditar o avc

das rosas


e a delicada arritmia dos
pássaros,


prestes 


a derramar o

voo,


(céu, seiva — sim,

santa sangre).
2.

o braço: 
-ar-

busto. 


a mulher levanta-o e atira

neste espelho


o inviolável fruto da sua

anorexia. 


(no cardume de vulvas que se abrem e se fecham

como piranhas


por dentro do espelho.) 


come-

se,


o caroço — o osso: 


vê-lo cair,
(nenhuma imagem e
semelhança). 


só um anel emerge,


o estremecimento inaugural

das bocas,


(centrífugas), 


despet-
aladas.
voos,


sim — posso ouvi-los:

porque há noites


em que a mulher desata a dizer

"pássaros"


para além do seu diâmetro. 

o corpo especular,
miraculoso,
(quebra-se):
depois sangra,
pelo meio de si,


pela abertura das bicadas

nos seus pulsos.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

UM ENSAIO DE FABRÍCIO MARQUES



SINFONIA POLIFÔNICA

Mantenham as crianças na sala. Tragam os velhos sem esperança, os homeless tentando dormir debaixo de nuvens carregadas, vira-latas uivando na janela e poetas com um pé no hospício. Afugentem publicitários, políticos, banqueiros e otários neochics: eles que façam sua suruba capitalista em outro lugar. Aqui, não.

É claro que não se trata de mera divisão esquemática, mocinhos versus bandidos. Mas o poeta é aquele que faz linguagem, que nomeia as coisas e precisa demarcar seu território. O poeta está sempre de porta aberta para alguém na tormenta, no precipício, no meio da tempestade.

O espaço, neste livro, está bem delimitado: a urgência da vida. A indignação no rodopio desse mundo, em que nada faz sentido nessa névoa de bosta e ninguém responde ao chamado. Ainda assim – a descarga reativa de meter o pau nessa joça –, é preciso escrever. Principalmente se se é um poeta que não lida com palavras mortas. Essas palavras, as vivas, são nossas, precisamos tomar posse delas.

Acho que é por isso que, ao ler os poemas deste livro, me lembrei do Drummond de “Os bens e o sangue”: “Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é dos pretos,/ minha carne dos palhaços, minha fome das nuvens,/ e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.[F1] 

Era preciso um poeta como o Ademir Assunção para dar conta dessa falta de sentido, desse mundo que não deu certo. Numa troca de e-mails, o poeta me disse: “Talvez isso que chamamos de poesia seja uma grande sinfonia, polifônica, regida por um maestro desconhecido. Totalmente insano, talvez. Uma polifonia dissonante, às vezes. Convergente, outras vezes”.

Um poeta, talvez, seja esse maestro. Ou, quem sabe, alguém que exerce a arte milenar da ventriloquia, o ato de projetar a voz dando a ilusão de que é um outro quem fala. Para alcançar essa capacidade de falar por várias personas, é fundamental manter o fôlego.

O maestro-ventríloquo Ademir é bem sucedido ao articular os tons das séries de poemas. Muitos chegam sujos de coloquialidade e oralidade daqueles que “ainda não abandonaram o barco e insistem/ em beber sozinhos no canto mais escuro do balcão”. Sou testemunha dessa persona: em novembro de 2010, no Circuito Interações Estéticas, Ademir esteve em Belo Horizonte com sua banda, dizendo seus textos, arrancando-os do fundo da alma. Você terá a sensação de que muitos poemas, como “Armadura em carne mole”, estão pedindo pra virar canção.

Esse tom se alterna com outros mais contundentes, chutando o pau da barraca. Nesses, a narrativa aproxima a violência, em diversas formas, com a violência do mundo financeiro (oscilações da bolsa), destroçando tudo em nome do capital e da propriedade.

E há ainda outros momentos mais líricos, como em “A canção dos peixes” (a imagem inesperada de os peixes cantando blues), “Billie Holiday na porta dos fundos” e “Polaroide”, para destacar alguns. 

Representando uma encruzilhada desses tons todos, o irretocável “O fim e o início”, que fecha o livro.

Ao reger referências das mais diversas faturas, do noticiário ao mundo pop, sem hierarquizá-las, o ventríloquo está em nenhuma parte, está em todo lugar; talvez não volte nunca – ele chegou pra ficar.

(Apresentação de Fabrício Marques ao livro A Voz do Ventríloquo, de Ademir Assunção.)

 [F1]No original, o ponto encerra o verso. Portanto, na literalidade da citação, o ponto deve constar.

UM POEMA DE ADEMIR ASSUNÇÃO


O PÂNTANO

 Há uma serpente enrodilhada nas ramagens
do poema:

cauda verde-turquesa, escamas
mitológicas, cabeça
de névoa.

Há um cemitério de aviões de caça da Segunda Guerra:
fuselagens corroídas
por vermes replicantes, ranhuras
de ferrugem,
pontas preparadas para rasgar a carne
dos incautos.

