sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
UM POEMA DE LEZAMA LIMA
OS FRAGMENTOS DA NOITE
Como isolar os fragmentos da noite
para apertar algo com as mãos,
como a lebre penetra em sua escuridão
separando duas estrelas
apoiadas no brilho da relva úmida.
A noite respira em uma intocável umidade,
não no centro da esfera que voa,
e tudo vai unindo, esquinas ou fragmentos,
até formar o inviolável tecido da noite,
sutil e complexo como os dedos unidos
que apenas deixam passar a água,
como um cestinho mágico
que nada vazio dentro do rio.
Eu queria separar minhas mãos da noite,
porém se ouvia uma grande sonoridade que não se ouvia,
como se meu corpo inteiro tivesse caído sobre uma serafina
silenciosa na esquina do templo.
A noite era um relógio, não para o tempo
mas para a luz,
era um polvo que era uma pedra,
era uma teia como uma piçarra cheia de olhos.
Eu queria resgatar a noite
isolando seus fragmentos,
que nada sabiam de um corpo,
de um tubo de órgão
somente da substância que voa
desconhecendo o pestanejar da luz.
Queria resgatar a respiração
e se alçava em sua solidão e esplendor
até formar o pneuma universal
anterior à aparição do homem.
A soma respirante
que forma os grandes continentes
da aurora que sorri
com as pernas de pau infantis.
Eu queria resgatar os fragmentos da noite
e formava uma substância universal,
então comecei a mergulhar
os dedos e os olhos na noite,
soltava todas as amarras da barcaça.
Era um combate sem fim,
entre o que eu queria arrancar da noite
e o que a noite me presenteava.
O sonho, com contornos de diamante,
prendia a lebre
com orelhas de trevo.
Momentaneamente tive que abandonar a casa
para dar passagem à noite.
Que brusquidão quebrou essa continuidade,
entre a noite projetando o teto,
sustentando-o como entre duas nuvens
que flutuavam na escuridão submergida.
No início que não anota os nomes,
a chegada do diferenciado com sinetas
de aço, com olhos
para a profundidade das águas
onde a noite repousava.
Como em um incêndio,
eu queria recolher as recordações da noite,
o tilintar até o golpe de misericórdia
como quando, com a palma da mão,
batemos a massa de pão.
O sonho voltou a prender a lebre
que arranhava meus braços
com pauzinhos de aguarrás.
Rindo, repartia grandes cicatrizes em meu rosto.
Tradução: Claudio Daniel e Luiz Roberto Guedes
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