quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

POETA PALESTINO TRADUZIDO NO BRASIL



"A terra nos é estreita" é a primeira antologia do poeta palestino Mahmoud Darwish publicada no Brasil (São Paulo: Edições Bibliaspa, 2012), com tradução e estudo crítico de Paulo Farah, professor de língua e literaturas árabes na Universidade de São Paulo. Publiquei uma resenha do livro na revista eletrônica Mallarmargens.

NOVA COLUNA NA REVISTA CULT



RETRATO DO ARTISTA é uma nova coluna da revista CULT dedicada à poesia brasileira de qualidade, em suas várias linhas de criação estética. Em cada edição, será apresentado aos leitores um poeta brasileiro contemporâneo, com análise crítica, nota biográfica, fotos e poemas inéditos. Em fevereiro, o poeta escolhido é Arnaldo Antunes, e nas próximas edições estarão aqui Glauco Mattoso, Alice Ruiz, Rodrigo Garcia Lopes e outros poetas que já fazem parte da história da literatura brasileira, e também novos autores que surgem no cenário poético para a necessária renovação de águas, como Adriana Zapparoli, Andréia Carvalho e Marceli Andresa Becker. A proposta da coluna, assinada por Claudio Daniel, poeta e curador de Literatura e Poesia do Centro Cultural São Paulo, é mostrar a inventividade e pluralidade de estilos e dicções que fazem a riqueza maior de nossa poesia.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

UMA CONVERSA COM CONTADOR BORGES



Zunái: No seu método de trabalho, dentro do processo criativo, desde a primeira ideia, elaboração e, por fim, a lapidação e re-re-re-re-visão, qual é o momento de largar um texto literário e partir para outro? Você decide sozinho ou precisa de alguma opinião externa, ou até mesmo acontecimentos invariáveis da vida?

Contador Borges: Eu não decido nada. Quem decide é o texto. Não é ele que afinal me escreve? A decisão de parar de escrever é somente um ato de “suspensão”, em que você interrompe o que está fazendo. Chega uma hora em que você tem de abandonar o texto e isso pode coincidir (é bom que assim seja) com um momento no qual o texto fica de pé, fala por si mesmo, emite alguma fagulha de beleza, algum sinal de vida e adquire uma espécie de independência em relação ao autor, esta fábula. É o momento em que a obra se torna um “ser de sensações”, como diz o filósofo Deleuze. O autor é apenas uma ausência, um vazio a partir do qual alguém escreve um texto (poema, conto, romance, peça teatral, etc.). A propósito, o autor é uma invenção da modernidade. Os antigos desconheciam totalmente esta noção. Podemos afirmar que a ideia de autor nasce e morre com a modernidade. Celebremos então suas cinzas. A obra é o ouro que fulgura em meio às cinzas do autor. O texto chega para o leitor e já vai dizendo: “olá, sou um poema, coisa e tal, não tenho pai nem mãe”. Toda obra literária carrega seus mortos. Há um poema do Lezama Lima que diz muito bem isto: “Desejoso é aquele que foge de sua mãe”. A minha morreu faz tempo e estou fugindo até hoje. É bem verdade que há um momento na criação em que a mão de quem faz é mais sentida, incisiva, etc. Mas a condução do processo não pode ser calculada ou medida, controlada o tempo todo. Não compartilho a posição de João Cabral (e nem por isso deixo de admirá-lo), de que um livro deve ser totalmente planejado. Ora, o construtivismo tem também aspectos inconscientes em seu processo criativo. Quem escreve segue um plano de imanência (nos termos de Deleuze). Uma vez li uma entrevista do Haroldo de Campos em que ele dizia ser às vezes “agraciado com uma semana toda fecunda” em seu processo criativo, o que prova que mesmo ele, um construtivista, tinha plena consciência disto. Por outro lado, não acredito muito na espontaneidade, no “automatismo psíquico”, dos surrealistas. Inspirada ou não, a criação poética necessita de cultivo, de labor, de sacrifício de palavras. Porém, o acontecimento da poesia é tão singular, que, às vezes, alguns textos já saem praticamente irretocáveis. Infelizmente, isto não é frequente, ao menos no meu caso. Por fim, não acredito que um autor necessite de alguém para saber se seu livro está pronto ou não. O fim da obra em geral coincide com a sua independência em relação ao autor. Ela termina quando já não pertence mais a ele (se é que algum dia pertenceu: “não meu, não meu quando escrevo”, diz Pessoa.). Por isso é algo melancólico, lutuoso, um lançamento de livro. É quase um velório. Sei de autores que abominam essas ocasiões. Eu particularmente não tenho muito problema com isso... é muito bom ver os amigos, celebrar, etc., mesmo sentindo por dentro uma pequena morte em relação ao livro que se despede como a noiva que deixa a casa paterna: she’s leaving home. Num certo sentido, cada livro novo é uma espécie de atestado de óbito. O poeta autografa uma lápide, algo que já não mais lhe pertence. “Poeta: jardim de epitáfios”, diz Octavio Paz.

