Sou rio, serpente,
corro para onde quero, sozinha,
para longe corro
Sou perfume de óleo fervente,
ervas, flor, semente
em viva brasa.
Do meu fogo morro.
Não há fogo de sol nascente,
não há fogo de sol ardente
que se compare à labareda minha.
Olha os meus braços que seguem na minha frente,
finas cordas de seda muito seguras,
olha o meu vasto cabelo sombrio,
que é uma vela redonda de noite e de vento
Olha o meu corpo como um navio
cortando as horas escuras
e a louca espuma fosforescente...
Olha na minha boca o mel das tamareiras...
(...)
Minhas pernas são altas, leves e ligeiras
são minhas pálpebras tendas franjadas
e a sombra das caravanas se deita nas minhas olheiras.
Há nos meus olhos verdes luas levantadas
que escutam passar sedentas feras.
(Do livro Oratório de Santa Maria Egipcíaca. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006)
Este livro-poema de Cecília Meireles foi escrito em 1956, mas publicado pela primeira vez postumamente, em 1996. Confesso não ser um leitor entusiasmado da obra de Cecília, mas gostei muito desse poema, construído na forma de poema dramático, para ser cantado no palco, com acompanhamento instrumental. Há versos belíssimos aqui, de muita plasticidade e força sonora. Cecília escreveu mais de 30 livros, e há redundância e oscilação de qualidade entre eles, como notou Mário Faustino, mas, em seus acertos, ela conseguiu imensos resultados.
ResponderExcluirCaro Claudio
ResponderExcluirqueria apenas relembrar..que a Cecília Meireles dialogou substancialmente com os simbolistas portugueses e os seus poemas foram cantados pela Grande Amália
grande abraço
Caro Luís, é verdade, acredito mesmo que Cecília seja uma poeta neo-simbolista, distante das questões trazidas pela modernidade. Tem bons poemas, especialmente em Mar Absoluto, Viagem e no Romanceiro, mas não está entre os meus autores favoritos (da geração modernista, prefiro Oswald, Raul Bopp e Murilo Mendes). Curioso, recebi há pouco tempo um CD com poemas de autores portugueses cantados pela Amália, que aprecio muito. O abraço do
ResponderExcluirCD