A MORTE SE VESTE DE CORAL
Desce dois degraus de cimento.
E logo outros dois degraus de limo.
Refulge em redor seu dente de ouro.
Por um motete antigo, sei que é ruiva.
Senta-se em seu trono de cipó, pousa a planta dos pés em uma esteira de palma-real.
É imutável o trono, indestrutível a palma-real.
Exige as Vésperas marianas de Monteverdi, solícitos executam-nas.
Aplaude, aplaude bêbada, golpeia-se nas coxas, pó de ossos derramam.
Majestosa, ajusta a peruca ruiva em um espelho oval de brilho impenetrável.
Ei-la aí, toda de coral, na verdade do azougue.
A MORTE SE REVOLVE EM SUA POCILGA DE OSTEOPOROSE
Em cada omoplata o ideograma que a prefigura.
No púbis uma rosácea de ouro em fibra de vidro.
No fêmur a rotação (mocho) das duas veletas.
Gema de ovo as falanges, tendões, rótulas.
O úmero puro padecimento do peixe boquiaberto
ao sol: chuva de estrelas meteoritos a coluna
vertebral ao se estrelarem as duas pupilas atônitas
contra a muralha do bastião: o grito cravado
de Ícaro na queda: parietal esfenóides arco
zigomático e vômer de súbito na pá de lixo.
Um escapulário. Um crucifixo. Hissope e cíngulo.
Mitra de cálcio e fósforo; capa fluvial de magnésio.
Útero de alumínio, tabela periódica o coração.
Num piscar de olhos com vaselina nos penetra (com)
seu vocabulário (exíguo) e uma ou outra frase-feita:
utópico, ilusório; esquece o tango e canta bolero.
O quadro, viva efeméride, é completado por um cavalo
matungo: anca que exibe o Santo Graal, anca que
exibe o selo chamejante do Averno: e justo no
meio o Unigênito ginete da foice.
A MORTE RETIRA A MÁSCARA, A CARA,
O CRÂNIO, O NADA, E SURGE O BOM DEUS
Entrego-lhe
a moeda
de cobre
que trago
debaixo da
língua.
O Bom
Deus
põe-se
a rir e
me tira
a folharada
que tenho
na cabeça,
umas lianas
no olhar,
um resto
de barro
na fronte,
o esterno,
e dos
mamilos
aos lábios.
Traduções: Claudio Daniel e Luiz Roberto Guedes
Mui belo, meu caro. Visite minha Lapadanopancreas.blogspot.com
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