Leia a íntegra da entrevista de Contador Borges a Priscila Merizzio na edição de fevereiro da Zunái.

domingo, 27 de janeiro de 2013

POEMAS DE LIMERSON MORALES


A CABEÇA RECOMEÇA

retomei todos os meus compromissos
mas sinto-me omisso a mim mesmo
sinto-me em estado de sumiço.
um espaço na minha cabeça
deixou de ser maciço e isso
parece só o começo
(becos talvez, surjam e desapareçam,
compostos por começos de cabeças
dispostos pelo chão, becos abafados)
mas retomei, hoje sou dois,
e não descanso porque não existo.



ELETROCUTADO

um choque percorre meu eixo e explode em facetas libertárias excretoras de baba

em gotas da escuridão lúbrica tidas como objeto de desejo de uma mata fechada

cada pedra nomeada com designação de parentescos apara as arestas e abraça

ecoa de cada memória escrita um alumbramento expressivo da oralidade

pela suspeita extasiada da ameaça e da presença que tem corpo

o corpo de um instrumento musical intencionado de madeira

uma história que conta, que canta, que dança e silencia

em sua quimérica e efêmera vontade de ruptura

o tigre dos meus ombros desliza pelos dedos

envelhecendo em estado de magia


*

o vento derruba todos os meus objetos. esse trajeto é o seu único gesto. devasta o topo da minha cômoda. eu vejo sem proposições nem esboço de reação. vejo desnudo porque o objeto do vento é o devasso. desejo vendo com os braços tremendo. a caixa também deu os seus passos. quando eu derrubo o sono da cama o dia desliga a câmera. comigo não houve diálogo, ou qualquer forma primariamente reconhecível como código. o sonho do olho aberto derretia objetando o vento. fazia secas casquinhas amarelas. ornamentos das laterais oculares. o relato do ócio objeta assim, o ciclo de um tipo de ar. arder o ciclo do amanhecido dia impondo da ode estereotipada a qualquer traço mais elaborado que o primitivismo ostracismo enraivecido.

*

Hoje, quando comecei a escrever, começaram a brotar em mim um par de seios. Pequenos, onde ficam os meus mamilos. Com pelos ao redor do bico. Então pensei, uma metáfora glandular. E a ironia velada levou-me a mão a um deles. Escrevia a palavra língua sem escorrer-me o sangue dos seus personagens pela minha boca. Excitei-me acariciando o entorno com os dedos nas costelas. A explosão venosa e arterial em transito amplificada foi assim para todo o meu corpo.

*

Vê como desmancha conforme eu digo que a sombra da lâmpada dá uma dor ruim na bexiga. Na palma da mão direita cresce uma mexa ruiva que esvoaça quando a mão que escolhe o cacho acena a luva. Vê como desleixam e gingam da quinta-feira que fugia enquanto caía tua bolsinha de moedas. No pátio de aplicação de flúor encontram-se reunidos pais e mestres mantendo os canais e os níveis vocais em silêncio. Vê como desmancha tudo conforme as plantas atrás do espelho hoje quando amanheceram nutriram luzes no reflexo. Ao quebrar a xícara diária da história maciça encontrei o remédio da diurese anamnéstica.


Leia mais poemas de Limerson Morales na edição de fevereiro da Zunái.


POEMAS DE JOÃO FOTI


“Um oásis oco dorme o celofane das miragens...”


I

Nuances do adeus,
outro: o sino-cegueira
naufraga e geme,
geme os cães, os gumes.

Minúsculo músculo,
és quem senão próximo?
Locus das coisas,
nenhures-morada,
das falhas marinhas
o cipreste-maçã, o mais
– luz caindo dos porquês.

