sexta-feira, 28 de junho de 2013
quinta-feira, 20 de junho de 2013
A BATALHA DAS RUAS
Claudio Daniel
Um novo ator
social surge em cena: o cidadão comum.
Ele não
pertence a movimentos sociais organizados, nem a partidos tradicionais de
esquerda, sindicatos ou a entidades estudantis.
Ele não tem
uma identidade política clara – não é liberal, socialista, comunista, mas
desconfia de todos os partidos, de todos os governos e instituições.
Ele não sabe
exatamente o que deseja – tem um sentimento vago de revolta em relação a “tudo”
– corrupção, tarifas altas do transporte, impostos, código penal, PEC 37, entre
outras coisas – mas não tem clareza do seu objetivo: fazer uma revolução? Para
colocar o quê no lugar do atual regime democrático representativo?
O cidadão
comum acredita naquilo que assiste na televisão e lê nos jornais, participa das
redes sociais, mas não consegue construir com clareza um discurso ideológico,
uma visão geral do mundo.
O cidadão
comum sente-se oprimido pelos fatos e não encontra nenhuma instituição que o
represente.
O cidadão
comum não reconhece as mudanças que aconteceram nos últimos dez anos no Brasil
– saída de 40 milhões de pessoas da situação de miséria, a quase erradicação da
fome no país, a política de estabilidade econômica e baixo índice de desemprego,
o aumento do consumo nas classes populares, a inclusão social de
afrodescendentes, o investimento maciço na educação, entre outras conquistas –
porque não enxerga uma mudança radical no país.
O cidadão
comum aceita o discurso ideológico da grande mídia e dos grupos conservadores.
O cidadão
comum, antes desorganizado, começa a se organizar. Ele não tem ideologia. Não
tem partido. Não tem uma alternativa de poder.
Quem está
atuando nos bastidores, porém – e já saiu às ruas, sem máscaras – tem ideologia,
tem partido e tem alternativa de poder: a extrema-direita, representada por
entidades como o Instituto Millenium, Revoltados On Line, entidades de oficiais
da reserva e outros setores que representam o que há de mais reacionário na
sociedade brasileira.
São estes
setores que usam a frustração popular, o ressentimento, a insatisfação com as
instituições, para chegar ao seu objetivo – derrubar o governo democrático de
Dilma Rousseff e implantar em seu lugar um regime análogo ao de 1964, que
coloque os partidos políticos na ilegalidade (“sem partido, sem partido”,
gritam nas ruas), as centrais sindicais – 20 sindicalistas da CUT foram
agredidos hoje no Rio de Janeiro, militantes petistas foram hostilizados e suas
bandeiras, rasgadas – e todas as demais instituições democráticas dos
trabalhadores e da juventude brasileira.
Por quê não
fechar o Congresso?
Afinal, lá
estão Renan, Sarney, Collor, Maluf e tantos outros corruptos!
Por que não
abolir as eleições?
Afinal, Lula
pode se candidatar de novo, e ainda Dilma, Suplicy, Haddad e outros petistas ou
comunistas.
Para quê
auxílio-detenção?
Preso tem que
morrer! Menor de idade? É bandido, tem de morrer também!
Parada gay?
Nem pensar!
Homossexualismo é doença. O PT quer ensinar as crianças nas escolas a serem
gays e lésbicas! Eles querem a ditadura gay!
Exagero?
Basta sair às
ruas e ouvir o que o homem comum diz.
O homem comum
é fascista?
Ele não sabe
o que é fascismo. Acha que direita e esquerda são a mesma coisa. Ele não quer
pagar impostos, mas o governo – ele pensa – deve oferecer transporte de graça,
saúde e educação para todos, já. Como? Por milagre. Porque – acredita o homem
comum – um presidente pode fazer milagres.
Só há um
porém: não há milagres.
Quando o
homem comum descobrir isso, ele não poderá mais reclamar de NADA.
NÃO PODERÁ
RECLAMAR DE NADA.
Porque quem
reclama é petista ou comunista – e para estes há prisão, tortura, exílio ou
assassinato.
Exagero?
A culpa,
reconheço, não é do cidadão comum.
A culpa é do
PT.
Sim, a culpa
é toda do PT, porque esse partido acreditou sinceramente no respeito às
instituições democráticas, na legalidade, no respeito à ordem, à propriedade
privada, à liberdade de imprensa-empresa.
O PT
acreditou que seria possível melhorar a qualidade de vida de milhões de
brasileiros sem fazer a revolução socialista.
Realmente, em
dez anos de governos progressistas, houve imensas conquistas, muito mais do que
nos últimos 50 anos da política brasileira.
