terça-feira, 26 de janeiro de 2010
RELENDO MOI-MÊME (III)
EGITO
SOMBRA, nome
do que cala,
voz de papiro.
Esta é outra areia;
essa, não aquela
estrela. Estou nu
da face ao torso,
e danço outra vez
sobre os caninos.
Hora de dizer
a flor e o grito,
o que nasce em mim
é tua carne escura.
Egito, vem
de teu umbigo
ao meu segredo.
ÍNDIA
SÓ A LOUCURA.
Vem, do púbis
às omoplatas,
canta o antigo
sol, sua face
de flama animal
raiando desejosa.
Flor de sândalo,
diz ao tempo:
agora é sempre,
fecha tua asa,
expira em fumo
e cobre. Vêm,
Lakshmi-Naráyana,
flagelar o medo,
fustigar a sílaba
muda, para o
tempo de cristal.
GRÉCIA
UM JOGO
de centauros.
Inflama
o trigo da pele;
grita teu olho,
dos pés à cabeça;
teu olho é pele,
teu olho é sol
de sêmen, desfaz
o rosto na água,
acasala tuas éguas.
Depois, lacera-te,
lapida tua boca,
bebe tua urina.
Arde a terra,
arde a carne.
Então, cala bílis
e fleuma; despido
como um deus,
abraça a deusa
do silente mistério.
PÉRSIA
E NÃO TER mais fim.
Noite é espelho
de teu ventre,
bebe dessa fonte,
cessa toda água;
dança outra música,
nem há cordas
ou sopros, então
rasga tua roupa,
nem há trapos;
chora, não há mais
lágrimas. Fogo, arde
o que me queima;
terra, engole-me
num trago. Só canto
e danço os noventa
e nove nomes
de Allah, e rodopio.
Para que fermente
o vinho; e enlouqueça
em seios brancos;
e não diga nada; nem
saiba onde ou quando,
só amor de amor.
Sei,eu sou tu;
agora,sou eterno.
(Poemas do livro A Sombra do Leopardo. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001.)
A Sombra do Leopardo me foi o portal de passagem para a maturidade poética. Quando li pela primeira vez, algo em mim foi estraçalhado para sempre. Nasceu-me um conceito novo, retirou-me o "balaio" em que me criava, capiau a anos-luz da melhor poesia. Abraços!
ResponderExcluirCaro Wilson, grato pela mensagem. Escrevi os poemas desse livro quase num jorro, ao longo de um mês. Depois, revisei algumas peças. O livro recebeu o prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira, oferecido pela revista CULT, em 2001, e foi resenhado em vários jornais. Não considero esse o meu melhor trabalho, mas é o que obteve melhor recepção crítica. Um abraço do
ResponderExcluirClaudio
E qual você considera seu melhor trabalho?
ResponderExcluirMarcos, o próprio autor é sempre suspeito para falar de sua obra, mas acredito que Letra Negra (São Paulo: Arqueria, 2009) seja a melhor coisa que escrevi até hoje. Por enquanto. Abraço do
ResponderExcluirCD