quarta-feira, 31 de julho de 2013

SEMANA DA CULTURA JAPONESA NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO



O Centro Cultural São Paulo realizará a Semana da Cultura Japonesa entre os dias 29 de agosto e 01 de setembro, incluindo exposição de ikebana, recital de poesia e música clássica japonesa, demonstração de artes marciais e um concurso de haicais, forma poética japonesa composta de três versos e temática relacionada com as estações da natureza. Situado nas proximidades da Liberdade, bairro de São Paulo que concentra expressiva comunidade nipônica, o Centro Cultural São Paulo presta homenagem aos imigrantes japoneses e seus descendentes, que participaram ativamente da construção da economia paulista e de sua diversidade social, cultural e religiosa. No dia 29 de agosto, acontecerá a abertura da exposição de ikebana, realizada anualmente no CCSP, com vários estilos tradicionais dessa arte de arranjos florais. No dia 30, será realizado o evento Poesia dos 4 Cantos: Noite Japonesa, com a leitura de poemas clássicos japoneses traduzidos para o português e a apresentação de música tradicional, com instrumentos como o taiko (tambor),  o shakuhati (flauta), o shamizen e o koto. No dia 31, acontecerá o XXIV Encontro de Haicai, promovido pelo Grêmio Haicai Ipê e pelo CCSP, concurso aberto a todos os praticantes dessa modalidade de poesia japonesa, com distribuição de prêmios aos vencedores. Por fim, no dia 01 de setembro, domingo, será feita uma demonstração de artes marciais e música tradicional japonesa na Sala Adoniran Barbosa, dentro da programação do ciclo Transversos. 

Confiram abaixo a programação completa da Curadoria de Literatura e Poesia do Centro Cultural São Paulo para o mês de agosto:

Menu de Poesia

Recital dedicado aos poetas africanos de língua portuguesa e afrodescendentes, organizado por Maria Alice Vasconcelos. Haverá uma breve palestra por Edson Cruz e leituras poéticas por Abreu Paxe, Célia Ábila, Charles Gentil, Diogo Cardoso, Fabiano Fernandes Garcez, Ivan Carlos Regina, José Geraldo Neres, Leo Gonçalves, Luiz Ariston Dantas, Maria Fátima Araújo Vieira, Rita Alves. Participação especial da Faculdade Zumbi dos Palmares com a presença de uma turma de alunos e breve palestra sobre literatura africana pelo Reitor José Vicente e pela Profa Ma. Ellen de Lima Souza.

Quinta-feira, dia 08/08/2013, das 20h30 às 22h 

Sala Adoniran Barbosa


Poemas à Flor da Pele

Sarau poético realizado pelo grupo Poemas à Flor da Pele, com a participação da cantora Lydia Venturelli, do pianista César Pinnes, do cantor e compositor Davi Caldeira, das bailarinas Silvana Santos, Roberta Minieri, Cibeli Parent Nana Crivilin, Mafa Junqueira e da oficineira Yara Camillo (Oficina Dois Tempos – Teatro e Poesia). Haverá também o lançamento de livros de poesia de novos autores.

Sexta-feira, dia 23/08/13, das 19h às 20h30  

Sala Adoniran Barbosa


Poesia dos 4 Cantos: Noite Japonesa

Poesia dos Quatro Cantos é uma atividade mensal dedicada à divulgação da poesia internacional, num formato que inclui a leitura com danças e músicas típicas de cada país, nos intervalos das leituras. Em agosto, será feita a apresentação de uma Noite Japonesa com o poeta Alex Dias, com a participação do grupo de taiko Fakura Fubuki e dos músicos da Asociação Cultral de Koto Miyagui do Brasil

Sexta-feira, dia 30/08/13, das 20h30 às 22h 

Praça Mário Chamie


24º. Encontro de Haicai

Concurso de haicais promovido pelo Grêmio Haicai Ipê e pelo Centro Cultural São Paulo aberto a todos os poetas praticantes dessa modalidade poética. Os resultados serão divulgados no final do evento e os vencedores receberão como prêmios livros de poesia. O haicai é uma forma poética japonesa clássica composta de três versos, com métrica aproximada de 5-7-5 sílabas e referência à estação do ano (kigo). Haverá um calígrafo japonês na ocasião, que distribuirá poemas caligrafados em kanjis aos participantes.