Semas cegos, o nosso,
o torno, tua lágrima
sobre mim sob mim,
unicamente: os vãos vãos,
a escura cítrica forma.

Aprisionas o mais
na cripta-entre da razão,
fostes eu, aqui de tudo
que agora é mar: és mar.
Retecemos tua porcelana
amanhã, terias signo.

  
II

Trazidos com caules de rosa,
nas mãos
– vertias o sangue,
espinho-à-espinho.

Exterioras: per-
doado aos limiares,
face-a-face,
enterrado por formigas.

*

Areia e noite, úmidas,
obra líquida
– inaudível.

Um antes, sobre ti
enterrada –
oscilas
teu espectro. 

Fora, um íntimo eu-outro
acolhias,
botões vazios,
rosa e sangue não havia.


Leia mais poemas de João Foti na edição de fevereiro da Zunái.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

GALERIA: NINO CAIS


Confiram outras obras de Nino Cais na edição de fevereiro da Zunái, Revista de Poesia e Debates.

CONTOS DE LUCIANA INHAM



SOMBRA DA MORTE

É a única coisa viva que segue a Morte pelos caminhos da dor, atravessando a eternidade. Anuncia o momento de desespero aproximando-se devagar, envolvendo sua vítima suavemente, entorpecendo e cegando-a. Sopra com seu hálito podre a brisa gélida dos últimos segundos dos homens. Diverte-se ao se arrastar pelas escuridões dos becos e cavernas, construídos pela angústia daqueles que percebem seu pouco tempo de vida. Goza ao empurrar sua presa para dentro da grande boca salivante da Miséria.



SOMBRA DA MEIA NOITE

Vive num vazio interno sem fim, total escuridão. Lamenta todos os dias ter nascido sombra e não luz. Murmura por não poder seguir uma abelha a pousar numa flor, não fazer cócegas nas crianças da praça e construir os castelos de areia à beira-mar. Chora por não mergulhar com os moleques no rio e passar a tarde estendida no porto. Sua dor vem tornando-a cada dia mais doente, frágil... quase se esfarelando com o passar do tempo. Não percebe que é a Dona da Noite, que pode engolir o dia, e afogar o mundo.


SOMBRA SEM CORPO

Segue pelos bosques perdida. No meio da mata não sabe se veio de uma árvore, animal ou flor. Confunde-se entre as pedras e as folhas velhas caídas. Mira seu reflexo nas águas calmas do lago, mas a luz da lua ainda não define seus traços. Olha sua forma disforme, sem corpo. Ao contrário da outras sombras, ela é só negro, escuridão. Se lança em direção a um galho à frente e passa sobre ele. Abraça um sapo sentado próximo, escorregadio, que pula e a deixa para trás. Finca-se como raiz numa árvore, porém a atravessa. Olha a sua volta: sozinha. Corre, pula, voa, cai, rasteja, desgovernadamente. Não encontra seu lugar, onde se encaixar, como se prender, em quem se espelhar. Desespera-se: pensa não saber se está viva, se sombra vive, e se é realmente sombra.


SOMBRA DO MEIO DIA

É a menor de todas as sombras e chata, muito chata. Talvez, como forma de defesa, sempre se acha “a tal”, aquela que está no centro de tudo, que é o foco das atenções. Durante o dia passa desapercebida, as pessoas sequer se dão conta de que ela está lá, no entanto, a sombra soberba ainda pensa que o mundo gira em sua volta. Teimosa, agarra-se ao chão, faz força contra o tempo para tentar se espichar. Não tem jeito, às 13 horas em ponto chega sua concorrente e ela, já sem força, tem de deixar seu lugar.

Leiam mais contos de Luciana Inham na edição de fevereiro da Zunái, Revista de Poesia e Debates.


UM POEMA DE GREGORY CORSO



SOL
(poema automático)

Sol hipnótico! sagrada quase eterna esfera! taça em chamas! balbuciar do dia!

Sol, solar teia de calor! seca taça tropical! sede aracníde! Sol, nãoágua!

Sol miséria sol ira sol doença sol morte sol podre sol relíquia!

Sol baixo e torto sobre o céu africano, derramado quase vazio, ampola oca, osso do   sol, pedra do sol, sol de aço, relógio de sol.

Sol dinossauro do elétrico movimento extinto e fossilizado, balbucie!

Sol, temporada das temporadas, pegar o verdadeiro peixe solar, na verde costa tomando sol como loucura.

