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Quem de nós inventou o outro ?
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Rosto furador de muralhas.
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Tua cabeleira de laranjas no vazio do mundo
No vazio dos vitrais pesados de silêncio
E de sombra onde minhas mãos nuas buscam todos os teus reflexos.
A forma do teu coração é quimérica
E teu amor se assemelha a meu desejo perdido.
Ó suspiros de âmbar, sonhos, olhares.
Mas tu não estiveste sempre comigo. Minha memória
Ainda está obscurecida por tê-la visto chegar
E partir. O tempo se serve das palavras como o amor.
Fechei-me em meu amor, sonho
NÃO MAIS PARTILHAR
à G.
Na noite da loucura, nu e claro,
O espaço entre as coisas possui a forma de minhas palavras,
A forma das palavras de um desconhecido,
De um vagabundo que desata a cintura de sua garganta
E pega os ecos pelo laço.
Entre árvores e barreiras,
Entre muros e mandíbulas,
Entre essa grande ave trêmula
E a colina que a oprime,
O espaço possui a forma de meus olhares.
Meus olhos são inúteis,
O reino do pó acabou,
A cabeleira da estrada pôs seu manto rígido,
Ela não foge mais, não me mexo mais,
Todas as pontes estão cortadas, o céu nelas não passará mais,
Posso então não ver mais nelas.
O mundo se destaca de meu universo
E, bem no cume das batalhas,
Quando a estação do sangue murcha em meu cérebro,
Distingo o dia dessa claridade de homem
Que é a minha,
Distingo a vertigem da liberdade,
A morte da embriaguez,
O sono do sonho.
Ô reflexos sobre mim mesmo ! Ô meus reflexos sangrentos !
Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho
(Mais poemas de Éluard, Breton, Artaud, Péret e outros surrealistas na Zunái de dezembro...)
Paul Éluard, pseudônimo de Eugène Grindel (1895-1952), poeta francês. Na juventude, participou em Paris de movimentos de vanguarda como o dadaísmo e o surrealismo. Depois, durante a II Guerra Mundial, apoiou a Resistência contra o nazismo e engajou-se nas fileiras do Partido Comunista Francês (PCF), escrevendo poemas de inspiração política e de exaltação da mulher amada. Entre suas obras principais estão Os animais e seus homens (1920), Capital da dor (1926), O amor, a poesia (1929), Os olhos férteis (1936), Ao encontro alemão (1944) e Uma lição de moral (1949).
ResponderExcluirEste poema de Éluard foi dedicado a G. Suponho que seja a Gala, sua mulher que Salvador Dali "roubou".
ResponderExcluir... é, o Dali era danado, não brincava em serviço... abraço,
ResponderExcluirCD
Segundo li "algures", sobre um dos maiores poemas do autor:
ResponderExcluir"Liberté", de Paul Éluard, carrega consigo o peso da História. Escrito em 1942, com o título 'Une Seule Pensée' (Um Único Pensamento), foi transportado clandestinamente da França, ocupada pelos nazistas, para a Inglaterra.
Em 1943, traduzido para vários idiomas, o poema foi distribuído como um panfleto, lançado por aviões aliados nos céus da Europa conflagrada.
O responsável por contrabandear essa preciosidade da França ocupada para a Inglaterra foi um brasileiro, o pintor pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Em reconhecimento a essa proeza, Dias foi condecorado pelo governo francês com a Ordem Nacional do Mérito, em 1998.
Além do ato heróico de Cícero Dias, Éluard tem outro ponto de contato com o Brasil. Em 1913-14, foi colega do poeta Manuel Bandeira num sanatório em Clavadel, na Suíça, onde ambos se tratavam de tuberculose.
Bandeira, juntamente com Drummond, ainda nos anos 40, fizeram uma tradução do poema a quatro mãos."
Beijos, Claudio.