Sábado, dia 31/08/13, das 14h às 17h 

Praça Mário Chamie

ALTAZOR, A DEMOLIÇÃO SÍSMICA DO TEXTO


Vicente Huidobro (1893-1948) é o Colombo da nova poesia na América Latina. Depois da renovação modernista de Rubén Darío nas letras castelhanas, coube ao poeta chileno dar o passo seguinte, assimilando os recursos formais  do futurismo, do cubismo e do surrealismo de maneira original e ousada. Em Poemas Árticos e Equatorial (ambos de 1918), ele incorporou as "palavras em liberdade" de Marinetti, suprimiu os sinais de pontuação, trabalhou a collage e o caligrama à maneira de Apollinaire, em grafismos  icônicos que  estão na   gênese da poesia visual. Em Temblor de Cielo (1931), ensaiou um poema em prosa construído como uma sequência de flashes, de imagens alucinadas que recordam a pintura de Chagall. Sua obra central, no entanto, é Altazor (1931), um poema longo em sete cantos em que o poeta operou a gradual desconstrução do texto, sinalizando a dissolução do pensamento e da linguagem — e, portanto, da consciência — no caos do barbarismo tecnizado contemporâneo. Essa é uma elegia à orfandade espiritual do homem moderno, o cântico da "Queda", após o pecado original: lírica sísmica, feita de abalos e rupturas.

Huidobro dedicou-se a este poema-limite, redigido primeiro em francês e depois em espanhol, de 1919 a 1931; é, assim, um work in progress desenvolvido entre as duas guerras mundiais. Alguns críticos censuram em Altazor uma suposta descontinuidade, a falta de unidade entre as partes, pela diversidade estilística; o Canto I, o mais extenso, com cerca de 700 versos, é discursivo, fluente, ao passo que nos Cantos seguintes o discurso vai sendo dilacerado, com o emprego de neologismos, palavras-montagem, onomatopéias, até a fragmentação fonética e a irrupção do "transmental" (ou zaúm) no Canto VII. Essa aparente "desordem" na estrutura textual do poema revela, justamente, o seu princípio normativo e ideológico: a coisificação do caos, da quebra, da ruptura. Altazor, assim como Trilce, de Vallejo, e os Cantos, de Pound, é uma sucessão de epifanias, de mementos, uma montagem de ideogramas em profusão.

Conforme Bernardo Ruiz, "ao longo de cada Canto se desenvolverão sete diferentes temas: no primeiro, a Queda; no segundo, a Mulher; o Suicídio é o terceiro. A Separação, a Morte e a Noite compõem o quarto Canto, enquanto o quinto descreve o Além e a consciência: o transmundo. Finalmente, os dois últimos Cantos descrevem a aniquilação dos sentidos e da consciência, quer dizer, da linguagem".  Altazor tem como subtítulo "A viagem em pára-quedas", indicando desde aqui o tema da viagem como queda, precipitação. A angústia do personagem, conforme Guillermo Sucre, é "a impossibilidade de uma aspiração ao absoluto", pela morte de Deus (anunciada por Nietzsche em Assim Falava Zaratustra). Em sua solidão existencial e metafísica, abalada ainda pela guerra e pela ausência de uma utopia, ele encontra refúgio na Mulher amada e posteriormente, na Morte: a dissolução, na Noite, de toda consciência . O desejo de aniquilamento, de mergulhar no Vazio original anterior à Criação (um tema caro ao romantismo alemão, de Novalis a Wagner), se manifesta esteticamente na fraturamento dos corpos verbais. A destruição, porém, tem a sua contraparte dialética, que é a criação de uma nova linguagem _ e, portanto, de uma nova realidade — a partir da remodelagem das partículas semânticas, numa quase que nova língua.


