quarta-feira, 30 de março de 2011
POEMAS DE ROBERT DESNOS
NO DISFARCE DA NOITE
Deslizar em tua sombra no disfarce da noite.
Seguir teus passos, tua sombra na janela.
A sombra na janela é a tua, não outra, a tua.
Não abre essa janela atrás da qual te movimentas.
Fecha os olhos.
Queria poder fechá-los com meus lábios.
Mas a janela se abre e o vento, o vento
que, estranhamente, agita chama
e bandeira, encobre com seu manto minha fuga.
A janela se abre: não és tu.
Eu bem sabia.
AU MOCASSIM O VERBO
Me suicidas, tão docilmente.
Te morrerei, contudo, um dia.
Eu conheceremos a mulher ideal
e, lentamente, nevarei em sua boca.
E choverei, sem dúvida, mesmo que tarde,
mesmo que eu faça bom tempo.
Nós ameis tão pouco os olhos
e verterei uma lágrima sem
razão, é claro, e sem tristeza.
Sem.
O QUADRADO PONTUDO
O quadrado tem quatro lados
Mas é quatro vezes pontudo
Como o Mundo.
Diz-se, contudo, que a terra é redonda
Como a minha cabeça
Redonda e mundo e mapa-múndi:
Um anticiclone indo ao noroeste...
O mundo é redondo, a terra é redonda
Mas ela é, mas ele é
Quatro vezes pontudo
Leste Norte Sul Oeste
O mundo é pontudo
A terra é pontuda
O espaço é quadrado.
et monde et mappem
Tradução: Jorge Lúcio de Campos
Deslizar em tua sombra no disfarce da noite.
Seguir teus passos, tua sombra na janela.
A sombra na janela é a tua, não outra, a tua.
Não abre essa janela atrás da qual te movimentas.
Fecha os olhos.
Queria poder fechá-los com meus lábios.
Mas a janela se abre e o vento, o vento
que, estranhamente, agita chama
e bandeira, encobre com seu manto minha fuga.
A janela se abre: não és tu.
Eu bem sabia.
AU MOCASSIM O VERBO
Me suicidas, tão docilmente.
Te morrerei, contudo, um dia.
Eu conheceremos a mulher ideal
e, lentamente, nevarei em sua boca.
E choverei, sem dúvida, mesmo que tarde,
mesmo que eu faça bom tempo.
Nós ameis tão pouco os olhos
e verterei uma lágrima sem
razão, é claro, e sem tristeza.
Sem.
O QUADRADO PONTUDO
O quadrado tem quatro lados
Mas é quatro vezes pontudo
Como o Mundo.
Diz-se, contudo, que a terra é redonda
Como a minha cabeça
Redonda e mundo e mapa-múndi:
Um anticiclone indo ao noroeste...
O mundo é redondo, a terra é redonda
Mas ela é, mas ele é
Quatro vezes pontudo
Leste Norte Sul Oeste
O mundo é pontudo
A terra é pontuda
O espaço é quadrado.
et monde et mappem
Tradução: Jorge Lúcio de Campos
terça-feira, 29 de março de 2011
UM POEMA DE SOHRAB SEPEHRI
AO JARDIM DOS VIAJANTES
Chame, oh me chame
sua voz soa tão bem
sua voz é como a verde essência da erva rara
que cresce na intimidade mais extrema da tristeza.
Nas dimensões desta era de silêncio,
Me sinto mais só que o fragmento de uma canção
ecoando na percepção de uma ruela.
Venha, deixe eu lhe dizer como é vasta a minha solidão
e minha solidão não previu
a magnitude da sua incursão noturna,
tal é a força do amor.
Não há ninguém.
Vamos roubar a vida, e depois
dividi-la entre dois encontros.
Vamos tentar entender, você e eu,
algo sobre a natureza da pedra.
Vamos discernir as coisas mais rapidamente.
Veja como as mãos da fonte pulverizam o tempo
na marca circular do lago.
Desvaneça como uma palavra na linha do meu silêncio
apague a massa luminosa do amor na palma da minha mão.
Chame, oh me chame
sua voz soa tão bem
sua voz é como a verde essência da erva rara
que cresce na intimidade mais extrema da tristeza.
Nas dimensões desta era de silêncio,
Me sinto mais só que o fragmento de uma canção
ecoando na percepção de uma ruela.
Venha, deixe eu lhe dizer como é vasta a minha solidão
e minha solidão não previu
a magnitude da sua incursão noturna,
tal é a força do amor.
Não há ninguém.
Vamos roubar a vida, e depois
dividi-la entre dois encontros.
Vamos tentar entender, você e eu,
algo sobre a natureza da pedra.
Vamos discernir as coisas mais rapidamente.
Veja como as mãos da fonte pulverizam o tempo
na marca circular do lago.
Desvaneça como uma palavra na linha do meu silêncio
apague a massa luminosa do amor na palma da minha mão.