Mas ninguém
contou isso ao cidadão comum, porque o PT não quis implementar a Lei de Mídia,
permitiu que a imprensa burguesa o atacasse diariamente, sem fazer
absolutamente nada.
O PT permitiu
que o Poder Judiciário permanecesse nas mãos de oligarquias retrógradas.
O PT não
politizou a população, ao contrário: engessou o movimento sindical e popular,
que era o seu único e verdadeiro amigo.
O PT teve
medo e perdeu a esperança.
O PT poderia
fazer do Brasil um grande país socialista, que mudasse os rumos do mundo.
Mas teve
medo.
Teve medo.
TEVE MEDO.
Agora sim, o
PT tem razão para sentir medo, porque milhares de pessoas podem invadir o
Congresso Nacional ou o Palácio do Planalto.
A menos que
aconteça alguma coisa.
A menos que o
PT vença o medo.
A menos que o
PT assuma, de uma vez por todas, o seu papel histórico, ao lado dos comunistas
e outras forças populares e revolucionárias.
Haverá tempo
ainda?
domingo, 16 de junho de 2013
MOTIM
brutais em seu escárnio
(como se estivessem possuídos,
ela disse, entorpecidos de tanta aspereza)
espancam jovens rebelados,
na hora sanguínea do motim.
nas ruas
entulhadas de carcaças,
vidro moído, pneus incendiados,
avançam mares ruidosos
(reverberantes, insubmissos)
que se desdobram em outros mais,
delicados e primitivos como
flores;
avançam multiplicados, inebriados,
em meio a espirais luminosas
e linhas tumultuadas nas ruas,
que se retorcem, reconfiguradas
em outra possível primavera.
São Paulo, 16
de junho de 2013
sexta-feira, 14 de junho de 2013
CARTA DE PEDRO XISTO A E. M. DE MELO E CASTRO
“Penso
que a publicação desta carta deve ser acompanhada de uma nota explicando que se
trata do agradecimento do Pedro Xisto ao envio do meu livro IDEOGRAMAS que eu
lhe enviara por indicação do Haroldo de Campos, em 1962. Este meu livro é
constituído por 29 poemas concretos originais meus, publicados sem qualquer
nota introdutória ou explicativa, na Coleção Poesia e Verdade da Guimarães
Editora, que nessa época era a melhor editora de poesia em Portugal. O livro
esgotou rapidamente e hoje eu não tenho sequer um exemplar embora todos os
poemas estejam incluídos no livro "Visão Visual", publicado pela Francisco
Alves do Rio de Janeiro em 1994. A carta de Pedro Xisto com duas páginas
é uma extraordinária leitura inventiva/interpretativa dos poemas que constituem
o meu livro e que funciona como um verdadeiro novo poema complexo! Só
mais tarde , em 1966, quando vim pela primeira vez ao Brasil e a São Paulo, é
que conheci pessoalmente o Pedro Xisto e com ele falei sobre o Haikai. Quando
regressei a Lisboa levei comigo alguns poemas inéditos do Pedro Xisto que
foram publicados no nº 2 da Revista de Poesia Experimental (1966) e no nº 1 da
revista Operação ( 1967), de minha iniciativa. Hoje esta carta é um
documento verdadeiramente notável e único, nas relações poéticas entre Portugal
e Brasil, nesses anos de 60!”
E.
M. de Melo e Castro
quinta-feira, 13 de junho de 2013
sábado, 8 de junho de 2013
UM POEMA DE MARCELI ANDRESA BECKER
sou uma coluna crematória.
queimo teu nome,
aquática.
hidra.
sou o desaguadouro desta espiral de mortos que te antecede. redemoinho. digo que no alto de meu pensamento há uma hóstia: a lâmina de teu minicrânio lunar, liso,
de teus antivocalises de mármore.
*
sou uma hidra de nove línguas, e embaixo de cada uma dessas línguas estão as miniluas-palavras que tu não sabes dizer. os nomes de teus mortos,
intactos.
teus antepassados.