Essa tendência inicia-se no Canto V ("Não há tempo a perder”), em que Huidobro transforma substantivos em verbos e verbos em substantivos; altera a função e o gênero dos objetos e das palavras; cria neologismos pela amálgama de termos (“mandolina” + "ventania" = "mandonia"); tece sequências rítmicas  de paronomásias a partir dessas recombinações semânticas (“La goloniña/ La golongira/ La golonlira" etc) ; e introduz, já no Canto IV, o tema "zaúm", à maneira de Khlébnikov: "Uiu uiui/ Tralalí tralalá/ Aia ai ai aaia i i". O Canto V dá continuidade a essa progressiva dilapidação do sentido nas rimas monocórdicas da seção central do Canto: "Molino de viento / Molino de aliento/ Molino de cuento/ Molino de intento". Porém, é nos Cantos VI e VII que a dissolução/reconstrução verbal chega a seu ponto máximo. Aqui, Huidobro realiza plenamente o ideário do Criacionismo, que ele formulou pela primeira vez no manifesto Non Serviam, lido no Ateneo de Santiago em 1914: “Podemos criar novas realidades num mundo nosso, num mundo que espera sua fauna e flora próprias". Das ruínas da lógica verbal fraturada, ele ergue um novo edifício, estranho,  irreal, inquietante, desafiadoramente belo.

Essa arquitetura prometeica tem início no Canto VI.  Essa seção do poema sugere uma irrupção de imagens, de ideogramas justapostos ("Vento flor/ seda cristal lento seda"). O discurso é abolido; não há verbos nem sintaxe; o poeta pulveriza a relação causa-efeito e a sucessão início-meio-fim, usando de uma lógica sincrônica; não há sujeito, nem ação, nem objeto. O texto todo é construído como uma tapeçaria, um mosaico ou mandala, em que o encadeamento de substantivos, de idéias-coisas recriadas ("cristal olho cristal seda cristal nuvem") oferece a contemplação do sagrado: a epifania. Esse aspecto de eternidade é reforçado pela ausência de qualquer noção de espaço-tempo. Huidobro, "antipoeta e mago", faz da poesia a sucessora da religião como mediadora entre os homens e o eterno.

O Canto VI  é construído numa rigorosa estrutura musical. Conforme René da Costa, "ao pronunciá-lo, percebemos padrões rítmicos da poesia tradicional (...). O octassílabo e a repetição de fórmulas características do romance servem como unificadores do ritmo, criando a ilusão de poesia". Essa “ilusão” refere-se, sem dúvida, ao efeito paródico criado pelo poeta, que, ao adotar uma melodia de inspiração folclórica, insinua um lirismo impossível em um texto tão abstrato quanto este. De todo modo, essa seção do poema, se é "estranha", "bizarra", "incompreensível", ainda "parece" poesia. O golpe de misericórdia é dado no Canto VII, em que Huidobro destrói a ilusão lírica e disseca a palavra em fonemas e letras, recombinando-as em neologismos impronunciáveis. Neste Canto, Huidobro se aproxima dos experimentos dadaístas e da linguagem transmental, ao mesmo tempo em que, pelo rigor arquitetônico na disposição espacial, pelo uso do princípio do ideograma na construção das palavras-valise e pela tessitura sonora polifônica, antecipa processos  da poesia concreta.

O Canto VII começa com um jogo de vogais que recorda a onomatopéia e a linguagem das crianças: "Ai aia aia/ ia ia ia aia ui". Aqui, ele utiliza apenas três letras (a, i, u), combinando-as  de quatro modos diferentes (Ai, aia, ia, ui). Em seguida, prossegue a ladainha infantil, similar à linguagem das histórias em quadrinhos: "Tralali/ Lali/ Lalá". Chamar isto de poesia, para alguns, seria uma afronta. De fato, há aqui uma bufoneria paródica que dessacraliza a "seriedade" da poesia, pela incorporação/transformação do banal, como Joyce faria, mais tarde, no Finnegans Wake. Após essa "introdução", o texto evolui  numa seqüência de palavras-montagem construídas a partir de fonemas de substantivos e sons abstratos inventados pelo autor: "monluztrela" (montanha + luz + estrela), "eternauta" (éter + nauta), "ululacente" (ulular + sufixo ente) etc. O próprio nome "Altazor", diga-se de passagem, é uma palavra composta: "alto" + "azor" (açor). O final do poema remete ao tom infantil do início:  "Lalali/ io ia/ i i i o/ Ai a i ai a i i i i o ia", em que o espaçamento entre as vogais e sílabas indica as pausas na leitura.