Tradução livre do inglês para o português realizada por Arlene Clemesha, a partir do livro The Lover is always Alone, Selected Poems – traduzido do farsi para o inglês por Karim Emami, Ed. Shaul Bakhash, 2004, Irã.
segunda-feira, 28 de março de 2011
EVENTOS DE ABRIL NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO
Dia 07
POESIA DOS 4 CANTOS
Poesia dos Quatro Cantos é uma atividade mensal dedicada à divulgação da poesia internacional, num formato que inclui a leitura de poemas na língua original e em tradução, com danças e músicas típicas de cada país, nos intervalos das leituras. Em abril, será realizado um diwán (recital poético-musical árabe típico) com curadoria e declamação de Michel Sleiman, direção artística de Leandra Yunis, interpretação coreográfica de Fádua Chuffi (foto), interpretação musical de Jihad Smaili, Bruno Mansini, Ely Mouzayek, Maurício Mouzayek, William Bordokan e a participação especial do bailarino Kamis Araman.
Quinta-feira, das 20h30 às 22h – Praça das Bibliotecas
DIA 13
CLUBE DE LEITURA DE POESIA
O poeta, professor e crítico literário Frederico Barbosa conversará com o público sobre a sua carreira literária e fará uma leitura de seus poemas. Em seguida, o público será convidado a fazer perguntas ao poeta, para um bate-papo informal.
Quarta-feira, das 19h30 às 21h -- Café Graffite
DIA 29
POETAS DE CABECEIRA
O escritor Marcelino Freire fará uma palestra sobre o poeta pernambucano Manuel Bandeira, comentando a biografia do autor, sua época, a sua importância para a renovação da literatura brasileira e, sobretudo, a sua experiência pessoal como leitor da poesia de Manuel Bandeira, que influenciou a sua decisão de dedicar-se à vida literária.
Sexta-feira, das 19h30 às 21h – Sala de Debates
Centro Cultural São Paulo
Rua Vergueiro, n. 1.000
Próximo à estação do metrô
sábado, 26 de março de 2011
POEMAS DE PAUL ÉLUARD
SEUS OLHOS SEMPRE PUROS
Dias de lentidão, dias de chuva,
Dias de espelhos partidos e de agulhas perdidas,
Dias de pálpebras fechadas no horizonte dos mares,
De horas todas semelhantes, dias de cativeiro,
Meu espírito que brilhava ainda sobre as folhas
E as flores, meu espírito está nu como o amor,
A aurora que ele esquece lhe faz baixar a cabeça
E contemplar seu corpo obediente e vão.
No entanto, eu vi os olhos os mais belos do mundo,
Deuses de prata segurando safiras nas mãos,
Verdadeiros deuses, pássaros na terra
E na água, eu os vi.
Suas asas são as minhas, nada existe
A não ser seu vôo que sacode minha miséria,
Seu vôo de estrela e de luz
Seu vôo de terra, seu vôo de pedra
Sobre as ondulações de suas asas,
Meu pensamento sustentado pela vida e pela morte.
* * *
Tua cabeleira de laranjas no vazio do mundo
No vazio dos vitrais pesados de silêncio
E de sombra onde minhas mãos nuas buscam todos os teus reflexos.
A forma do teu coração é quimérica
E teu amor se assemelha a meu desejo perdido.
Ó suspiros de âmbar, sonhos, olhares.
Mas tu não estiveste sempre comigo. Minha memória
Ainda está obscurecida por tê-la visto chegar
E partir. O tempo se serve das palavras como o amor.
* * *
Tua boca de lábios de ouro não está em mim para rir
E tuas palavras de auréola têm um sentido tão perfeito
Que em minhas noites de anos, de juventude e de morte
Ouço tua voz vibrar em todos os ruídos do mundo.
Nesta aurora de seda na qual vegeta o frio
A luxúria em perigo lamenta o sono,
Nas mãos do sol todos os corpos que despertam
Estremecem à idéia de reencontrar seu coração.
Lembranças de bosque verde, névoa na qual me afundo
Fechei os olhos sobre mim, estou para ti,
Toda a minha vida te escuta e eu não posso destruir
Os terríveis lazeres que teu amor criou para mim.
* * *
A terra é azul como uma laranja
Jamais um erro as palavras não mentem
Elas não lhe dão mais para cantar
Na volta dos beijos para se entender
Os loucos e os amores
Ela sua boca de aliança
Todos os segredos todos os sorrisos
E que roupagens de indulgência
Para acreditá-la inteiramente nua
As vespas florescem verde
A aurora se enrola no pescoço
Um colar de janelas
Asas cobrem as folhas
Você tem todas as alegrias solares
Todo o sol sobre a terra
Sobre os caminhos da sua beleza
Traduções: Claudio Willer
Dias de lentidão, dias de chuva,
Dias de espelhos partidos e de agulhas perdidas,
Dias de pálpebras fechadas no horizonte dos mares,
De horas todas semelhantes, dias de cativeiro,
Meu espírito que brilhava ainda sobre as folhas
E as flores, meu espírito está nu como o amor,
A aurora que ele esquece lhe faz baixar a cabeça
E contemplar seu corpo obediente e vão.
No entanto, eu vi os olhos os mais belos do mundo,
Deuses de prata segurando safiras nas mãos,
Verdadeiros deuses, pássaros na terra
E na água, eu os vi.
Suas asas são as minhas, nada existe
A não ser seu vôo que sacode minha miséria,
Seu vôo de estrela e de luz
Seu vôo de terra, seu vôo de pedra
Sobre as ondulações de suas asas,
Meu pensamento sustentado pela vida e pela morte.
* * *
Tua cabeleira de laranjas no vazio do mundo
No vazio dos vitrais pesados de silêncio
E de sombra onde minhas mãos nuas buscam todos os teus reflexos.
