domingo, 19 de julho de 2009
DO LIVRO POETA EM NOVA YORK (VIII)
PAISAGEM DA MULTIDÃO QUE VOMITA
Anoitecer de Coney Island
A mulher gorda vinha na frente
arrancando as raízes e molhando o pergaminho dos tambores;
a mulher gorda
que vira pelo avesso os polvos agonizantes.
A mulher gorda, inimiga da lua,
corria pelas ruas e pisos desabitados
e deixava pelos cantos pequenas caveiras de pomba
e levantava as fúrias dos banquetes dos últimos séculos
e chamava o demônio do pão pelas colinas do céu arrasado
e filtrava uma ânsia de luz nas circulações subterrâneas.
São os cemitérios, eu sei, são os cemitérios
e a dor das cozinhas enterradas sob a areia,
são os mortos, os faisões e as maçãs de outra hora
os que nos pressionam a garganta.
Chegavam os rumores da selva do vômito
com as mulheres vazias, com meninos de cera quente,
com árvores fermentadas e camareiros incansáveis
que servem pratos salgados sob as harpas da saliva.
Sem remédio, meu filho, vomita! Não há remédio.
Não é o vômito dos hussardos sobre as tetas da prostituta,
nem o vômito do gato que engoliu uma rã por descuido.
São os mortos que arranham com suas mãos de terra
as portas de pederneira onde apodrecem nublados e sobremesas.
A mulher gorda vinha na frente
com as pessoas dos barcos, das tabernas e dos jardins.
O vômito agitava delicadamente seus tambores
entre algumas meninas de sangue
que pediam proteção à lua.
Ai de mim! Ai de mim! Ai de mim!
Esta visão minha foi minha, mas já não é minha,
esta visão que treme despida pelo álcool
e despede barcos incríveis
pelas anêmonas dos cais.
Defendo-me com esta visão
que mana das ondas por onde a aurora não se atreve,
eu, poeta sem braços, perdido
entre a multidão que vomita,
sem cavalo efusivo que corte
os espessos musgos de minhas faces.
Porém a mulher gorda seguia na frente
e as pessoas buscavam as farmácias
onde o amargo trópico se fixa.
Só quando içaram a bandeira e chegaram os primeiros cães
a cidade inteira se agrupou nas galerias do embarcadouro.
New York, 29 de dezembro de 1929.
Tradução: Claudio Daniel
Caro poeta e tradutor,
ResponderExcluirleio a sua traduç~ao e a do José Bento, na editora Relógio d'Água.
O que digo: ambas s~ao excelentes!
Gostei.
Luís Costa
Caro,
ResponderExcluirconhecia a tradução, bem antiga, do Oscar Mendes. Mas a sua é genial porque mantém a dicção inigualável do Lorca.
Grato