Apesar da aparente incomunicabilidade do texto, que não possui qualquer nexo lógico em termos cartesianos, o que surpreende é a sua capacidade de oferecer múltiplas possibilidades de leitura. É uma obra aberta que, em sua extrema concisão (apenas 65 linhas, divididas em duas páginas), concentra o máximo de informação com o mínimo de recursos. Em Huidobro, como em Joyce e Cummings, há uma inflação de significados. Esse aparente paradoxo do comunicável/incomunicável, aliás, é o emblema de toda a poesia de invenção, desde Mallarmé até os dias de hoje. Como sempre, o “incomunicável” torna-se "comunicável" após ser ingerido/digerido pela indústria cultural e retransmitido, diluído, como produto de cultura de massa ("mó, num pa tro pi"). O tabu se transforma em totem. 

(1992)

FRAGMENTOS DE ALTAZOR / ALTAÇOR


Do Canto I

Altazor, por que perdeste tua primeira serenidade?
Que anjo mau parou à porta de teu sorriso
Com a espada em punho?
Quem semeou a angústia nas planícies de teus olhos como
    o adorno de um deus?
Por que um dia de repente sentiste o terror de ser?
E esta voz que te gritou vives e não te vês viver
Quem fez convergir teus pensamentos na encruzilhada de todos
    os ventos da dor?
Se rompeu o diamante de teus sonhos em um mar de estupor
Estás perdido Altazor
Só em meio ao universo
Só como uma nota que cresce nas alturas do vazio

Não há bem não há mal não há verdade nem ordem nem beleza

Onde estás, Altazor?

A nebulosa da angústia passa como um rio
E me arrasta segundo a lei das afinidades
A nebulosa solidificada em aromas foge de sua própria solidão
Sinto um telescópio que me apontam como um revólver
A cauda de um cometa me açoita o rosto e passa repleta de
    eternidade
Buscando infatigável um lago quieto onde possa  refrescar sua
    tarefa ineludível

Altazor morrerás Secará tua voz e serás
invisível
A Terra seguirá girando sobre sua órbita precisa
Temerosa de um tropeção como o equilibrista sobre
o arame
que ata as visões do pavor.
Em vão buscas olho enlouquecido
Não há porta de saída e o vento desloca os
planetas
Pensas que não importa cair eternamente se
consegues escapar
Não vês que estás caindo, já?
Limpa tua cabeça de preconceito e moral
E se querendo alçar-te nada tens alcançado
Deixa-te cair sem deter tua queda sem medo ao fundo
da sombra
Sem medo ao enigma de ti mesmo
Talvez encontres uma luz sem noite
Perdida nas gretas dos precipícios

Cai
Cai eternamente
Cai ao fundo do infinito
Cai ao fundo do tempo
Cai ao fundo de ti mesmo
Cai o mais baixo que se possa cair
Cai sem vertigem
Através de todos os espaços e de todas as idades
Através de todas as almas de todos os anelos e
todos os naufrágios

Cai e queima ao passarem os astros e os mares
Queima os olhos que tem vêem e os corações que
te aguardam
Queima o vento com tua voz
O vento que se enreda em tua voz
E a noite que tem frio em sua gruta de ossos

Cai em infância
Cai em velhice
Cai em lágrimas
Cai em risos
Cai em música sobre o universo
Cai de tua cabeça a teus pés
Cai de teus pés a tua cabeça
Cai do mar à fonte
Cai ao último abismo do silêncio
Como o barco que afunda apagando suas luzes

Do Canto II 

Mulher o mundo está mobiliado por teus olhos
O céu se faz mais alto em tua presença
A terra se prolonga de rosa em rosa
E o ar se prolonga de pomba em pomba

Ao ir, deixas uma estrela em teu lugar
Deixas cair tuas luzes como o barco que passa
Enquanto te segue meu canto embruxado
Como uma serpente fiel e melancólica
E tu voltas a cabeça atrás de algum astro