A forma do teu coração é quimérica
E teu amor se assemelha a meu desejo perdido.
Ó suspiros de âmbar, sonhos, olhares.
Mas tu não estiveste sempre comigo. Minha memória
Ainda está obscurecida por tê-la visto chegar
E partir. O tempo se serve das palavras como o amor.
* * *
Tua boca de lábios de ouro não está em mim para rir
E tuas palavras de auréola têm um sentido tão perfeito
Que em minhas noites de anos, de juventude e de morte
Ouço tua voz vibrar em todos os ruídos do mundo.
Nesta aurora de seda na qual vegeta o frio
A luxúria em perigo lamenta o sono,
Nas mãos do sol todos os corpos que despertam
Estremecem à idéia de reencontrar seu coração.
Lembranças de bosque verde, névoa na qual me afundo
Fechei os olhos sobre mim, estou para ti,
Toda a minha vida te escuta e eu não posso destruir
Os terríveis lazeres que teu amor criou para mim.
* * *
A terra é azul como uma laranja
Jamais um erro as palavras não mentem
Elas não lhe dão mais para cantar
Na volta dos beijos para se entender
Os loucos e os amores
Ela sua boca de aliança
Todos os segredos todos os sorrisos
E que roupagens de indulgência
Para acreditá-la inteiramente nua
As vespas florescem verde
A aurora se enrola no pescoço
Um colar de janelas
Asas cobrem as folhas
Você tem todas as alegrias solares
Todo o sol sobre a terra
Sobre os caminhos da sua beleza
Traduções: Claudio Willer
quinta-feira, 24 de março de 2011
TRÊS POEMAS DE GEORGE TRAKL
O SONO
Amaldiçoados, veneno escuro,
Sono branco!
Este jardim estranhíssimo
De árvores entardecentes
Fartas de serpentes, falenas,
Aranhas, morcegos.
Forasteiro! Tua sombra perdida
No crepúsculo,
Um obscuro corsário
No mar salgado da tribulação.
Esvoaçam pássaros brancos na aba da noite
Sobre cadentes cidades
De aço.
RESTO
Ó rever-se em êxtase
No outono tardio.
Rosas amarelas
Desfolham no gradil,
Em lágrima escura
Derrete-se uma grande dor,
Ó irmã! Tão calmo finda o dourado dia.
CLAMOR
Sono e morte, as águias da sombra
Esvoaçam noite adentro nesta fronte:
O dourado retrato dos homens
Teriam-no tragado as ondas gélidas
Da eternidade. Em recife horrível
Esfacela-se a carne púrpura
E a voz escura clama
Sobre o mar.
Irmã de irada angústia, mira:
Uma frágil jangada naufraga
Sob estrelas, face
A face da noite que se cala.
Tradução: André Vallias
Amaldiçoados, veneno escuro,
Sono branco!
Este jardim estranhíssimo
De árvores entardecentes
Fartas de serpentes, falenas,
Aranhas, morcegos.
Forasteiro! Tua sombra perdida
No crepúsculo,
Um obscuro corsário
No mar salgado da tribulação.
Esvoaçam pássaros brancos na aba da noite
Sobre cadentes cidades
De aço.
RESTO
Ó rever-se em êxtase
No outono tardio.
Rosas amarelas
Desfolham no gradil,
Em lágrima escura
Derrete-se uma grande dor,
Ó irmã! Tão calmo finda o dourado dia.
CLAMOR
Sono e morte, as águias da sombra
Esvoaçam noite adentro nesta fronte:
O dourado retrato dos homens
Teriam-no tragado as ondas gélidas
Da eternidade. Em recife horrível
Esfacela-se a carne púrpura
E a voz escura clama
Sobre o mar.
Irmã de irada angústia, mira:
Uma frágil jangada naufraga
Sob estrelas, face
A face da noite que se cala.
Tradução: André Vallias
terça-feira, 22 de março de 2011
UM POEMA DE HERBERTO HELDER
TEORIA SENTADA
III
A minha idade é assim - verde, sentada.
Tocando para baixo as raízes da eternidade.
Um grande número de meses sem muitas saídas,
soando
estreitos sinos, mudando em cores mergulhadas.
A minha idade espera, enquanto abre
os seus candeeiros. Idade
de uma voracidade masculina.
Cega.
Parada.
Algumas mãos fixam-se à sua volta.
Idade que ainda canta com a boca
dobrada. As semanas caminham para diante
com um espírito dentro.
Mergulham na sua solidão, e aparecem
batendo contra a luz.
É uma idade com sangue prendendo
as folhas. Terrível. Mexendo
no lugar do silêncio.
Idade sem amor bloqueada pelo êxtase
do tempo. Fria.
Com a cor imensa de um símbolo.
Eu trabalho nas luzes antigas, em frente
das ondas da noite. Bato a pedra
dentro do meu coração. Penso, ameaçado pela morte.
E uma raiz séca, canta-se
no calor. É uma idade cor da salsa.
Amarga. Imagino
dentro de mim. Trabalho de encontro à noite.
Procuro uma imagem dura.
Estou sentado, e falo da ironia de onde
uma rosa se levanta pelo ar.
A idade é uma vileza espalhada
no léxico. Em sua densidade quebram-se
os dedos. Está sentada.
