terça-feira, 31 de janeiro de 2012

NOVOS POETAS BRASILEIROS (XII)

se for aquilo que se foi que volta

ao paraíso o pecador que torna

em torno desse próprio posto à prova

sentir o sabor de outra boca à boca

é outro o velho gosto que se arrota

sentir o sabor de outra boca à boca

em torno desse próprio posto à prova

ao paraíso o pecador que torna

se for aquilo que se foi que volta


Luiz Ariston é poeta e reside em São Paulo. Publicou poemas na revista Zunái.

NOVOS POETAS BRASILEIROS (XI)

Lavoura ofendida
por aço devasso,
MASTIGADA.
Crassos bagos esbatidos,
em círculo guloso
por seus mil ciganos
(menos um avesso),
dentes imprudentes.
Cuspida exuvia,
feito maresia
vai carpida ao rés do chão.
Imponente seu (jaz) conduzente,
faz volta enquanto gira.
Sangria!
Horror da senda RESSENTIDA.

Celso Vegro é poeta e pesquisador científico do Instituto de Economia Agrícola - IEA/SP.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

NOVOS POETAS BRASILEIROS (X)

CONTRACORRENTE

a pele da água
sobre a pedra polida do tempo
tem seu próprio ritmo
modela a forma
encobre as rugas
apesar de transparente

mas não impede

que as vísceras da pedra endureçam
a ampulheta no tempo medido em eras
marcadas na vitrine do tempo
tempo que o homem implode
com sua própria história
no tempo marcado por minutos

Maria Alice Vasconcelos é poeta. Publicou em antologias e nos sites literários Cronópios, Germina e Zunái.

NOVOS POETAS BRASILEIROS (IX)

A PERA

Enquanto os carros passam
ela oferece
ao mundo
deformação
no rosto
inclinação
da cabeça
mapas
e objetos infláveis.

Hoje
como escultura na calçada,
hora de folga,
mastiga solene
uma pera.
O queixo profundo
de um lado pro outro
nem dor
nem sorriso.

Cristina Mira é escritora e jornalista. Autora dos livros, JARI – Uma aproximação sensível e CORDISBURGO, duas incursões no universo dos cadernos de viagem.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

NOVOS POETAS BRASILEIROS (VIII)

AMIANTO

vulva com dentes
de amianto
a mastigar o câncer de cada dia
fornalha de vitrificar entranhas
azulejos vermelhos
de sangue e água
ao calor que ali espera
guardar ternos
em conforto
de aquários precipitados


Edson Bueno de Camargo, poeta paulista, nascido em 1962. Publicou, entre outros títulos, o livro Cabalísticos (2011). Escreve no blog http://umalagartadefogo.blogspot.com

NOVOS POETAS BRASILEIROS (VII)


OS GRANDES POETAS


Os grandes poetas
serão arrancados
de seus nomes,
como leões e leoas
ficarão vagando
no deserto,
onde o vento
cantará a luz
única do dia e da noite,
uma partitura semi-apagada
escrita na pele das coisas,
a canção da vida
nas horas
eternas
dentro dos dias efêmeros.
Serão como
galhos entrelaçados
de árvores
arrancadas pelo vento.

Marcelo Ariel é poeta e performer, autor dos livros Tratado dos Anjos Afogados (2008), O Céu no Fundo do Mar (2009), Conversas com Emily Dickinson e Outros Poemas (2010), A Segunda Morte de Herberto Helder (2011), entre outros títulos.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

NOVOS POETAS BRASILEIROS (VI)

Anônima PEDRA
Fragmentada em metal branco
Perpetua caminhos
De agarras fincadas

Māos fluidas rasgam-se...
No dorso jazzístico de tuas vértebras


Marcela Cividanes Gallic nasceu em Sāo Paulo e reside na Califórnia. Graduou-se em Direito e é mestre em Direito Comparado pela CWSL. É poeta e praticante de escalada esportiva.