Que combate se trava no espaço?
Essas lanças de luz entre planetas
Reflexo de armaduras desapiedadas
Que estrela sanguinária não quer ceder o passo?
Onde estás triste noctâmbula
Doadora de infinito
Que passeia no bosque dos sonhos

Eis-me aqui perdido entre mares desertos
Só como uma pluma que cai de um pássaro na
noite
Eis-me aqui em uma torre de frio
Abrigado da lembrança de teus lábios marítmos
Da lembrança de tuas complacências e de tua
cabeleira
Luminosa e desatada como os rios de montanha 
Irias ser cega, e por isso Deus te deu essas mãos?
  
Do Canto III

Basta senhora harpa das belas imagens
Dos furtivos comos iluminados
Outra coisa outra coisa buscamos
Sabemos pousar um beijo como um olhar
Plantar olhares como árvores
Enjaular árvores como pássaros
Regar pássaros como heliotrópios
Tocar um heliotrópio como uma música
Esvaziar um música como um saco
Degolar um saco como um pingüim
Cultivar pingüins como vinhedos
Ordenar um vinhedo como uma vaca
Desmastrar vacas como veleiros
Pentear um veleiro como um cometa
Desembarcar cometas como turistas
Enfeitiçar turistas como serpentes
Colher serpentes como amêndoas
Desnudar uma amêndoa como um atleta
Cortar atletas como ciprestes
Iluminar ciprestes como faróis
Anidar faróis como calhandras
Exalar calhandras como suspiros
Bordar suspiros como sedas
Derramar sedas como rios
Tremular um rio como uma bandeira
Desplumar um bandeira como um galo
Apagar um galo como um incêndio
Vogar em incêndios como em mares
Segar mares como trigais
Replicar trigais como campânulas
Dessangrar campânulas como cordeiros
Desenhar cordeiros como sorrisos
Engarrafar sorrisos como licores
Engastar licores como jóias
Eletrizar jóias como crepúsculos
 Tripular crepúsculos como navios
Descalçar um navio como um rei
Enforcar reis como auroras
Crucificar auroras como profetas
Etc. etc. etc.
Basta senhor violino afundado em uma onda onda
Cotidiana onda de religião miséria
De sonho em sonho possessão de pedrarias
  
Do Canto IV

Olho por olho
Olho por olho como hóstia por hóstia
Olho árvore
Olho pássaro
Olho rio
Olho montanha
Olho mar
Olho terra
Olho lua
Olho céu
Olho silêncio
Olho solidão por olho ausência
Olho dor por olho riso.
Não há tempo a perder
E se vem o instante prosaico
Siga o barco que é acaso o melhor.
Agora que me sento e me ponho a escrever
Que faz a andorinha que vi esta manhã
Firmando cartas no vazio?
Quando movo o pé esquerdo
Que faz com seu pé o grande mandarim chinês?
Quando acendo um cigarro
Que fazem os outros cigarros que vêm no barco?
Onde está a planta do fogo futuro?
E se eu levanto os olhos agora mesmo
Que faz com seus olhos o explorador de pé no
pólo?
Eu estou aqui
Onde estão os outros?


Do Canto V

A montanha enfeitiçada  por um rouxinol
Segue o mel do osso envenenado
Pobre osso de pele de osso envenenado pela noite
boreal
Foge que foge da morte
Da morte sentada à margem do mar

A montanha o montanho
Com seu luo e com sua lua
A flor florescida e o flor florescendo
Uma flor que chamam girassol
E um sol que se chama giraflor

O pássaro pode esquecer que é pássaro
Por causa do cometa que não vem
Por medo do inverno ou de um atentado
O cometa que devia nascer de um telescópio e
uma hortênsia
Que acreditou olhar e era olhado
Um aviador se mata sobre o concerto único
E o anjo que se banha em algum piano
Volta outra vez envolto em sons
Buscando o receptor nos picos
De onde brotam as palavras e os rios