Os poentes ciclistas passam sem barulho.
Passam animais de púrpura.
Passam pedregulhos de treva.
É para a frente que as águas escorregam.
Idade que a candura da vida sufoca,
idade agachada, atenta
à sua ciência. Que imita por um lado
as nações celestes. Que imita
por um lado a terra
quente.
Trabalhando, nua, diante da noite.
(Do livro Ou o Poema Contínuo. São Paulo: A Girafa, 2004.)
III
A minha idade é assim - verde, sentada.
Tocando para baixo as raízes da eternidade.
Um grande número de meses sem muitas saídas,
soando
estreitos sinos, mudando em cores mergulhadas.
A minha idade espera, enquanto abre
os seus candeeiros. Idade
de uma voracidade masculina.
Cega.
Parada.
Algumas mãos fixam-se à sua volta.
Idade que ainda canta com a boca
dobrada. As semanas caminham para diante
com um espírito dentro.
Mergulham na sua solidão, e aparecem
batendo contra a luz.
É uma idade com sangue prendendo
as folhas. Terrível. Mexendo
no lugar do silêncio.
Idade sem amor bloqueada pelo êxtase
do tempo. Fria.
Com a cor imensa de um símbolo.
Eu trabalho nas luzes antigas, em frente
das ondas da noite. Bato a pedra
dentro do meu coração. Penso, ameaçado pela morte.
E uma raiz séca, canta-se
no calor. É uma idade cor da salsa.
Amarga. Imagino
dentro de mim. Trabalho de encontro à noite.
Procuro uma imagem dura.
Estou sentado, e falo da ironia de onde
uma rosa se levanta pelo ar.
A idade é uma vileza espalhada
no léxico. Em sua densidade quebram-se
os dedos. Está sentada.
Os poentes ciclistas passam sem barulho.
Passam animais de púrpura.
Passam pedregulhos de treva.
É para a frente que as águas escorregam.
Idade que a candura da vida sufoca,
idade agachada, atenta
à sua ciência. Que imita por um lado
as nações celestes. Que imita
por um lado a terra
quente.
Trabalhando, nua, diante da noite.
(Do livro Ou o Poema Contínuo. São Paulo: A Girafa, 2004.)
domingo, 20 de março de 2011
UM POEMA DE ALLEN GINSBERG
AMÉRICA
América eu te dei tudo e agora não sou nada.
América dois dólares vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956.
América não agüento mais minha própria mente.
América quando acabaremos com a guerra humana?
Vá se foder com sua bomba atômica.
Não estou legal não me encha o saco.
Não escreverei meu poema enquanto não me sentir legal.
América quando é que você será angelical?
Quando você tirará sua roupa?
Quando você se olhará através do túmulo?
Quando você merecerá seu milhão de trotskistas?
América por que suas bibliotecas estão cheias de lágrimas?
América quando você mandará seus ovos para a Índia?
Eu estou cheio das suas exigências malucas.
Quando poderei entrar no supermercado e comprar o que preciso só com minha boa aparência?
América afinal eu e você é que somos perfeitos não o outro mundo.
Sua maquinaria é demais para mim.
Você me fez querer ser santo.
Deve haver algum jeito de resolver isso.
Burroughs está em Tanger acho que ele não volta mais, isso é sinistro.
Estará você sendo sinistra ou isso é uma brincadeira?
Estou tentando entrar no assunto.
Eu me recuso a desistir das minhas obsessões.
América pare de me empurrar sei o que estou fazendo.
América as pétalas das ameixeiras estão caindo.
Faz meses que não leio os jornais todo dia alguém é julgado por assassinato.
América fico sentimental por causa dos Wobblies¹.
América eu era comunista quando criança e não me arrependo.
Fumo maconha toda vez que posso.
Fico em casa dias seguidos olhando as rosas no armário.
Quando vou ao Bairro Chinês fico bêbado e nunca consigo alguém para trepar.
Eu resolvi vai haver confusão.
Você devia ter me visto lendo Marx.
Meu psicanalista acha que estou muito bem.
Não direi as Orações ao Senhor.
Eu tenho visões místicas e vibrações cósmicas.
América ainda não lhe contei o que você fez com Tio Max depois que ele voltou da Rússia.
Eu estou falando com você.
Você vai deixar que sua vida emocional seja conduzida pelo TimeMagazine?
Estou obcecado pelo Time Magazine.
Eu o leio toda semana.
Sua capa me encara toda vez que passo sorrateiramente pela confeitaria da esquina.
Eu o leio no porão da Biblioteca Pública de Berkeley.
Está sempre me falando de responsabilidades.
Os homens de negóciossão sérios.
Os produtores de cinema são sérios.
Todo mundo é sério menos eu.
Passa pela minha cabeça que eu sou a América.
Estou de novo falando sozinho.
A Ásia se ergue contra mim.
Não tenho nenhuma chance de chinês.
É bom eu verificar meus recursos nacionais.
Meus recursos nacionais consistem em dois cigarros de maconha, milhões de genitais uma literatura pessoal impublicável a 2.000 quilômetros por hora e vinte e cinco mil hospícios.
Nem falo das minhas prisões ou dos milhões de desprivilegiadosque vivem nos meus vasos de flores à luz de quinhentos sóis.
Aboli os prostíbulos da França, Tânger é o próximo lugar.