NOVOS POETAS BRASILEIROS (V)

ENCARNADA PIETÀ

sou o corcunda de teus megatons

meu vulto atrofiado pela acústica de 11
estopins

curva é minha coluna
nos braços armados da matéria escura

ah vigília dos ciclopes
ah coragem dos abissais
ah dimensões

se elevasse sobre 11
minha artilharia
(endiabrada sístole)
seria um mártir
simetricamente orquestrado
na guernica
de tuas têmporas acuadas?


Andréia Carvalho é poeta curitibana. Seu primeiro livro A cortesã do infinito ransparente, foi publicado em 2011 pela Lumme Editor.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

NOVOS POETAS BRASILEIROS (IV)

POEMA I

Duas esfinges devorando-se
entre as paredes do silêncio.
palavras
coagulam
junto ao enigma.

Jonatas Onofre, poeta e músico pernambucano, nascido em 1991, é estudante de Letras na UFPE.

NOVOS POETAS BRASILEIROS (III)


AINDA


No silêncio: compasso de solidão.
Depois que a música (me) acaba,
Fazer o sem-lugar onde desvio
Linguagem e desejo.
Fremir de ondas
Entre mim e canção,
Escrever as pausas de outra:
Mais sutil, de sombra.
O que eu não toco: pertença minha
(toda escuta, posse).
Onde não sou e não tenho;
Até que ouço, simplesmente.
Presa por vontade
De escutar o que é livre:
O inalcançável movimento
Do mar -
O chamado:
Palavras instigando ondas.
Ouvir o tempo insondável
No mesmo silêncio de corredores e sótãos.
Menina, lia. Escutava Quintana
Onde todas as canções comandam a nau
Apinhada de meninos mortos.
Terrível-suave.
E virgem. O silêncio virgem.
Ocupá-lo com desejo e memória,
Violentá-lo. Se tento calar,
Bebo o tempo: nau frágil.
Um ponto afogado e luminoso da escada,
Perto do peito: o porão do prédio.
Sou eu, um barco ainda ouvindo em segredo.
Degredada em sombra.
Um buraco de luz; deixada pela canção
E pelas brechas nos tijolos.
Abri a porta para o vazio.
Veio a rebentação. Nem perto o mar.
Os vizinhos não sabem; suas casas quando acendem;
Luzes me arrebentam faróis no peito.
As cortinas me abrem. Não saí do quarto.
Tudo veio à voz, depois da voz, minha voz sibilante.
O corredor ainda grande.
Meu sem-lugar: linha do tempo.
Tento uma ausência. Tudo lembrando.
Imagens correm, três delas, ardendo.
O novo. Arrebenta o novo. Oscilações de novo.
Até mesmo no fogo. Tudo são águas.
É um estar-se preso, realmente
(como no amor).
Quem ouve o silêncio, sem fim,
Devorando quem canta,
Move o sagrado, morre em mim.
Não só leveza. Todo instante é um corte,
Toda delicadeza funda o sal na voz
E um corte sempre fala ao dentro.
Arde o vigoroso.
A carne não é rente;
Requentada no sangue, vem antes
(na alma do que não fomos).
Nos afogamos.
A palavra, aprende:
Vai fracassar.
Como a música, seu fim.
Um tempo de mortes, no sempre.
Mas não enquanto:
O canto.

Roberta Tostes Daniel: carioca nascida em 1981. Funcionária pública, estudante de Letras tardia, quase jornalista. Escreve no blog Sede em Frente ao Mar (http://sedemfrenteaomar.wordpress.com).

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

NOVOS POETAS BRASILEIROS (II)

É um cristal ou melhor: cristalização. Quase. Uma estrela

Do mar, na ponta de cada tentáculo

Dentes, de lobo: animal faminto

Devorando as bordas

Do mundo.