Sol eros infernal superreal conglomeração de ira miasmática!

Sol, seres do pôr do sol chocados na desértica vida, cai!

Sol circo! tenda de hélio, apolo, rá, sol, sun, triunfem!

O sol como uma fumegante nave caiu no lago Teliphicci.

O sol como um fumegante disco gelatinoso escorreu pelos alpes Telephiccianos

O sol comanda a noite e segue a noite e comanda a noite.

O sol pode ser conduzido por uma carruagem.

O sol como um fumegante pirulito pode ser chupado.

O sol tem a forma de um dedo curvo que te chama.

O sol gira anda dança foge corre.

O sol favorece a cítrica palmeira de tuberculosos pulmões

O sol engole o lago e alpes de Teliphicci a cada ascensão.

O sol não sabe o que é gostar ou não gostar

O sol toda minha vida caiu no lago Teliphicci.

Ó buraco constante onde tudo pra lá é verdadeiramente Bizantino!

Tradução: Matheus Carrera Massabki


Leiam mais poemas de Gregory Corso na edição de fevereiro da Zunái, Revista de Poesia e Debates.


UM POEMA DE T. S. ELIOT



TERRA ARRUINADA (fragmentos)

Abril é o mês mais cruel, fecundando
Lilases em uma terra morta, misturando
Memória e desejo, agitando
Raízes sombrias com a chuva da primavera.
O Inverno nos aquece, cobrindo
Terra sobre a neve esquecida, alimentando
Uma vida mínima com tubérculos secos.
O Verão nos surpreendeu, vindo sobre Starnbergersee
Em uma pancada de chuva; nós paramos entre as colunas
E atravessamos sob a luz do sol, para Hofgarten,
E bebemos café, e conversamos por um tempo.
Bin gar Keine Russin, stamm’aus Litauen, echt deutsch
E quando éramos crianças, hospedados na casa do arquiduque,
Meu primo, ele me levou de trenó,
E eu estava apavorada. Ele disse, Maria,
Maria, segura firme. E fomos descendo.
Nas montanhas, onde se sente livre.
Eu leio, muito à noite, e vou para o sul no inverno.

            Quais são as raízes que agarram, quais galhos crescem
Desse entulho petrificado? Filho do homem,
Não podes dizer, ou supor, porque apenas conheces
Uma pilha de imagens quebradas, onde o sol bate,
E onde a árvore morta não abriga, o grilo não consola,
E a pedra seca não jorra sua água. Há
Apenas sombra sob essa rocha rubra,
(Venha para baixo da sombra dessa rocha rubra)
E eu te mostrarei algo diferente da
Tua sombra pela manhã alongando-se atrás de ti, ou de
Tua sombra ao entardecer nascendo ao teu encontro

Eu te mostrarei medo em um punhado de pó

                                   Frisch weht der Wind
                                   Der Heimat zu
                                   Mein Irisch Kind
                                    Wo weilest du?

‘Tu me destes jacintos há um ano,
‘Eles me chamavam de menina dos jacintos.’
-  E quando voltamos, tarde, do jardim dos jacintos
Teus braços carregados, teu cabelo úmido, eu não podia
Falar, meus olhos se turvaram, eu não estava
Vivo ou morto, e de nada sabia,
Olhando ao coração da luz, o silêncio.
Oed’ und leer das Meer.

            Madame Sosostris, famosa cartomante,
Esteve muito gripada; não obstante,
É conhecida como a mulher mais sábia da Europa,
Com seu malévolo baralho. Aqui, ela disse,
Está tua carta, o afogado Vendedor Fenício,
(Estas são as pérolas que foram os seus olhos. Veja!)
Aqui está Beladona, a Madona das Rochas,
A senhora das situações.
E aqui o homem das três estacas, e aqui a Roda
E aqui o mercador caolho, e esta carta,
Que está em branco, é algo que ele carrega em suas costas,
Que estou proibida de ver. E eu não encontro
O Enforcado. Tema morte por água.
Eu vejo multidões, andando em círculos.
Obrigada. Se encontrar a querida Sra. Equitone,
Diga a ela que eu mesma levarei o horóscopo:
Devemos ter muito cuidado nesses tempos.