Ambiciono a Presidência apesar de ser Católico.
América como poderei escrever uma litania neste seu estado de bobeira?
Continuarei como Henry Ford meus versos são tão individuais como seus carros mais ainda todos têm sexos diferentes.
América eu lhe venderei meus versos a 2.500 dólares cada com 500 de abatimento pela sua estrofe usada.
América liberte Tom Mooney²
América salve os legalistas espanhóis.
América Sacco & Vanzetti³ não podem morrer
América eu sou os garotos de Scottsboro¹°
América quando eu tinha sete anos minha mãe me levou a uma reunião da célula do Partido Comunista eles nos vendiam grão de bico um bocado por um bilhete um bilhete por um tostão e todos podiam falar todos eram angelicais e sentimentais para com os trabalhadores era tudo tão sincero você não ima-gina que coisa boa era o Partido em 1935 Scott Nearing¹¹ era um velho formidável gente boa de verdade Mãe Bloor me fazia chorar certa vez vi Israel Amster cara a cara.
Todo mundo devia ser espião.
América a verdade é que você não quer ir à guerra.
América são eles os Russos malvados.
Os Russos os Russos e esses Chineses.
E esses Russos.
A Rússia nos quer comer vivos.
O poder da Rússia é louco.
Ela quer tirar nossos carros das nossas garagens.
Ela quer pegar Chicago.
Ela precisa de um Reader’s Digest ver-melho.
Ela quer botar nossas fábricas de automóveis na Sibéria.
A grande burocracia dela mandando em nossos pos-tos de gasolina.
Isso é ruim.
Ufa.
Ela vai fazer os Índio aprender vermelho.
Ela quer pretos bem grandes.
Ela quer nos fazer trabalha dezesseis horas por dia.
Socorro!¹²
América tudo isso é muito sério.
América essa é a impressão que tenho quando assisto à televisão.
América será que isso está certo?
É melhor eu pôr as mãos à obra.
É verdade que não quero me alistar no Exército ou girar tornos em fábricas de peças de precisão.
De qualquer forma sou míope e psicopata.
América eu estou encostando meu delicado ombro à roda.
Tradução: Claudio Willer
América eu te dei tudo e agora não sou nada.
América dois dólares vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956.
América não agüento mais minha própria mente.
América quando acabaremos com a guerra humana?
Vá se foder com sua bomba atômica.
Não estou legal não me encha o saco.
Não escreverei meu poema enquanto não me sentir legal.
América quando é que você será angelical?
Quando você tirará sua roupa?
Quando você se olhará através do túmulo?
Quando você merecerá seu milhão de trotskistas?
América por que suas bibliotecas estão cheias de lágrimas?
América quando você mandará seus ovos para a Índia?
Eu estou cheio das suas exigências malucas.
Quando poderei entrar no supermercado e comprar o que preciso só com minha boa aparência?
América afinal eu e você é que somos perfeitos não o outro mundo.
Sua maquinaria é demais para mim.
Você me fez querer ser santo.
Deve haver algum jeito de resolver isso.
Burroughs está em Tanger acho que ele não volta mais, isso é sinistro.
Estará você sendo sinistra ou isso é uma brincadeira?
Estou tentando entrar no assunto.
Eu me recuso a desistir das minhas obsessões.
América pare de me empurrar sei o que estou fazendo.
América as pétalas das ameixeiras estão caindo.
Faz meses que não leio os jornais todo dia alguém é julgado por assassinato.
América fico sentimental por causa dos Wobblies¹.
América eu era comunista quando criança e não me arrependo.
Fumo maconha toda vez que posso.
Fico em casa dias seguidos olhando as rosas no armário.
Quando vou ao Bairro Chinês fico bêbado e nunca consigo alguém para trepar.
Eu resolvi vai haver confusão.
Você devia ter me visto lendo Marx.
Meu psicanalista acha que estou muito bem.
Não direi as Orações ao Senhor.
Eu tenho visões místicas e vibrações cósmicas.
América ainda não lhe contei o que você fez com Tio Max depois que ele voltou da Rússia.
Eu estou falando com você.
Você vai deixar que sua vida emocional seja conduzida pelo TimeMagazine?
Estou obcecado pelo Time Magazine.
Eu o leio toda semana.
Sua capa me encara toda vez que passo sorrateiramente pela confeitaria da esquina.
Eu o leio no porão da Biblioteca Pública de Berkeley.
Está sempre me falando de responsabilidades.
Os homens de negóciossão sérios.
Os produtores de cinema são sérios.
Todo mundo é sério menos eu.
Passa pela minha cabeça que eu sou a América.
Estou de novo falando sozinho.
A Ásia se ergue contra mim.
Não tenho nenhuma chance de chinês.
É bom eu verificar meus recursos nacionais.
Meus recursos nacionais consistem em dois cigarros de maconha, milhões de genitais uma literatura pessoal impublicável a 2.000 quilômetros por hora e vinte e cinco mil hospícios.
Nem falo das minhas prisões ou dos milhões de desprivilegiadosque vivem nos meus vasos de flores à luz de quinhentos sóis.
Aboli os prostíbulos da França, Tânger é o próximo lugar.
Ambiciono a Presidência apesar de ser Católico.
América como poderei escrever uma litania neste seu estado de bobeira?