Oito-Olhos no centro: aranha cravada no eixo

Do nada

Patas caçando

Um porto seguro

No vazio, raízes em expansão:


Pensar num besouro caído com o dorso

No chão quente: movimentos descoordenados no ar:

Membros de uma pessoa jogada do terraço de um arranha

Céu.


Tudo isso.


Um corpo que sente a vida ser criada

Apaixonadamente, como dor, feridas

Que se cristalizam, mineralizando-se:


Assim o desejo se cristaliza em poema.

Assim o lodo se cristaliza em história.

Assim o caos se cristaliza em cosmo.


Daniel Faria é historiador e poeta. Autor do livro O mito modernista, publicado pela EdUFU em 2006. Publicou o livro de poemas Matéria-prima, pelo projeto Dulcinéia Catadora em 2007. Acaba de ser incluído na antologia Pequena cartografia da poesia brasileira contemporânea, organizada por Marcelo Ariel e editado pela Caiçaras. Escreve no blog linguaepistolar.blogspot.com

NOVOS POETAS BRASILEIROS (I)


ONDE O SILÊNCIO


a mulher na água brota braços
onde no peito
raízes líquidas a fazem árvore lacrimae

chora o corpo pedindo sede a cada

músculo
areias

ancestrais escorrendo a garganta dentro
nos seios, a gravidade invertida retorce
amores convexos onde tudo quer rasgar sóis

arco-íris obscuros cantam em sua boca
cantilena espectral,

onde o silêncio é braço soberano
onde o silêncio é dor que se cala

onde o silêncio

Diogo Cardoso nasceu em São Bernardo do Campo (SP). É estudante de Letras na Universidade de São Paulo.

sábado, 21 de janeiro de 2012

O IMPERIALISMO, FASE SUPERIOR DO CAPITALISMO


















“Se tivéssemos de definir o imperialismo da forma mais breve possível, diríamos que ele é a fase monopolista do capitalismo. Esta definição englobaria o essencial, porque, por um lado, o capital financeiro é o resultado da fusão do capital de alguns grandes bancos monopolistas com o capital de grupos monopolistas de industriais; e, por outro lado, porque a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por qualquer potência capitalista, para a política colonial da posse monopolizada de territórios de um globo inteiramente partilhado.”


“Devemos dar uma definição do imperialismo que englobe os seguintes cinco caracteres fundamentais:

1) concentração da produção e do capital atingindo um grau de desenvolvimento tão elevado que origina os monopólios cujo papel é decisivo na vida econômica;

2) fusão do capital bancário e do capital industrial, e criação, com base nesse ‘capital financeiro’, de uma oligarquia financeira;

3) diferentemente da exportação de mercadorias, a exportação de capitais assume uma importância muito particular;

4) formação de uniões internacionais monopolistas de capitalistas que partilham o mundo entre si;

5) termo da partilha territorial do globo entre as maiores potências capitalistas.”


“O imperialismo é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação de capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs termo à partilha de todo o território do globo entre as maiores potências capitalistas.”

(Lênin, no livro O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

UM POEMA DE ANDRÉIA CARVALHO


JUDAH
(S)

ouço teu passo- irmão
manso de sandálias
emplastradas

sondo teus olhos
dois campos pardos
concentrados

e não te escuto o nome
abatido
e não te ouço os cânticos
pelos dentes afiados

branca munição
teu sorriso cúspide
tudo que me cospe
tudo que me cala

não mais te coagulam pontes
no mar vermelho do sangue

teus frutos amordaçados
com a fome de um jardim
suspenso
lamentam a polpa
de tua febre

não te entendo o êxodo
fantástico
na fissura dos mapas

antes da promessa
era terra à vista
teu deserto mágico

antes da mesquita
era o filho do cosmos
era autêntico, o livro branco
de neve

tu te lanças sobre muralhas
inventadas
desenhos bombardeados

e mutilas em seis
o que te deram
em sete

hamurabi coração
dilacerado e cego
oro por ti

escarificado

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

LEI DE MÍDIA JÁ!


















