CHAMADO DO DESEJOSO
Desejoso é aquele que foge de sua mãe.
Despedir-se é cultivar um orvalho para uni-lo com a secularidade da saliva.
A profundidade do desejo não vai até o seqüestro do fruto.
Desejoso é deixar de ver sua mãe.
É a ausência do acontecido de um dia que se prolonga
e é à noite que essa ausência vai afundando como uma faca.
Nessa ausência se abre uma torre, nessa torre dança um fogo oco.
E assim se alarga e a ausência da mãe é um mar tranquilo.
Porém, o fugidio não vê a faca que lhe pergunta,
é da mãe, dos seguros postigos, de quem se foge.
O descendido em sangue antigo soa vazio.
O sangue é frio quando desce e quando se espalha em círculo.
A mãe é fria e está perfeita.
Se é pela morte, seu peso é duplo e não mais nos solta.
Não é pelas portas onde se assoma nosso abandono.
É por uma clareira onde a mãe segue andando, mas já não nos segue.
É por uma clareira, ali se cega e então nos deixa.
Ai do que não anda esse andar onde a mãe já não o segue, ai.
Não é desconhecer-se, o conhecer-se segue furioso como em seus dias,
mas segui-lo seria queimarem-se os dois em uma só árvore,
e ela gosta de olhar a árvore como uma pedra,
como uma pedra com a inscrição de antigos jogos.
Nosso desejo não é alcançar ou incorporar um fruto ácido.
O desejoso é o fugitivo
e das cabeçadas com nossas mães cai o planeta centro de mesa
e de onde fugimos, se não é de nossas mães que fugimos,
que nunca querem recomeçar o mesmo naipe, a mesma noite de
igual ilharga descomunal?
AH, QUE VOCÊ ESCAPE
Ah, que você escape no instante
em que já tinha alcançado sua melhor definição.
Ah, minha amiga, não queira acreditar
nas perguntas dessa estrela recém-cortada,
que vai molhando suas pontas em outra estrela inimiga.
Ah, se fosse certo que, à hora do banho,
quando, em uma mesma água discursiva,
se banham a imóvel paisagem e os animais mais finos:
antílopes, serpentes de passos breves, de passos evaporados,
parecem entre sonhos, sem ânsias levantar
os mais extensos cabelos e a água mais recordada.
Ah, minha amiga, se no puro mármore das despedidas
tivesse deixado a estátua que poderia nos acompanhar,
pois o vento, o vento gracioso,
se estende como um gato para deixar-se definir.
Traduções: Claudio Daniel
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