Continuarei como Henry Ford meus versos são tão individuais como seus carros mais ainda todos têm sexos diferentes.
América eu lhe venderei meus versos a 2.500 dólares cada com 500 de abatimento pela sua estrofe usada.
América liberte Tom Mooney²
América salve os legalistas espanhóis.
América Sacco & Vanzetti³ não podem morrer
América eu sou os garotos de Scottsboro¹°
América quando eu tinha sete anos minha mãe me levou a uma reunião da célula do Partido Comunista eles nos vendiam grão de bico um bocado por um bilhete um bilhete por um tostão e todos podiam falar todos eram angelicais e sentimentais para com os trabalhadores era tudo tão sincero você não ima-gina que coisa boa era o Partido em 1935 Scott Nearing¹¹ era um velho formidável gente boa de verdade Mãe Bloor me fazia chorar certa vez vi Israel Amster cara a cara.
Todo mundo devia ser espião.
América a verdade é que você não quer ir à guerra.
América são eles os Russos malvados.
Os Russos os Russos e esses Chineses.
E esses Russos.
A Rússia nos quer comer vivos.
O poder da Rússia é louco.
Ela quer tirar nossos carros das nossas garagens.
Ela quer pegar Chicago.
Ela precisa de um Reader’s Digest ver-melho.
Ela quer botar nossas fábricas de automóveis na Sibéria.
A grande burocracia dela mandando em nossos pos-tos de gasolina.
Isso é ruim.
Ufa.
Ela vai fazer os Índio aprender vermelho.
Ela quer pretos bem grandes.
Ela quer nos fazer trabalha dezesseis horas por dia.
Socorro!¹²
América tudo isso é muito sério.
América essa é a impressão que tenho quando assisto à televisão.
América será que isso está certo?
É melhor eu pôr as mãos à obra.
É verdade que não quero me alistar no Exército ou girar tornos em fábricas de peças de precisão.
De qualquer forma sou míope e psicopata.
América eu estou encostando meu delicado ombro à roda.
Tradução: Claudio Willer
sábado, 19 de março de 2011
TODO COMEÇO É INVOLUNTÁRIO
quinta-feira, 17 de março de 2011
POETAS DE CABECEIRA
Poetas de Cabeceira é um ciclo mensal de palestras realizado no Centro Cultural São Paulo. Em cada encontro, um convidado fala sobre o seu poeta favorito, abordando biografia do autor, contexto histórico, análise da obra e leitura comentada de poemas do autor. O objetivo da atividade é levar ao público informações sobre autores importantes da literatura brasileira e internacional. O ciclo começará no dia 22 de março, às 19h, na Sala de Debates da Biblioteca do CCSP, com uma palestra de Ademir Assunção sobre Torquato Neto. Em abril, Marcelino Freire conversará com o público sobre Manuel Bandeira, em maio, Donizete Galvão falará sobre Carlos Drummond de Andrade e em junho Marcelo Tápia apresentará uma palestra sobre Augusto de Campos, que em 2011 completou 80 anos. Em todos os encontros do ciclo a entrada é franca e não é necessário retirar ingressos.
POEMAS DE TORQUATO NETO (IV)
MARGINÁLIA II
Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição
Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti
Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá
A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
(Letra de Torquanto Neto, música de Gilberto Gil)
Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição
Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti
Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá
A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
(Letra de Torquanto Neto, música de Gilberto Gil)
terça-feira, 15 de março de 2011
POEMAS DE TORQUATO NETO (III)
LITERATO CANTABILE
agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início;
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam assim,
do precipício.
a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício.
e não se sabe nunca mais do fim. agora o nunca.
agora não se fala nada. sim, fim. A guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.
agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início;
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam assim,
do precipício.
a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício.
e não se sabe nunca mais do fim. agora o nunca.
agora não se fala nada. sim, fim. A guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.
segunda-feira, 14 de março de 2011
POEMAS DE TORQUATO NETO (II)
LET'S PLAY THAT
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
Era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
Era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that
domingo, 13 de março de 2011
POEMAS DE TORQUATO NETO (I)
a) A virtude é a mãe do vício conforme se sabe;
acabe logo comigo
Ou se acabe.
b) A virtude é o próprio vício – conforme se sabe – estão no fim, no início da chave.
c) Chuva da virtude, o vício, conforme se sabe;
e nela propriamente que eu me ligo, nem disco nem filme:
nada, amizade. Chuvas de virtudes: chaves.
d (amar-te / a morte / morrer:
há urubus no telhado e a carne-seca
é servida: um escorpião encravado
na sua própria ferida, não escapa; só escapo
pela porta da saída).
e) A virtude, a mãe do vício
como eu tenho vinte dedos,
ainda, e ainda é cedo:
você olha nos meus olhos
mas não vê nada, se lembra?
f) A virtude
mais o vício: início da
MINHA
transa. Início fácil, termino:
“como dois e dois são cinco”
Como Deus é precipício,
Durma,
e nem com Deus no hospício
(durma), o hospício
é refúgio. Fuja.