Abril, Folha, Estado, Globo são empresas capitalistas que visam o lucro. Seus proprietários têm interesses empresariais e políticos (não raro, partidários, como o apoio ao PSDB) que norteiam o modo como as informações são noticiadas. A nossa "grande" imprensa não está a serviço da informação, da democracia, da liberdade ou dos direitos humanos, e sim de seus próprios interesses empresariais, enganando e manipulando a opinião pública a seu favor. Por esse motivo, é urgente a criação de uma Lei de Mídia, que defina critérios éticos para a veiculação da informação, a partir de um amplo debate democrático com a sociedade. Abaixo a censura interna nas redações, pela verdadeira liberdade de expressão!













"Corajoso" soldado israelense enfrenta "perigosos terroristas". Triste rotina diária na Palestina Ocupada.

domingo, 15 de janeiro de 2012

UM POEMA DE ANGEL CABEZA

Telegrama do Oriente

E apesar de todos os destroços

de todas as lágrimas turvas de carvão

uma flor se ergue

no jardim das pedras cinzas.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

UM POEMA DE NINA RIZZI


É IMPOSSÍVEL DORMIR COM UM SILÊNCIO DESSES


sou palestinina desde que nasci
e há pedaços em mim por todos os lados.

há cacos de mim chovendo em is
rael: gritavam eles. e era um nome. uma criança.

eu era um mapa recortado pelo ismo.
ismo, doente.

dos fados e brados queremo-nos juntar
os puzzles, os filhos, a chuva de mim, deles.

mais mares que ilhas.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

UM POEMA DE LÍGIA DABUL

PALESTINA

Despenca o medo.
A primeira pessoa
atravessa o que
pretendo.
Não
esqueço a fúria
da visita. De novo
a pior de todas
as viagens.
Terrenos
interditos e
barbárie
aberta,
vã,

acusam
o direito da
resposta.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

GALERIA: CRIANÇAS DA PALESTINA (II)














Os "corajosos" soldados de Israel prendem uma "perigosa terrorista".

UM POEMA DE LALO ARIAS

A PAZ

as melhores pessoas do mundo
estão perdidas
eu gostaria de dizer
que elas não têm para onde ir
mas é mentira
pensei até em convidá-las
para virem aqui
mas eu não tenho aqui
eu gostaria de chamar cada uma delas
pelo nome
dar um prato
um talher
meu coração
meus pés
mas é mentira que eu não tenho aqui
meu lugar é Jerusalém
minha casa é a Palestina
e as melhores pessoas do mundo
estão aqui

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

UM POEMA DE MARCELO ARIEL


SALMO PARA A PALESTINA


Uma rosa de Sal
não afunda;
Ama.
Uma rosa de cristal
não morre:
Brilha.
Uma rosa de luz
não compreende:
Vive.
Você ouvirá
todas as rosas
cantando seu nome
Palestina
No jardim
que antes estava
fechado para ti.
Palestina
A folha secando
na areia
não será mais
a morte,
mas o êxtase
da fusão
com o céu
que tu agora chamas
de chão,
Palestina
Será como uma oração
este calor
desenhando um arco
em volta do teu coração
Uma auréola
de alegria e paz
ao redor
de qualquer rosto
Palestina
Amar qualquer rosto
será mais
do que amar uma Nação,
Erramos quando pensamos
Que o amor estava
Ali, o amor é este lugar
É qualquer rosto vivo e está aqui,
Não é o deslocamento do azul do céu,
Palestina
Não é o sangue derramado
não é o dinheiro, esta onda que avança
por dentro do sangue de inúteis exércitos
até o fundo do oceano, destino de todo o ouro
e depois sobe. volta
até a absurda praia dos ossos.
Palestina
Eis o triunfo do amor
Secando o mar de sangue .
Teus mortos
Verão o Sol frio como a Lua
Incipit parodia
Do mais real do que o sonho.
Palestina
Cesse de cantar a canção do impossível
para a aragem
do campo das beatitudes,
que se apague
da mente dos poetas
este canto,
onde Querubins sem braço
com a cabeça enfaixada
brincam com Azrael,
O Poeta do povo
dirá
ao pisar no teu Solo:
Sentimos o nascimento
Dos braços,
A queda
Das asas
E a das folhas
Da árvore do bem e do mal,
Agora nos consola
Saber
Que a palavra
Mais sublime
Não ilumina o suficiente,
Que uma língua tocando a outra
Não ilumina o suficiente
Somente o olhar dos animais pacíficos
Pastando nos teus campos
Palestina
Como a morte
E o amor
Iluminam
este silêncio
Dos mortos
Para sempre.

