terça-feira, 31 de julho de 2012

I SEMINÁRIO DE AÇÃO POÉTICA


O I Seminário de Ação Poética é uma atividade realizada em parceria entre o Centro Cultural São Paulo e a Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. O evento apresentará mesas de debates, recitais de poesia, shows musicais, mostra de videopoesia, lançamentos de livros e revistas. Serão convidados a participar instituições, poetas e professores que trabalham na difusão e na promoção da poesia.

Programação no CCSP

Entrada franca - sem necessidade de retirada de ingressos

Praça Mário Chamie (Bibliotecas)

dia 15/8 - quarta 

debate
das 17h às 19h
Quais são as tendências da poesia brasileira hoje?
com: Reynaldo Damazio e Claudio Willer - mediação: Claudio Daniel

debate
das 19h30 às 21h
Como a poesia brasileira contemporânea é lida na universidade?
com: Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e Susanna Busatto - mediação: Claudio Daniel


das 21h às 22h Recital
com: Claudia Roquette-Pinto, Frederico Barbosa, Claudio Daniel, Contador Borges, Alice Ruiz, Ademir Assunção, Marcelo Montenegro, Carlos Felipe Moisés, Roberta Ferraz, Ale Safra, Janayna Barão, Andréia Carvalho, Mariana Botelho, Paula Freitas, Edson Bueno Camargo, Andréa Catrópa

dia 16/8 - quinta 

debate
das 19h30 às 21h
Como a poesia brasileira contemporânea é lida na imprensa?
com: Alcino Leite Neto e Raquel Cozer - mediação: Claudio Daniel


das 21h às 22h Recital
com: Claudio Willer, Rubens Jardim, Simone Homem de Mello, Ricardo Corona, Micheliny Verunschk, Marcelo Ariel, Donizete Galvão, Paulo Ferraz, Chiu Yi Chih, Adriana Zapparoli, Diogo Cardoso

Programação na Casa das Rosas

dia 14/8 - terça 

17h Inauguração da Feira do Livro de Poesia
Lançamento das revistas Coyote e Mallarmargens e de livros de poesia das editoras que publicam poemas no Brasil. Serão realizados, ao longo do evento, lançamentos de diversas publicações:


debate
das 17h30 às 19h
Do que precisa a poesia hoje?


Pressupostos para a redação da Carta Aberta: Em Defesa da Poesia.
com: Claudio Daniel, Ricardo Aleixo e Raimundo Gadelha

mesa
19h
Como a poesia contemporânea brasileira é tratada pelo Estado?
com: Lau Siqueira e Pedro Américo de Farias - mediação: Frederico Barbosa


performance
20h30
Ricardo Aleixo

show de abertura
21h
Péricles Cavalcanti

dia 15/8 - quarta 

das 17h às 21h Feira do Livro de Poesia

Lançamento das revistas Coyote e Mallarmargens e de livros de poesia das editoras que publicam poemas no Brasil. Serão realizados, ao longo do evento, lançamentos de diversas publicações: Ademir Assunção, Marcelo Montenegro, Claudio Daniel, Ale Safra, Andréia Carvalho, entre outros.


dia 16/8 - quinta


das 17h às 21h Feira do Livro de Poesia

mesa
das 17h às 19h
Como a poesia brasileira contemporânea é publicada?
com: Heloisa Jahn (Ed. Cosac Naif) e Samuel Leon (Ed. Iluminuras) - mediação: Frederico Barbosa


dia 17/8 - sexta 

das 17h às 21h Feira do Livro de Poesia

mesa
das 17h às 18h30
Como a poesia brasileira contemporânea é tratada pelas instituições culturais? com: Claudiney Ferreira (Itaú Cultural) e Francis Manzoni (Sesc) - mediação: Claudio Daniel

mesa
das 18h30 às 20h
Como a poesia brasileira contemporânea é lida nas escolas?
com: Gilson Charles dos Santos e Noemi Jaffe - mediação: Frederico Barbosa


debate
das 20h às 21h
Afinal, do que mesmo precisa a poesia hoje?