(Do livro Torquatália – Do lado de dentro, organizado por Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: ed. Rocco, 2003.)
sexta-feira, 11 de março de 2011
UM POEMA DE ANA HATHERLY
AS ANTIGAS DAMAS JAPONESAS
As antigas damas japonesas
Distraidamente
Agitavam seus leques
No solitário mundo dos biombos
A distracção
Porém
É uma forma superior de ocultação
E
Na aridez
Do seu íntimo domado
O rugido da raiva
Estava contido
Artisticamente comprimido
No extravagante cinto
Que traziam
Atado nas costas
Tocavam
Dançavam
Serviam o chá de joelhos
Num secular sequestro
Mas às vezes
Num intervalo do desvelo
Da honra e do pudor
Descobriam
O esquisito sabor
Que tem o crime.
As antigas damas japonesas
Distraidamente
Agitavam seus leques
No solitário mundo dos biombos
A distracção
Porém
É uma forma superior de ocultação
E
Na aridez
Do seu íntimo domado
O rugido da raiva
Estava contido
Artisticamente comprimido
No extravagante cinto
Que traziam
Atado nas costas
Tocavam
Dançavam
Serviam o chá de joelhos
Num secular sequestro
Mas às vezes
Num intervalo do desvelo
Da honra e do pudor
Descobriam
O esquisito sabor
Que tem o crime.
terça-feira, 8 de março de 2011
OITO DE MARÇO, DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Greta Garbo. Janis Joplin. Liv Ullmann. Coral Bracho. Rita Hayworth. Marlene Dietrich. Gal Costa. Rosa Luxemburgo. Clarice Lispector. Olga Benário. Marina Tsvetáieva. Ana Akhmátova. Cecília Meireles. Catherine Deneuve. Patrícia Galvão. La Pasionaria. Elis Regina. Isabelle Adjani. Nastassja Kinski. Billie Holiday. Emily Dickinson. Marianne Moore. Sylvia Plath. Monja Cohen. Anita Garibaldi. Sóror Juana Inés de la Cruz. Brigitte Bardot. E todas as outras flores.
domingo, 6 de março de 2011
CLUBE DE LEITURA DE POESIA
Caros, sou o novo curador de Literatura e Poesia do Centro Cultural São Paulo e gostaria de convidá-los para o recital de Claudio Willer que acontecerá no dia 10 de março, a partir das 19h, na Sala de Debates da Biblioteca do Centro Cultural. O recital faz parte de um ciclo chamado Clube de Leitura de Poesia, que receberá, mensalmente, um poeta convidado para a leitura de poemas e bate-papo com o público. Após a apresentação do autor convidado, haverá um sarau livre, em que todos os poetas presentes poderão ler os seus textos. Confiram mais informações sobre a programação literária do Centro Cultural em matéria divulgada no site Cronópios, na página http://www.cronopios.com.br/site/noticias.asp?id=4917
Há braços,
CD
quinta-feira, 3 de março de 2011
POEMAS DE JORGE LÚCIO DE CAMPOS
A VÉSPERA DO ROSTO
Um labirinto sobe o rosto
à meia-noite
quase um novelo tatuado
em teu nome
MELROS
Um frasco
de álcool
inclinado
em forma
de segredo
majestoso –
tão alto e
brusco que
já nem
conheço
O ASSASSINO AMEAÇADO
a René Magritte
1
Gosto de
de sorrir
galáxias
de sentir
o corte
do tempo
em meu
peito
2
Gosto da
música
exata −
da província
inquieta
que chamusca
as coisas
3
Gosto do
gosto que
ficou no
prato que
lambemos
juntos
Leia mais poemas do autor da próxima edição da Zunái.
Um labirinto sobe o rosto
à meia-noite
quase um novelo tatuado
em teu nome
MELROS
Um frasco
de álcool
inclinado
em forma
de segredo
majestoso –
tão alto e
brusco que
já nem
conheço
O ASSASSINO AMEAÇADO
a René Magritte
1
Gosto de
de sorrir
galáxias
de sentir
o corte
do tempo
em meu
peito
2
Gosto da
música
exata −
da província
inquieta
que chamusca
as coisas
3
Gosto do
gosto que
ficou no
prato que
lambemos
juntos
Leia mais poemas do autor da próxima edição da Zunái.
quarta-feira, 2 de março de 2011
UMA ENTREVISTA COM HORÁCIO COSTA
Zunái: Você organizou o evento Em Mar Aberto: Poesia em português e nas línguas da Espanha. Um diálogo histórico, uma futura aliança? Fale a respeito da proposta desse encontro, a começar pela escolha do nome, e de seus resultados, nos anos posteriores, para o intercâmbio internacional.
Horácio: Este evento respondeu a uma curiosidade minha, de ordem puramente intelectual: na Península Ibérica, Portugal foi, até o Iluminismo, um grande receptáculo dos conteúdos literários espanhóis, não se podendo dizer o contrário. Certo: Jorge de Montemor escreveu A Diana e ficou conhecido como Jorge de Montemayor; Gil Vicente é estudado em sua produção teatral em espanhol nos curricula hispanos, e alguns escritores portugueses foram e são muito influentes a partir de sua tradução ao espanhol, na Espanha e na América Latina, e.g. Pessoa e Saramago, na época contemporânea. Entretanto, não se comparam, esses nomes isolados, com o efeito das letras espanholas sobre a literatura portuguesa: aí está, por exemplo, Gôngora, cuja presença chegou a ameaçar a do próprio Camões em Portugal, como eu já escrevi em um ensaio publicado em Mar Aberto. Ora bem, esse padrão atravessou o Atlântico e se instalou no regime de leituras entre hispano-americanos e brasileiros: nós os lemos, no original ou em tradução, bem mais do eles a nós, em termos históricos. Todo mundo já leu Vargas Llosa e García Márquez, por exemplo, mas poucos vizinhos leram Lispector ou Guimarães Rosa, e quando e se, via de regra, que tem as suas exceções, em tradução, embora todo hispano-americano culto já tenha lido o panteão dos nossos poetas modernos.