Os lobos fazem milagres
Nas pegadas da noite
Quando o pássaro incógnito se nubla

E pastam as ovelhas no outro lado da lua

 Do Canto VI

 Vento flor
                 lento nuvem lento
Seda cristal lento seda
O magnetismo
                        seda alento cristal seda
Assim viajando em postura de ondulação
Cristal nuvem
Molusco sim por violoncelo e jóia
Morte de jóia e violoncelo
Assim sede por fome ou fome e sede
E nuvem e jóia
Lento
           nuvem
            Ala ola ole ala Aladim
O ladino Aladin Ah ladino dino la
Cristal nuvem
Aonde
              de onde
lento lenta
            ala ola
Ola ola o ladino sim ladino
Pedes olhos
                     Tenho nácar
E na seda cristal nuvem
Cristal olhos
                     e perfumes
Bela tenda
Cristal nuvem
                       morte jóia ou em cinza
Porque eterno porque eterna
                                          lento lenta
Ao acaso do cristal olhos
Graça tanta
                     e entre mares
Miramares
Nomes dava
                      pelos olhos folhas mago
Alto alto
E o clarim de Babel
Pede nácar
                    tenho morte
Um dois e quatro morte
Para o olho e entre mares
Para o barco nos perfumes
Pela jóia ao infinito
Vestir o céu sem desmaio

DOIS FRAGMENTOS DE TREMOR DE CÉU / TEMBLOR DE CIELO


    Vestida de branco, Isolda vinha como uma nuvem. Então a lua começou a cair envolta em chamas. E nas praias dançava um reflexo de fogo.
    Os espectros saem um a um de cada onda que se levanta. Vocês que estão aí escondidos, chegou a hora de tremer ante a voracidade da morte.
    O sol poente faz uma auréola sobre a cabeça do último náufrago que flutua à deriva sem ouvir mais os cantos da margem.
    Os lobos passeiam com os olhos brilhantes entre os ramos da noite, enlaçados estreitamente e chorando sem causa precisa.
    O homem aquele, maior que os outros, abre a boca no meio do jardim e começa a tragar vagalumes durante horas inteiras.
    As árvores estão retorcidas por causa de uma dor estranha. E uma quantidade de meteoros que caem do céu formam espirais em nossa atmosfera como se fossem pedras na água.
    O fumo espesso sai de todos os lados. Agora só brilham os olhos dos lobos e o homem cheio de vagalumes. Todo o resto é penumbra.
    A montanha abre suas portas e o cego entra com os braços estendidos.
    Há uma árvore, uma grossa árvore que se retorce no fogo do crepúsculo.
    Acima, Deus está embalando um planeta recém-nascido.
      Caem estrelas sobre a terra. Uma após outra vão caindo centenas de auréolas sobre a terra, algumas sobre certas cabeças...E nada mais?
    Uma ilha de palmeiras surge do mar para os noivos que passeiam enlaçados.
    Algum dia um deles encontrará a cabeça que havia perdido, imóvel no mesmo lugar em que a perdera.
    Quando? Onde? Qual deles?
  
* * *

     Todas essas mulheres são árvores ou pedras de repouso no caminho, talvez desnecessárias.
    Garrafas de água ou tonéis de embriaguês geralmente sem luz própria. Obedecem como as catedrais a um princípio musical. Cada acorde tem seu correspondente e tudo consis-te em saber tocar o ponto do eco que há de responder. É fácil fazer tecidos de sons e construir um verdadeiro teto ou magníficas cúpulas para os dias de chuva.
    Se o destino permite, podemos abrigar-nos por um tempo e contar os dedos daquela que nos estende os braços.
    Logo o fantasma nos obrigará a seguir a marcha. Saltaremos por cima dos seios palpitantes que são suas cú-pulas porque ela estendida de costas imita um templo. Melhor dizendo, são os templos que imitam a elas, com suas torres como seios, sua cúpula central como cabeça e sua porta como querendo imitar o sexo por onde se entra em busca da vida que pulsa no ventre e por onde deve sair depois a mesma vida.
    Porém, nós não temos de aceitar semelhante imitação nem podemos crer em tal vida. Nesta vida que sai com os olhos vendados e vai estrelando-se em todas as árvores da paisagem. Só acreditaremos nas flores que são berços de gigantes, embora saibamos que dentro de cada casulo dor-me um duende.


