O ÚNICO LIVRO
Vi que os negros Vedas,
o Evangelho e o Alcorão
mais os livros dos mongóis
em suas tábuas de seda
— como as mulheres calmucas todas as manhãs —
ergueram juntos uma pira
de poeira da estepe
e odoroso estrume seco
e sobre ela pousaram.
Viúvas brancas veladas numa nuvem de fumo,
apressavam o advento
do livro único,
cujas páginas maiores que o mar
tremem como asas de borboletas safira,
e há um marcador de seda
no ponto onde o leitor parou os olhos.
Os grandes rios com sua torrente azul:
— o Volga, onde à noite celebram Rázin;
— o Nilo amarelo, onde imprecam ao Sol;
— o Yang-tze kiang, onde há um denso lodo humano;
— e tu, Mississípi, onde os ianques
trajam calças de céu estrelado,
enrolando as pernas nas estrelas;
— e o Ganges, onde a gente escura são árvores de ciência;
— e o Danúbio, onde em branco homens brancos
de camisa branca pairam sobre a água;
— e o Zambeze, onde a gente é mais negra que uma bota;
— e o fogoso Obi, onde espancam o deus
e o voltam de olhos para a parede
quando comem iguarias gordurosas;
— e o Tâmisa, no seu tédio cinza.
O gênero humano é o leitor do livro.
Na capa, o timbre do artífice —
meu nome, em caracteres azuis.
Porém tu lês levianamente;
presta mais atenção:
és por demais aéreo, nada levas a sério.
Logo estarás lendo com fluência
— lições de uma lei divina —
estas cadeias de montanhas, estes mares imensos,
este livro único,
em cujas folhas salta a baleia
quando a águia dobrando a página no canto
desce sobre as ondas, mamas do mar,
e repousa no leito do falcão marinho.
Tradução: Haroldo de Campos
Este poema foi extraído da antologia Poesia Russa Moderna, de Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman, que é a minha Bíblia pessoal há mais de vinte anos. Eu não saberia viver sem este livro.
ResponderExcluirComprei esse livro num sebo, por três reais apenas. Um grande achado. E no mesmo sebo encontrei também o "Eu falo dos que não falam", do Hans Magnus Enzensberger, pela editora Brasiliense.
ResponderExcluirCaro Luís, esse livro não tem preço. A leitura de poemas de Maiakovski, Khlébnikov, Óssip Mandelstan, Marina Tsvetáieva, e de tantos outros, foi essencial para a minha formação literária. Abraço do
ResponderExcluirClaudio