*
é um fluir de espelhos que se ilumina e se turva
na minha saliva.
nas bocas das centenas de mortos
que beijo
através da tua boca.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
RETRATO DO ARTISTA
A
POESIA INSUBMISSA DE FREDERICO BARBOSA
Claudio
Daniel
A poesia de
Frederico Barbosa é um antídoto à docilidade, à ficção ingênua do lirismo, tão
fora de foco em meio às ruínas de qualquer certeza estável. Nascida em meio à
perplexidade e à dúvida, é regida por uma dupla estratégia, uma no campo do
engenho léxico e sintático, e outra na seara do pensamento: busca o impacto da
forma inusual, imprevista, jogando com todos os recursos da função poética, mas
sempre com uma visada crítica, não raro sarcástica e corrosiva. Seu anjo
tutelar é menos um serafim da pureza vocabular que um daimon apaixonado pela impureza, pela mescla do erudito com o
coloquial, vivificando o idioma, em vez de petrificá-lo. A escrita poética de
Frederico Barbosa é o registro de uma paisagem de confusão e tumulto, e a
violência verbal iconiza com voz enfática o presente barroco, fraturado, em que
vivemos. Na lata – Poesia reunida, publicado
pela editora Iluminuras, reúne poemas escritos ao longo de 35 anos de trabalho
criativo e publicados em seis livros: Rarefato
(1990), Nada feito nada (1993), Contracorrente
(2000), Louco no oco sem beiras (2001),
Cantar de amor entre os escombros (2002) e Brasibraseiro
(2004), este último escrito em parceria com Antonio Risério. Não é tarefa fácil
resumir, em poucas linhas, todos os acidentes geográficos dessa pátria
insólita. Conforme escreveu Sebastião Uchoa Leite, o poeta mistura “Camus e o
jazz, Beckett e filmes noir, João
Cabral e os faróis de automóveis”. Longe
de ficar estanque no âmbito verbal, Frederico Barbosa incorporou procedimentos
de montagem e sequência do cinema, os movimentos melódicos da canção, a rapidez
informativa do jornal, entre outros códigos da aldeia enlouquecida, dinamizando
a narrativa poética, que ganha agilidade e força de impacto. Herdeiro da
tradição do rigor construtivo da poesia concreta, evidente sobretudo em seus
dois primeiros livros, Rarefato e Nada feito nada, Frederico Barbosa
dialoga também com a tradição barroca, como acontece no poema Labyrintho difficultoso (“cada dia de novo cada dia / mais insone /
mais / mas não vem”), em que o poeta faz um labirinto de palavras, onde a
distribuição espacial e geométrica das palavras na página permite leituras na
horizontal, na vertical, na diagonal e em sequências livres, multiplicando os significados. Já no poema Rarefato, que nomeia seu livro de estreia, o poeta utiliza o labirinto
de versos, técnica combinatória e permutatória em que as mesmas linhas se
repetem nas estrofes em diferentes posições, com poucas variações e acréscimos,
permitindo diferentes leituras:
Dominado pela pedra, insone,
descolorido, o crime principia
nas altas horas de noite vazia
ganha corpo no decorrer do dia.
Ganha corpo no decorrer do dia,
dominado pela pedra insone
dor de náusea delicada e infame,
das altas horas da noite vazia.
descolorido, o crime principia
nas altas horas de noite vazia
ganha corpo no decorrer do dia.
Ganha corpo no decorrer do dia,
dominado pela pedra insone
dor de náusea delicada e infame,
das altas horas da noite vazia.
Dor de
náusea delicada, infame,
nas altas horas na noite vazia
ganha corpo no decorrer, no dia
dominada pela pedra, insone.
nas altas horas na noite vazia
ganha corpo no decorrer, no dia
dominada pela pedra, insone.
Ganha
corpo no decorrer do dia,
dor de naúsea delicada e infame
descolorido, o crime principia
alia-se ao tédio impune e some.
dor de naúsea delicada e infame
descolorido, o crime principia
alia-se ao tédio impune e some.
A escrita labiríntica é um dos temas da poeta portuguesa Ana Hatherly,
autora da antologia de poemas visuais barrocos A experiência do prodígio
e do romance experimental O escritor,
construído com imagens, letras e números em vez da usual prosa narrativa. Leitor
atento de Ana Hatherly e do poeta barroco baiano Gregório de Matos, Frederico
Barbosa assimilou de modo pessoal e inventivo os aspectos lúdicos da poética
barroca, somando efeitos visuais e sonoros para estimular a experiência sensorial e
intelectiva do leitor.
Desconfiando
sempre de suas próprias conquistas, e após sete anos de silêncio, Frederico
Barbosa mudou de timbre em Contracorrente,
optando por uma fala próxima à dicção de rua, embora fragmentária e metonímica,
incorporando a gíria e o palavrão, flashes
da cidade caótica e incursões no âmbito erótico-amoroso. Um poema notável desse
livro é Desexistir, de arquitetura
concentrada, elíptica e não menos incisiva: “Quando eu desisti / de me matar /
já era tarde. / Desexistir / já era um hábito. / Já disparara / a auto-bala: /
cobra-cega se comendo / como quem cava / a própria bala”. Uma outra composição,
de tonalidade sensual, porém não menos elaborada formalmente é Memória se: “A mais íntima / memória se
/ desdobra cega / e surda: / a presença tátil / de suas dobras / incrustadas /
nas marcas linhas / das minhas mãos”. O timbre corpóreo se torna ainda mais
explícito em Paulistana de verão,
onde o poeta reimagina a passante de Baudelaire, numa cena que nos faz pensar
na célebre foto de Marylin Monroe: “O vento leva-lhe a quase / saia / e vê-se a
jóia / surpresa lapidada / que desaparece na boca quente / do metrô”.