Vicente Huidobro

Tradução: Claudio Daniel


EU CONFESSO


Anarcofascistas queimam bandeiras do Brasil e de São Paulo em ato de vandalismo ontem, na Avenida Paulista.  


Nasci em 1962, durante o curto governo democrático de João Goulart; dois anos depois, acontece o golpe militar, e em 1968 é promulgado o AI-5 (um dos autores do ato institucional foi o general Lira Tavares, que mais tarde seria eleito para a Academia Brasileira de Letras, por causa de um volume de versos que assinou com o pseudônimo de Adelita). Eu tinha 16 anos de idade quando começaram as greves operárias no ABC paulista, desafiando a ditadura militar e os patrões. O resultado político dessas greves foi o enfraquecimento do regime, a "abertura" política e o surgimento de novos partido, como o PT -- Partido dos Trabalhadores -- criado por Lula e outros sindicalistas que lideraram as greves no ABC. Os estudantes, na época (eu estudava Jornalismo na Cásper Líbero, depois fiz Filosofia, na USP) apoiavam maciçamente o PT, assim como a maioria dos intelectuais de esquerda e setores da Igreja Católica ligados à Teologia da Libertação e lideranças rurais que estavam surgindo, e que mais tarde formaram o MST -- Movimento dos Sem Terra. A resistência à ditadura militar aconteceu também na forma da luta armada, como na região do Araguaia, liderada pelo Partido Comunista do Brasil -- PC do B -- e em movimentos contra a carestia. Em 1982, aconteceram eleições diretas para governador, e a oposição venceu na maioria dos estados; dois anos depois, surgiram as grandes manifestações por Eleições Diretas-Já, que levaram milhões de brasileiros às ruas. Eu estava lá, como militante (na época) do PT, em todos os comícios, colaborava nas greves e manifestações estudantis. A campanha das diretas não atingiu seu objetivo, mas o regime foi derrotado nas ruas e no Colégio Eleitoral, que elegeu a chapa Tancredo Neves / José Sarney, representantes de setores da burguesia e da direita que tinham a estratégia de fazer uma transição "segura" para a democracia representativa, sem mudanças bruscas na ordem econômica. Em 1989, Lula é o candidato da Frente Brasil Popular (PT - PSB - PC do  para a presidência da república, com um programa socialista bastante avançado, mas é derrotado por Collor de Mello, com apoio ostensivo da Rede Globo e de TODA a mídia. Napoleão de manicômio, Collor confisca as poupanças da classe média brasileira (os milionários foram avisados antes) e inicia o programa neoliberal de privatizações e arrocho salarial, mas é derrotado pelas greves convocadas pela CUT -- Central Única dos Trabalhadores -- e por gigantescas passeatas convocadas pelo PT, PC do B e outros partidos de esquerda, que conseguem obter o impeachment do presidente no Congresso. Nos dez anos seguintes, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, realiza a PRIVATARIA TUCANA -- leilões que ofereceram quase todas nossas empresas estatais ao capital estrangeiro a troco de banana, inclusive empresas lucrativas, como a Vale do Rio Doce, e estratégicas para a segurança nacional, como a Telebrás. Foi o maior crime já praticado contra o patrimônio do povo brasileiro (com generosas propinas que os tucanos depositaram em paraísos fiscais, com farta documentação a respeito no livro de Amaury Jr. O Judiciário brasileiro nunca investigou o caso e TODA a mídia fez de conta que o fato nunca existiu). É nesse contexto histórico que devemos pensar nos dez anos de governos progressistas de Lula e Dilma -- e na importância política de DEFENDERMOS Dilma, que simboliza 50 anos de enormes lutas da nação brasileira.