Tradução: Júlia Rodrigues

Leiam a versão integral do poema de Eliot na edição de fevereiro da Zunái, Revista de Poesia e Debates.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

POEMAS DE ANDRÉIA CARVALHO



xantofila

anjos terpenos flutuam sobre berços, com adagas circulares. suas cabeças acima do universo, gestantes. gatos macios, voam em triângulos pela geometria do chão. a mente levita, fóssil paraplégica, pela boca das torres fulminadas.

(vê como a obscuridade nos cai bem. e depois nos eleva.)

ela, papisa amarela, espera a delicadeza de um hexagrama. afia as unhas com os leques jugulares.

roda fortuna! ave-gira, o veludo de exúvias.

orientais, todos eles. quimeras abertas contra o corpo fechado da massa atmosférica.

orientai vós, o espaço. com a bússola perdida de magnólias.

os elementos são signos radioativos, no meio do dia. xanto, xanto, xanto é o senhor dos exércitos crisântemos. imperioso solar.

(vê como a obscuridade nos enfurece. e depois nos criva de sonhos.)


toque das ave-marias

(lendo a psique do fogo, todas as coisas devoradas pelas chamas serão alimento.)

prove este corpo de diamante

a criança de estrelas pelo campo de dedaleiras. sua inocência pisoteando o rosto verde de uma mãe. nutrindo o leite das seivas com o orvalho de uma caminhada ígnea. tudo que o fogo diz, com amor cortês. câimbra de lascas pelas espáduas de uma aldeia esquecida. zigoto de um império límpido nascido em campo de rebentações lácteas, nebulosas. soberanas de manhãs moleculares.

este cristal é solidário como uma casa de espíritos. e nada mais será preciso taquigrafar, pela terceira ordem. os olhos que leem o fogo descrevem a psique de uma fome infernal redentora. psíquica majestosa.

prove este corpo de carvão

o inquilino que cobre com pele de especiarias a echarpe das senhoras católicas, prostituídas de eternidade. mortificadas no ponto carnal onde se embalam os mortos e os delírios: estes gêmeos pictóricos na memória anágua das moças com peito de ave. as leoas venéreas esqueceram os anjos da guarda e sua ressonância embrutecida de tentáculos. seus dedos gigolôs apertam a oração como uma mercadoria milagrosa.

que bufassem como poemas. mas rezam em tom inaudível de vespas, para não arrebentar o tímpano dos santos ocos. e ainda as ouço, antracito. sob martelos e maçaricos. com a letra povoada de insetos.

para provar este corpo de diamante
para provar este corpo de carvão

(a salvação oscila feito o pêndulo na hora do angelus.)

prove este bendito fruto

o grande colisor

abro o sol e fecho o corpo, com a noite retida nas têmporas. forjo milhões de retratos claros, para meu vestido de espelhos pirotécnicos: disfarce da noite véspera onde enterrei uma alma. com cicuta, com astúcia, com granizo. na carótida de chagall. o riso demolidor dos trovões no fogo dos dedos. misturando fusos horários, fusos cósmicos. na polifonia dos quadros. mais um instantâneo na galeria com que me adorno. os passantes partem-se em reflexos dourados quando uso trajes brancos. são atraídos pela luminosidade. quem deles retratarei desta vez? é da fosforescência dos homens a minha coleção. vitrine da memória.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

FALCATRUA DA INIMIGO RUMOR É ANULADA

11/01/2013 - 14h07
Biblioteca Nacional anula prêmio para obra de Drummond


RAQUEL COZER
COLUNISTA DA FOLHA

A Fundação Biblioteca Nacional voltou atrás na decisão de agraciar a obra "Poesia 1930-62" (Cosac Naify), de Carlos Drummond de Andrade (1902-87), organizada por Júlio Castañon Guimarães, no Prêmio de Poesia Alphonsus de Guimaraens. O novo vencedor ainda não foi anunciado.
O resultado, divulgado em 21 de dezembro, foi questionado por recurso enviado pelo poeta Marcus Fabiano, que concorria ao prêmio. Uma petição on-line pela anulação do resultado reuniu, nos últimos dias, 250 assinaturas.

O argumento principal para a anulação era o de que, segundo o edital, a inscrição só poderia ser feita pelo autor ou pela editora mediante autorização por escrito do autor --que, no caso, morreu há mais de 25 anos. Na lista divulgada pela FBN, Bernardo Ajzenberg, diretor executivo da Cosac Naify, aparecia como vencedor por ser "detentor de direitos autorais".
O recurso apresentado à instituição também questionava a possibilidade de a obra ter sido julgada como edição crítica. "O certame não poderia avaliar ensaios ou textos desse teor, mas apenas poesia propriamente dita", dizia o texto.