Pouco
propenso à abstração metafísica, Frederico Barbosa se volta às questões da
existência, ao ácido estar no mundo, tema desenvolvido, com especial atenção,
no poema-livro Louco no oco sem beiras, em que ele define,
num verso lapidar, sua angústia intelectual: “Vivi torto porque quis,
felizmente infeliz”. Este é o poema mais pessoal do autor; em linhas breves e
ferinas, registra o non sense da
rotina laboral e doméstica, sem cair no fácil prosaísmo do cotidiano ou na
lírica confessional narcísica. A vida pulsa no
sistema sanguíneo da linguagem poética: “começo-me / como quem grita sem
/ luz sem voz sem vis sem vez sem mais / desfocado / fora de faro / formigando
em / câmera lenta / sem coragem / sem o que me dispare”. Sinceridade e engenho
criativo explodem a cada página do poema, que ganha ainda mais força quando
lido em voz alta, pela forte dissonância: “linhas cores correm horrores o /
desencontro sem ritmo pacto / decomposição do abstrato / acordava absurdo /
ouvido amplificado / distante das coisas / todas / do ar de mim”. No exorcismo
de seus pesadelos, Frederico Barbosa recupera demônios medievais e inventaria uma
fauna de fungos, vermes, moscas e outros insetos, transfigurando-se, ele
próprio, em um “monstro voador”. Após essa dolorosa descida ao Hades, o poeta
reinvoca a utopia possível, a redenção em Eros, no livro Cantar de amor entre os escombros, um dos pontos altos de sua
lírica. O livro é uma antologia que reúne todos os poemas amorosos do autor, desde
peças concisas e de aparente simplicidade como Jeans (“A carne forçada / sob a calça jeans / quase explode /
querendo sair. / O tecido vibra / fibra a fibra / trêmula grade / implodido
jardim. / Enquanto a carne / flora pura / implora em si.”) até composições mais
longas e experimentais como Nós /
paisagens. Cantar de amor entre os escombros reúne também os poemas que
Frederico Barbosa escreveu dialogando com o jazz, como Moonlight in Vermont, Blue moon e Star Dust, peças de escrita mais conversacional, em que o poeta trabalha
com a variação e o improviso, como se as palavras fossem notas de um saxofone. A
renovação temática da poesia de Frederico Barbosa aconteceu no volume Brasibraseiro, escrito a quatro mãos com
Antônio Risério. O livro é uma viagem pelo imaginário africano e indígena, pelos
mitos e acontecimentos da história brasileira e pelo pensamento em torno de
nossa cultura, sinalizando a possibilidade utópica, num mundo cada vez mais
caótico e destroçado. Uma peça que chama a atenção nesta série é o Oriki de Ori, em que o cético Frederico
Barbosa rende-se aos encantos dessa forma poética de origem nagô-iorubá, o oriki (canto em louvor a um orixá): “meu
ori meu deus / meu e só meu / meu deus meu destino / que escolhi / eu / mesmo
(sem sabê-lo) / meu”. O poema faz referência a uma tradição africana, segundo a
qual cada espírito humano escolhe uma cabeça e um destino antes de encarnar em um corpo (tema abordado por Risério em seu
livro Oriki orixá).
O espaço
desta resenha é insuficiente para mergulharmos em tantos aspectos de uma arte
de assombros, onde podemos ver ressoarem ecos da tradição modernista brasileira
e portuguesa (sobretudo João Cabral de Melo Neto e Mário de Sá-Carneiro), do
simbolismo, do barroco e ainda dos grafitis
e anúncios publicitários, sintetizados no dialeto de pedrada, para “desafinar o
coro dos contentes”, como queria Sousândrade. Sendo assim, na falta de síntese
adequada para falarmos, de modo satisfatório, dessa escrita insubmissa, que vai
na contramão do Parnaso e do marketing do milkshake,
nada melhor que fecharmos este texto com palavras de Haroldo de Campos: “Frederico
Barbosa (...) situou-se logo na linha de frente da melhor poesia brasileira
jovem, cujos representantes se contam pelos dedos”.
(Artigo publicado na edição de junho da revista CULT)