Há um piloto kamikase e uma mulher seduzida
pelas palavras mágicas do Talmud,

uma rainha louca que trepa
com o próprio filho,

uma princesa lasciva,
cuja diversão é dizimar exércitos mouros

e praticar fellatio
no irmão mais novo.

Há prostitutas chinesas
exímias na arte secreta dos punhais.

Há ciladas, armadilhas, areias movediças
no pântano, entre raízes,
do poema.

Há um monstro de folhagens
e couro cru de crocodilo
pronto para emergir
ao simples toque
da sineta de Pã.

(Do livro A voz do ventríloquo. São Paulo: Edith, 2012)

UM POEMA DE ALBANO MARTINS


I

Para o Museu do Homem

1.

O tempo é uma pedra
amadurecida ao sol
das mãos, uma raiz
de gengibre germinando
no escuro.
Omnipresente,
a noite vela
o sono das sementes
e das larvas.

2.


E o homem, então,
olhou em seu redor
e disse
às árvores: eu sou
a folha maior.
E as aves
do crepúsculo fizeram
ninho na sua boca.



II

Um leopardo
azul me conduz
pelo dorso da noite.



III

Esta é a margem
do azul. Nenhum
outro limite
reconheço ao sangue

quinta-feira, 7 de junho de 2012

UM POEMA DE EDUARDO MOGA


ONDE DORMEM OS TROVÕES?

[…]

Onde dormem os trovões? Onde estão
as chamas que bebemos? Onde foram
as crianças despojadas das suas têmporas,
as ânforas sem vísceras, as serpentes
de olhos como fuzis, as dulcíssimas
úlceras? Por que não encontra nunca a água
o seu limite? Por que é descontínua
a rocha, por que existe só a rajadas,
a dentadas, quando antes percorria
o vasto labirinto da pulsação?
Nada escapa à fuga: nem os dedos,
que tão longe estão das esferas;
nem a mãe, que esquece o seu baptismo;
nem os lábios, fincados no inerte;
nem o vento, demolido. Quando morri?
Por que se oxidou o mar? Para onde foram
as leis, as sementes, as retinas
construídas com mãos e sondas?
A razão não perdura. Os irmãos
não nascem. Dissolve-se a unidade
do amor, reúnem-se os seus vazios,
desmoronam-se, intactos, os seus jardins.

[…]

eduardo moga
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000

UM POEMA DE MARINA TSVETAIEVA



ENSAIO DE CIÚME

Como vai indo com a outra?
Tão fácil, não? – basta um impulso
no remo – com a orla, a minha
imagem se borra, se afasta,

vira ilha flutuante (no céu,
- na água, não!).
                           Alma e alma,
irmãs, sim – mas, amantes, não!
Uma é destino; outra – sem fim!

Que tal viver com tal pessoa
comum – vida sem divindades?
Jogou do trono-olimpo a deusa-
rainha, abdicou – e a coroa

de sua vida, como fica?
Ao despertar, como pagar
o preço de imortal banal-
idade – como? Menos rica?

“Chega de susto e suspeita!
Quero um lar!”. Mas... e  a vida
só – com uma mulher qualquer –
Você – eleito de uma eleita?

Ah... e a comida? Apetitosa?
Você se queixa quando enjoa?
depois do topo do Sinai,
ir conviver com uma à-toa

da parte baixa da cidade,
uma coitada? Gostou da anca?
O açoite-vergonha de Zeus
ainda não vincou-lhe a estampa?

Entre viver e ser, dá para
contar? E como encara
o caro amigo a cicatriz
da consciência-meretriz?

Viver com boneca de gesso
– de feira!? Você me acha cara?
depois de um busto de Carrara,
um susto de papier-mâché?

(O deus que eu escavei de um bloco
só me deixou os ocos). Enleva
viver com uma igual a mil,
quem já teve a Lilit primeva?

Não lhe matou a fome a boa
bisca, que atendeu aos pedidos?
Como viver com a simplória
que só possui cinco sentidos?

Enfim, por fim...: você é feliz,
no sem-fundo dessa mulher?
Pior, melhor, igual a mim,
nos braços de um outro qualquer?


Tradução: Décio Pignatari

sexta-feira, 1 de junho de 2012

POETAS DE CABECEIRA: JOÃO CABRAL DE MELO NETO


No dia 12 de junho, terça-feira, às 19h, Frederico Barbosa fará uma palestra sobre o poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto, comentando a biografia do autor, sua época, características estéticas e, sobretudo, sua experiência pessoal como leitor da poesia de Cabral, um dos autores mais importantes da literatura brasileira do século 20. Entrada franca - sem necessidade de inscrição, nem retirada de ingressos. Sala de Debates do Centro Cultural São Paulo, rua Vergueiro, n. 1.000.

UM POEMA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


NOSSO TEMPO

Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.

Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

II

Este é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.

Mudou-se a rua da infância.
E o vestido vermelho
Vermelho
 cobre a nudez do amor,
ao relento, no vale.

Símbolos obscuros se multiplicam.
Guerra, verdade, flores?
Dos laboratórios platônicos mobilizados
vem um sopro que cresta as faces
e dissipa, na praia, as palavras.

A escuridão estende-se mas não elimina
o sucedâneo da estrela nas mãos.
Certas partes de nós como brilham! São unhas,
anéis, pérolas, cigarros, lanternas,
são partes mais íntimas,
a pulsação, o ofego,
e o ar da noite é o estritamente necessário
para continuar, e continuamos.

III

E continuamos. É tempo de muletas.
Tempo de mortos faladores
e velhas paralíticas, nostálgicas de bailado,
mas ainda é tempo de viver e contar.
Certas histórias não se perderam.
Conheço bem esta casa,
pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se,
a sala grande conduz a quartos terríveis,
como o do enterro que não foi feito, do corpo esquecido na mesa,
conduz à copa de frutas ácidas,
ao claro jardim central, à água
que goteja e segreda
o incesto, a bênção, a partida,
conduz às celas fechadas, que contêm:
papéis?
crimes?
moedas?

o conta, velha preta, ó jornalista, poeta, pequeno historiador urbano,
ó surdo-mudo, depositário de meus desfalecimentos, abre-te e conta,
moça presa na memória, velho aleijado, baratas dos arquivos, portas rangentes, solidão e asco,

pessoas e coisas enigmáticas, contai,
capa de poeira dos pianos desmantelados, contai;
velhos selos do imperador, aparelhos de porcelana partidos, contai;
ossos na rua, fragmentos de jornal, colchetes no chão da costureira, luto no braço, pombas, cães errântes, animais caçados, contai.
Tudo tão difícil depois que vos calastes...
E muitos de vós nunca se abriram.

IV

É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso
na esquina. Tempo de cinco sentidos
num só. O espião janta conosco.

É tempo de cortinas pardas,
de céu neutro, política
na maçã, no santo, no gozo,
amor e desamor, cólera
branda, gim com água tônica,
olhos pintados,
dentes de vidro,
grotesca língua torcida.
A isso chamamos: balanço.

No beco,
apenas um muro,
sobre ele a polícia.
No céu da propaganda
aves anunciam
a glória.
No quarto,
irrisão e três colarinhos sujos.

V

Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da tome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.
Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.

O esplêndido negócio insinua-se no tráfego.
Multidões que o cruzam não vêem. É sem cor e sem cheiro.
Está dissimulado no bonde, por trás da brisa do sul,
vem na areia, no telefone, na batalha de aviões,
toma conta de tua alma e dela extrai uma porcentagem.

Escuta a hora espandongada da volta.
Homem depois de homem, mulher, criança, homem,
roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa,
homem, homem, mulher, homem, mulher, roupa, homem
imaginam esperar qualquer coisa,
e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se,
últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa,
já noite, entre muros apagados, numa suposta cidade, imaginam.

Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino, passeio na praia,
o corpo ao lado do corpo, afinal distendido,
com as calças despido o incômodo pensamento de escravo,
escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir,
errar em objetos remotos e, sob eles soterrado sem dor,
confiar-se ao que-bem-me-importa
do sono.

Escuta o horrível emprego do dia
em todos os países de fala humana,
a falsificação das palavras pingando nos jornais,
o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,
os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,
a constelação das formigas e usurários,
a má poesia, o mau romance,
os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,
o homem feio, de mortal feiúra,
passeando de bote
num sinistro crepúsculo de sábado.

VI

Nos porões da família,
orquídeas e opções
de compra e desquite.
A gravidez elétrica
já não traz delíquios.
Crianças alérgicas
trocam-se; reformam-se.
Há uma implacável
guerra às baratas.
Contam-se histórias
por correspondência.
A mesa reúne
um copo, uma faca,
e a cama devora
tua solidão.
Salva-se a honra
e a herança do gado.

VII

Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos
para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,
dores de classe, de sangrenta fúria
e plácido rosto. E há. mínimos
bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,
lesões que nenhum governo autoriza,
não obstante doem,
melancolias insubornáveis,
ira, reprovação, desgosto
desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.
Há o pranto no teatro,
no palco? no público? nas poltronas?
há sobretudo o pranto no teatro,
já tarde, já confuso,
ele embacia as luzes, se engolfa no linóleo,
vai minar nos armazéns, nos becos coloniais onde passeiam ratos noturnos,
vai molhar, na roça madura, o milho ondulante,
e secar ao sol, em poça amarga.

E dentro do pranto minha face trocista,
meu olho que ri e despreza,
minha repugnância total por vosso lirismo deteriorado,
que polui a essência mesma dos diamantes.

VIII

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos  e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.