Na semana passada, os jurados --os poetas Carlito Azevedo, Francisco Orban e Leila Míccolis-- se reuniram na Biblioteca Nacional, no Rio, mas não conseguiram chegar a um consenso sobre o novo livro a ser premiado, motivo pelo qual a instituição não anunciou a decisão no início desta semana.

Foram então indicadas três obras para que o Departamento de Economia do Livro escolha a vencedora. Segundo a FBN, o resultado deve ser conhecido entre hoje e o início da semana que vem.

FONTE: FALHA de S. Paulo

RECORDAR É VIVER: "“Eu não sei dizer se o detentor dos direitos autorais pode ou não representar o autor. Só gostaria de enfatizar que se for anulado, as pessoas entendam que houve um erro dos organizadores do concurso e não dos jurados”. (Declaração de Carlito Azevedo para o jornal O Dia, em 05/01/2013)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

SERPENTINATA (II)



estranha mulher intercambiáveis
folhas de outono
ou lâminas de aço

sem corrosão

relaminadas fina a frio,
ou apenas murmúrio
sem jardins nem quintais

só o alinhamento do corte:

o pensar do coração – alto carbono
em conformidade
com a memória – 

(nua entre fósforos acesos)

um adeus e o carboneto de vanádio
em oposição ao cromo –
decapadas, expandidas, minimizadas

palavras entre tuas perplexas peles:

a resistência mecânica do substrato aço
– retalhos, chapas, tubos, barras
e sucatas de ferrosos, para fundição

(áspero arquiteto de ilhas, teu seio em minha boca).

2013

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

I MALLARENCONTRO -- VOX URBE 2013



Curitiba sediará o primeiro encontro com mallarmagos e mallarmigos de mallarmargens, revista de poesia e arte contemporânea. O evento contará com recital de poesia, performances com o Núcleo de Espetacularidades (PR), exposição fotográfica de Fran Ferreira, apresentação musical de Ivan Gama (piano) e as mallarpresenças de Adriana Zapparoli (SP), Adriano Scandolara (PR), Alvaro Posselt (PR), Andréia Carvalho (PR), Claudio Daniel (SP), Daniel Faria (DF), Dheyne de Souza (PR), Edson Bueno de Camargo (SP), Gabriel Rezende (PR), Guilherme Gontijo Flores (PR), Isabel Furini (PR), Joana Corona (PR), Límerson Morales (SP), Marceli Andresa Becker (RS), Priscila Merizzio (PR), Ricardo Pedrosa Alves (PR), Ricardo Pozzo (PR), Sandrio Cândido (PR) e outros colaboradores do periódico. Haverá sorteio e venda de livros.

Uma noite mallarmágica!!!

Dia 15 de janeiro, terça-feira.

Local: Wonka Bar, Rua Trajano Reis, 326, São Francisco - 3026 6272

Entrada: R$ 6,00


UM POEMA DE ANTÔNIO MOURA


Pela fenda da fruta
o verão enfia
sua espada
rubra

rouba

as fitas do arco-íris
estendidas pelo centauro
após a chuva

Pela fenda da fruta
o verão enfia
sua espada
rubra

domingo, 6 de janeiro de 2013

SERPENTINATA (I)






SERPENTINATA

Já que não desprezo nenhuma palavra,
encanta-me pergaminho
onde estranhos cães
da fala.


Nuvens de parietais
dizem a lavoura
obsessiva dos cutelos:


excessiva porque necessária,
investe mamífero mamífero
ante o lacerado pêlo púbico


— molusco esse desprezo
que se faz habitação.


A mobilidade das estruturas aquáticas
desorienta solidez de partículas,
(numeração da língua)
desentranhadas até o

ignorado.


Cresce nas axilas,
nos limbos, cremalherias,
nos estudos para voz:
é o seu inexorável destino.


Antiesquelética nebulosa
redefine o tempo e suas cavilações
no jogo permutatório
dos contrários.


(Estes são os meus instrumentos,
minhas paisagens estratégicas
para violar tuas orelhas,
tuas cavidades,


que se recusam à minuciosa
cabala de meu olhar.)


(Encanta-me tua letra, esqueleto de meu canto,
voz que acende estranhos cães.)