Entretanto, esse padrão está mudando e responde a uma muito maior presença do Brasil no contexto internacional, regional e inter-ibérico. Há uma muito maior curiosidade sobre o Brasil hoje do que antes, e essa é uma tendência de futuro. Ora bem, com a maior concentração numérica e com a decorrente maior visibilidade da literatura que se escreve em português em terras americanas, como será a nossa convivência com os povos que se expressam em espanhol? O padrão histórico continuará? Foi essa pergunta que me fez pensar em reunir em São Paulo representantes das minorias linguístico-literárias espanholas, para abrir um diálogo com o português que nós cultivamos. Não consegui atrair a atenção de portugueses para que dele participassem. O que me fez pensar que cada vez mais a promoção e a inserção de novos conteúdos na política internacional da língua portuguesa e das literaturas que nela se escrevem, tal como esse diálogo preciso, deverá partir e ser sustentado por nós.
Em Washington, há três anos, apresentei um trabalho sobre esses tópicos, A lusofonia y los vecinos, e o debate com o qual me envolvi com os representantes do governo português corroborou o que acabo de dizer. Continua a parecer-me uma vergonha que nos dias que correm Portugal se dedique a abrir leitorados na Ásia Central, por exemplo, e não se empenhe em procurar uma política unitária com o Brasil e a África de expressão portuguesa, tanto quanto me parece patético que o Brasil não disponha até hoje de um organismo de Estado para promover a nossa cultura no exterior, à imagem do que acontece com a própria Espanha, com o Cervantes, Portugal, com o Camões, a Alemanha, com o Goethe, a França, com a Aliança, e assim por diante. Com a quantidade de tramoias que acontecem em Brasília, como explicar que não tenha havido ninguém que propusesse, no nosso caríssimo e ineficiente Legislativo, ou mesmo como uma iniciativa do Itamaraty, a criação de uma autarquia com esse perfil? isso revela uma mentalidade provinciana e isolacionista, que contradiz o discurso oficial do "Brasil potência".
Essas minhas opiniões e a organização de um evento como o que vc menciona, e que seguem os anteriores, traduzem o viés mais político na minha obra. Cada vez mais creio que a atividade do poeta implica em tomadas de posição que tais, publicamente. Tenho poucos leitores e menos críticos, e sei que minha obra não é exatamente popular, nem aqui nem na Cochinchina. Mas não abdico de tornar públicas as minhas opiniões. Que tenham reflexo sobre a realidade é outra história. Mas eu sou um poeta na e da cidade. Por falar nisso, quero terminar esta nossa re-entrevista com a menção do meu engajamento com a temática da diversidade (homo) sexual. Fui presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura-ABEH, no biênio 2008-10, e o congresso que organizei na USP há dois anos e alguns meses, com quase 500 inscritos, foi excepcional. Recentemente saiu o volume Retratos do Brasil Homossexual, organizado por mim e pelos membros da diretoria naquele biênio, publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e pela EDUSP. São quase 1300 páginas de ensaios, um terço dos quais publicadas no livro e dois terços no CD que o acompanha. Para mim, a experiência de militar por uma causa importante, para lá da militância que a escritura de poesia em si implica, tornou-se uma faceta importante de minha obra como poeta-cidadão. Sou membro do comitê intersecretarial para a implantação de políticas públicas para assuntos da diversidade sexual, e tivemos muitas reuniões e fizemos um trabalho conjunto de sugestão de várias medidas ao governador do Estado, muitas das quais já vigoram sob forma de decreto lei do executivo paulista. Em resumo: não acho incompatível essa atividade política com o escrever poesia. Curioso que parece que sou o primeiro poeta assumidamente homossexual na dita alta poesia brasileira a se envolver politicamente nessa luta. O tema homossexualidade ainda é ignorado nos estudos de poesia no Brasil e até o Roberto Piva, ninguém que tivesse assumido a sua voz homossexual em alto e bom som. Vamos com um atraso enorme com relação a países semelhantes ao nosso, como vários dos hispanos e o mesmo Portugal. Militar por esses estudos e escrever com o registro homossexual é um serviço que sinto fazer para a ampliação e a modernização -não gosto da palavra, mas enfim - da palavra poética no Brasil.
Zunái: Quais são os teus projetos atuais? Você está organizando um novo livro de poemas?
Horácio: Continuar escrevendo poesia. Continuar ensinando na USP. Continuar viajando quando convidado. Ser amigo dos meus amigos. Votar pouco e bem. Ter uma existência doméstica em princípio sã. Beber menos e nadar mais. E, se der para publicar, muito bem. Tenho um livro novo de poemas sim, mas está longo demais, devo cortá-lo numa terça parte pelo menos. O que quer dizer que ainda não está pronto. Mas já tem título: Ciclópico Olho.
Leia a entrevista na íntegra na próxima edição da Zunái.