Eno sagrado, en Vigo, bailava corpo velido: amor ei, cantou Martim Codax, o jogral, cortesão de Fernando terceiro, rei de Castela. Sim, ele padeceu de coita por uma dona de corpo delgado, por uma dama fremosa, que bailava junto à fonte dos cervos, com suas amigas. Também ele viu a lua em um poço, e perguntou, na hora da alvorada, onde estava a sua amada. Martim Codax, o trovador? Sim, Dom Pelegrin, apenas sete canções nos deixou, descobertas por Pedro Vindel, livreiro em Madri. Jamais saberemos quantas outras escreveu. Mia irmana fremosa, treides comigo a la igreja de Vigo, u é o mar salido: e miraremos las ondas. Alba, água, areia, onde está a minha sereia? Só vejo o céu alvo, algo de algas, mágoa de mágoas. Vera, Vênus de Vigo, molher marinha, eu a sonhei saindo das águas, nudez até o umbigo, nascendo da espuma-esperma do mar de vidro. E caminhei ao longo da praia, nesta manhã, praia de pedras e areia, de escuro mar piscoso sem gaivotas, e só vi a alta grama, areia, musgo, lama, areia. Sem ela, tudo é treva, pó, tudo triste treva, noite em noite dissolvida. Amigos, non poss’eu negar a gran coita que d’amor hei, ca me vejo sandeu andar, e com sandece o direi: os olhos verdes que eu vi me fazen andar assi. Fui à igreja de São Marcos, meu amigo, no escarpado vicariato, fazer uma oração à Virgem Santa Maria. O sol carmim crestava a pele e a longa ladeira ensejava ladainhas de romeiros de passagem para Compostela. A igreja é velha, grave, austera, lascas e vincos em pedra e madeira; suas lajes e vigas, capitéis e colunas, seus altos arcos alvos, já desgastados, como a fé dos mundanos, digo ao senhor, meu bom amigo. Ao fundo, na nave escura, em delicado nicho, sob o alvadio baldaquim, vi a imagem da Virgem Santa, Dona Mística, em seu manto azul: os olhos tristes de coração trespassado, o rosário que quase escorrega das mãos, a coroa de estrelas. Cantei ora pro nobis, ora pro nobis, e passei o dia todo a rezar em ladainha, a rezar em ladainha, a rezar em ladainha, à Celeste Regina, pela paz de minha alma, pelo sossego de meu coraçon. Com’ ome que ensandeceu, senhor, con gran pesar que viu, e non foi ledo nen dormiu depois, mia senhor, e morreu: ay mia senhor, assi moir’eu! A noite é negra como o ébano, a graúna, é negra como o ônix, a perla escura, é negra como a pele de minha amiga, a malvada mourisca, a ladina saladina, sarracena, mas amo-a endõado. E caminhei de volta para a cidade, Dom Pelegrin. E que farei eu, pois non vir’ o vosso mui bon parecer? Non poderei eu mais viver, se me deus contra vos non val. Mais ar dizede-me vos al: senhor fremosa, que farei?
quinta-feira, 15 de março de 2012
DONA VIRGO (II)
Eno sagrado, en Vigo, bailava corpo velido: amor ei, cantou Martim Codax, o jogral, cortesão de Fernando terceiro, rei de Castela. Sim, ele padeceu de coita por uma dona de corpo delgado, por uma dama fremosa, que bailava junto à fonte dos cervos, com suas amigas. Também ele viu a lua em um poço, e perguntou, na hora da alvorada, onde estava a sua amada. Martim Codax, o trovador? Sim, Dom Pelegrin, apenas sete canções nos deixou, descobertas por Pedro Vindel, livreiro em Madri. Jamais saberemos quantas outras escreveu. Mia irmana fremosa, treides comigo a la igreja de Vigo, u é o mar salido: e miraremos las ondas. Alba, água, areia, onde está a minha sereia? Só vejo o céu alvo, algo de algas, mágoa de mágoas. Vera, Vênus de Vigo, molher marinha, eu a sonhei saindo das águas, nudez até o umbigo, nascendo da espuma-esperma do mar de vidro. E caminhei ao longo da praia, nesta manhã, praia de pedras e areia, de escuro mar piscoso sem gaivotas, e só vi a alta grama, areia, musgo, lama, areia. Sem ela, tudo é treva, pó, tudo triste treva, noite em noite dissolvida. Amigos, non poss’eu negar a gran coita que d’amor hei, ca me vejo sandeu andar, e com sandece o direi: os olhos verdes que eu vi me fazen andar assi. Fui à igreja de São Marcos, meu amigo, no escarpado vicariato, fazer uma oração à Virgem Santa Maria. O sol carmim crestava a pele e a longa ladeira ensejava ladainhas de romeiros de passagem para Compostela. A igreja é velha, grave, austera, lascas e vincos em pedra e madeira; suas lajes e vigas, capitéis e colunas, seus altos arcos alvos, já desgastados, como a fé dos mundanos, digo ao senhor, meu bom amigo. Ao fundo, na nave escura, em delicado nicho, sob o alvadio baldaquim, vi a imagem da Virgem Santa, Dona Mística, em seu manto azul: os olhos tristes de coração trespassado, o rosário que quase escorrega das mãos, a coroa de estrelas. Cantei ora pro nobis, ora pro nobis, e passei o dia todo a rezar em ladainha, a rezar em ladainha, a rezar em ladainha, à Celeste Regina, pela paz de minha alma, pelo sossego de meu coraçon. Com’ ome que ensandeceu, senhor, con gran pesar que viu, e non foi ledo nen dormiu depois, mia senhor, e morreu: ay mia senhor, assi moir’eu! A noite é negra como o ébano, a graúna, é negra como o ônix, a perla escura, é negra como a pele de minha amiga, a malvada mourisca, a ladina saladina, sarracena, mas amo-a endõado. E caminhei de volta para a cidade, Dom Pelegrin. E que farei eu, pois non vir’ o vosso mui bon parecer? Non poderei eu mais viver, se me deus contra vos non val. Mais ar dizede-me vos al: senhor fremosa, que farei?
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