A revelação está na língua
que incita ao asbesto da orgia,
à mais temporária das peles,


quando vemos pégasos de outro sonho
e nossa incapacidade de laçá-los.
  

2013 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

UM POEMA DE ADRIANA ZAPPAROLI



los buitres ...

toda la noche escucho el llamamiento de los cuerpos poéticos en decomposición lírica. pulsa un arpa en la orilla dentro del sueño y veo huesos de pájaro y una vieja mendiga y los desiertos en escenario ceniza. un escenario de plomo. un cuervo húmedo con una cesta llena de cadáveres - en silencio- - el escenario del fracaso castrado por su propia lengua...

no se espera otra cosa que el sufrimiento y que vibra en formas traidoras. una luz lila de casa en casa preguntando si estaba la palabra anaranjada. en la búsqueda un pájaro demente...

palabra: una idea fija con sombras intrusas que fuiste el lugar del amor ...

palabra con un letrero que dice: no alimente los buitres ...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

SÃO PAULO, UM POUCO MAIS VERMELHA...




"Pela primeira vez na história deste país" temos uma comunista como vice-prefeita de São Paulo: bem-vinda, camarada Nádia Campeão!

CULTURA NÃO É A PRIVATIZAÇÃO DO ESTADO



O que acontece com o mercado editorial brasileiro é algo que há muito tempo vem sendo denunciado pelo Ademir Assunção: existe um lobby das grandes editoras que exerce influência não apenas nos cadernos de "cultura" (?) da imprensa diária, mas também nos órgãos governamentais responsáveis pela compra de livros didáticos, bolsas e concursos literários, escolha de autores para participação em feiras internacionais e as políticas públicas para o livro, a leitura e a literatura. Um lobby poderosíssimo. Infelizmente, os poetas e escritores brasileiros não têm o mesmo nível de organização que os editores para a defesa de seus interesses.

É claro que a literatura e a poesia de qualidade encontram outros espaços de veiculação -- nos blogues, sites, revistas e instituições culturais como a Casa das Rosas e o Centro Cultural São Paulo. Porém, não podemos esquecer que a literatura "oficial", de mercado, é sustentada, em boa parte, por DINHEIRO PÚBLICO -- como os concursos da Petrobras e da Fundação Biblioteca Nacional. Logo, trata-se da PRIVATIZAÇÃO DO ESTADO, em benefício das grandes empresas editoriais, que visam o lucro, não a cultura.

Sim: há coisas positivas acontecendo, como o projeto do vereador Jamil Murad, do Partido Comunista do Brasil, de fomento à leitura e à criação literária; como ele não foi reeleito, o projeto foi engavetado, infelizmente. A Cida Pedrosa, que foi candidata a vereadora em Recife, também tem propostas interessantes de políticas públicas, que valem a pena ser discutidas. Porém, estas são iniciativas locais, seria interessante haver um projeto nacional de incentivo à leitura e à criação literária, desenhado a quatro mãos pelo poder público e os escritores, independente das grandes editoras.

UM POEMA DE MARCELI ANDRESA BECKER



DO MEU CADERNO DE EXPERIMENTAÇÕES -- CXVI

S/A - I

o porco está além do real: suas tentativas de levitar nos matadouros dentro de uma ideia rosa-bebê, delicadíssima. vejam por vocês: existem bailarinas in natura crescendo no silêncio suíno. quando voam com suas sapatilhas frágeis, as fitas desamarradas e sujas de esterco,

quando voam até as nuvens como pirocópteros. pirulito que voa,
que bate-bate, que já bateu

170 vezes por minuto.
nervos à flor.

o peso faz os ganchos cederem:
plié, demi plié, grand plié.

*

teus meninos assistem ao show da janela

e dentro de segundos se transformam em tentáculos de uma única fome, uma falta subterrânea. às vezes é possível vê-los orando de joelhos diante do altar onde os anjos deixaram suas dentaduras e sua paisagem de desolações.

(todas as dívidas do mundo.)

*

um cofre em formato de porquinho sobre o criado-mudo. teus meninos economizam semanas, meses, para ter em mãos o último número da playboy — o da capa da bailarina. dias depois, no banheiro, conseguiriam abri-lo sem que ninguém visse

e ali mesmo imaginariam boquetes infinitos. diante de seus corpos negros, de joelhos, uma mulher chupando-os furiosamente

até que voassem.