UM POEMA DE SAMUEL BECKETT


ALBA

antes que amanheça você estará aqui
e Dante e Logos e estratos vários e mistérios
e a lua timbrada
além do branco aeroplano da música
que você há de instalar aqui antes que amanheça.

tumba flou sonora seda
pensa sobre o negro firmamento de areca
chove no bambual flor de fumaça becos de chorões

quem no entanto você arqueia com dedos compassivos
para promover o pó
não somará à tua recompensa
cuja beleza será uma folha estendida rente ao rosto
testemunho de si mesma arrastado pela saraivada de emblemas
para que sem sol ou desvelar-se
ou abrigo
só eu e enfim a folha
sobre uma pilha de mortos


Tradução: Vinícius Marques

(Confiram mais traduções de Samuel Beckett na edição de agosto da Zunái).

POEMAS DE VICTOR SOSA

                                                                                             
                                                                                                                                                                                                     La Luna en su furor siega retinas. Llama ara en sus eddas, sulfurosa. Su craquelado albor en verde jungla ceibas descuaja hondas. La enorme, en su tambor, álgida Luna. Y entre el salvaje, sordo, alto silencio, late atónito un púlsar. Alzan los hombres votivos obeliscos. En perigeo estiran sus escrotos hasta altivos rozar el halo blando. A estribor hembras albas que menstrúan. La brutal Luna quema, desmorona, derrite hasta el titanio. Desde entonces –desde el letal intaglio de Medusa–, el calvo sacerdocio ofrenda imberbes, linfa, arrozales, púrpura. Ni así la Luna muta. Quieta en convexa espera planetoide premedita entre fieltros sus ajorcas. Vendada como geisha en sus muñones nos mina de locura e inocula sobre las caras cráteres. La iluminada histeria de los sabios, qué eléctrica, sazona. No sin razón mareas. Escurre pétrea lava afrodisíaca. La albina al fin del África. La a negra piel tatuada. La al cielo úlcera abierta alerta Luna.

* * *
Oh, palabras no,/ porque todo está vivo: el asombro,
el esplendor,/ el éxtasis,/ el crimen.
                                                              Herberto Helder

                                                                                              Mejor que las palabras, bofetada. Surcos de garras roturando carne. Mejor el delator dolo del beso. Las como sierpes crines infinitas. La carcajada ácrata del loco sobre los glaucos rostros de los cautos. Mejor la álgida fístula del éxtasis. Trepanación o grito. Asma en borborigmos entre belfos. Mucho mejor la espada. La glotis expatriada. El sí de la sonrisa (por qué no). Letal el latigazo del áspid sobre armiño. Parca la piedra pura sudando su aridez. Mejor. Mucho mejor que un verso que no posa, que no arde si yesca, querubín rococó que tose tísico. Miren mudos el río. Moren en ese orden hasta que espasmos habiten cual ácimo pan todo el silencio. Abrásense la lengua en su nonsense. Esto no tiene nombre. Mejor segar de un tajo los dos ojos antes que descifrar, o en un incesto inútil, decir flor.

(Confiram mais poemas de Victor Sosa na edição de agosto da Zunái)

POEMAS DE LUÍS COSTA


A VIRGEM LOUCA  de Donatien-Alphonse
imperando entre máscaras no labirinto do vento

ao anoitecer   as viúvas do Minotauro
trazem-lhe uma taça repleta de um veneno secreto

e entre as pernas põem-lhe finos seixos   para que
sonhe minotauramente.


SISMOGRAFIA

Um grito oceânico
aves que sobem pelos ventrículos da mulher
turbos plantados na sua orfandade

e as estátuas  altas  com o eixo do mistério
ardendo mansamente

em baixo
o homem procura as agulhas perfeitas
a intimidade da estrutura aberta para lhes ser sangue.


ERGUENDO a mão direita
explicou: falo do silêncio
da sua poderosa turbina

devastando a boca do poeta.

  
SENTOU-SE na posição de lótus e disse:

devoram  a brevidade do infinito
na secura do momento que lhes arde nos lábios

e todos os nomes são uma efémera
conspiração nos andaimes do silêncio.
  
  
ESCREVEU: sou um corpo nu
rasgado ao meio
exposto à luz e ao vento

– um arbusto no deserto.

*

DISSE : talvez a palavra poética
seja uma desertificação

– o lento assassinato do eu.

(Confiram mais poemas de Luís Costa na edição de agosto da Zunái)