Marcelo Ariel é poeta. O poema apresentado aqui faz parte do livro Teatrofantasma: poesia e prosa, a sair pela Letra Selvagem Edições.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

GALERIA: DESENHOS DE CRIANÇAS PALESTINAS (I)














Em setembro do ano passado, o site Free Palestine Movement denunciou o cancelamento de uma exposição de pinturas de crianças palestinas da Faixa de Gaza, programada para ocorrer no Museu de Arte para Crianças em Oakland. A Aliança do Oriente Médio para a Infância, que se associou ao Museu para apresentar a exposição, foi informada da decisão do presidente da junta do museu, que recebeu pressões de organizações pró-Israel na baía de São Francisco para impedir a mostra. A diretora executiva do Aliança, Barbara Lubin, afirmou que a censura aceita pelo museu vai contra sua missão de ‘garantir que as artes sejam parte fundamental da vida de todas as crianças. Quem ganha com isso? O museu não ganha, as pessoas que visitariam o museu não ganham, nossa liberdade perde, as crianças de Gaza perdem’, os únicos ganhadores aqui são os que gastam milhões de dólares para censurar toda critica a Israel e silenciar as vozes das crianças que vivem todos os dias sob o cerco militar e com a ocupação’, declarou Lubin.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS


Caros, saiu a nova edição da ótima revista eletrônica Eutomia. Na seção Conexões, publiquei o ensaio Topografias Nômades de Herberto Helder, e na seção de poesia há um ensaio de Susanna Busato e uma pequena mostra de autores da novíssima geração. Confiram na página http://www.revistaeutomia.com.br/v2/

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

DOIS POEMAS DE A SOMBRA DO LEOPARDO

POROS

Um silêncio verde
— Paul Celan

O
verde,
sua pele
ácida. Tocar
os poros
do verde, florir
metálico. Ouvir
sua voz de asa
e sombra.
Olhos, faisões
de cegueira.
Jóias de irada
divindade.
Abelhas e lagostas
amam-se, odeiam-se,
tulipas caem
na goela
do tempo.
Tuas mãos tateiam
a nervura imprecisa
da cicatriz
e não há mar,
nem pão, nem página.
Alucino-te
ao mirar-me
no silêncio
de uma laranja
quadrada.
Aqui, nada mais viceja.
Lacraias afogam-me
em tua lágrima
e se fecha a porta
esquerda. Toda palavra
me fere com sua cor.
Quando cessa
o canto, calados,
ouvimo-nos
em um corte
azul.

1999


UNHAS

Voz de minério,
torso lunar
branco-crescente.
Música
para cordas
e celesta.
Aqui,
o abismo
se veste de lâmina
e pássaro.
Inútil aparar
suas curvas, alvoroço
de plaquetas.
A noite
reconstrói
sua bélica
ossatura, plantation
de adagas.
Aqui,
a pedra se repete
em pedra,
une-se aos pés
e às mãos,
mais viva e densa,
expandida
em sólida brancura.

1999

(De meu livro A Sombra do Leopardo. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001.)