Redação da Carta Aberta: Em Defesa da Poesia.
com: Ademir Assunção, Binho e Frederico Barbosa


show
das 21h às 22h
Rodrigo Garcia Lopes



Sophia apareceu aqui pra me ajudar na edição da Zunái...

segunda-feira, 30 de julho de 2012

NOVOS LANÇAMENTOS DA LUMME EDITOR



Poemas míticos, Contador Borges 

Cautos causos, Glauco Mattoso 

Cores para cegos, Claudio Daniel  

Flor de lírio, de Adriana Zapparoli 

Camafeu escarlate, Andréia Carvalho  

Livro de orações, Daniel Faria   

Rua Aurora / El Futuro, Alfredo Fressia 

Nioque antes da primavera, Francis Ponge 

O sonho da insularidade, Delfín Prats

Cartas, de Blanchot

Dissonâncias de Foucault, Daniel Gomes

Livro das areias, Solange Rebuzzi 

Ocos, de Piero Eyben

Pedidos pelo e-mail vendas@lummeeditor.com

domingo, 29 de julho de 2012

POEMAS DE RODRIGO GARCIA LOPES


UM POEMA PARA O DESERTO

com seus rios secos desde o começo
com sua sede sonora
som o sal que não pergunta
do sentido
deste paraíso perfeito
templo que se deita
olho de um sábio egípcio
um oásis
onde o céu
se amplia e revela
uma íris, ou quase,
e a metade da lua
magnifica
uma lágrima minha
fixando
o som misterioso das montanhas
a respiração dessas rochas e pessoas
automóveis deslocando seus vazios
sob o fog azul da luz no sul
o trânsito pesado e veloz
o stress das consoantes
o desdobrar da seda
o cheiro do fumo e de café africano
sensação imprecisa, pedra preciosa
que celebra
a tarde que dura, suprema,
em sua dimensão paralela
o mar invisível que se quebra
manso
aqui
onde não há água.
Não há margens, nem miragens.
Mas cedo ou tarde descobrimos
o que este outono
tem pra nos dizer:
tempo de se desfolhar
— cores, peles, percepções —
tempo de silêncio
flutuando agora no ar
fazendo
bolhas na superfície:
de um céu que é mais além.

Tempe, Arizona, agosto de 1990


STANZAS IN MEDITATION

para Henry David Thoreau

Folhas negras caem, rufam em profusão. O vento encrespa a
Água, Tempo, enruga
faces. Um vale revela
canyons, grutas:
em silêncio, exploramos o interior


destas montanhas: uma chuva fina, estranha,
começa a cair
e súbito dissipa -
o ruído áspero
de uma vespa. Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,


A fumaça abandonada por um trem, talvez. Flores
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
conferindo as pegadas de um animal desconhecido.
A trilha termina num riacho.
A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das árvores.


Neblina nítida, colinas, um vapor neste espelho.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre
a baía vazia
- a areia do dia exibindo sua rasante -
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:
chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os bambus
:
o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes.



AGARTHA

No rosto das sombras arrecio, spray, salito.
Espaço maciço e sem estrelas, presença no avesso
de si mesma, fulgor de ossos, unipensamento.
Sefiras ardem em vazios — névoa muezin
dobra-me e
se me-
dita. Nossos gestos sobrepostos escapam
(emblema de instantes).
A praia rege ondas com seus acenos de ventos,
sua corola ocular:
áspero, acre olor de enquanto.
Rastilho de vagalumes acesos (ao tocá-los).
O movimento queima.
O arder do corpo impermanece. Dispara
no som que bebe o estampido rouco (eco)
de sua imagem (sem sentido). O corpo, nomádico,
imprime lucilâncias
no ombro do Céu, asceta.

*

LIOZ

Ninguém lê a página da praia.
Só as areias cujas trilhas velozes traduzem
(alguma passagem, imagem alguma).
De noite, fósseis celestes.
Suas letras-seixos me frag-
mentam.
Vítreos vocábulos de sal
Dublam as ondas eretas.

*

Riscos igualando quandos, clone de iguanas, metais coriscos
na rocha mudra que ao sol a pino alucino
num chovisco de cravos,
Céu-sepulcro que cinge o Sul
em nacos que se dobram em contraplano
desenhando desterros nas senhas das areias.
O cabelo do arrecio avulsa o oculto

flutuam flores de sangue dormidas em seu sono
de clarões, faces crispadas, plásticos mudos.

*

VIOLA

No sítio do estio a água (alfombra e cânhamo)
Excita as diminutas claves da moça
De sombras tecida, torsão de boca, pedra
Pensa num grito de girassóis.
Um instante por um toque
de sua beleza brutal
que cristais no ar o corpo atiça
e bárbara desfixa
palavras, nosso vôo
sem escalas
e o mar, imensa
máscara de escamas

*

ouro laser de artifício & brisa
no crepúsculo hortelã
é ar de renúncia
ou céu que prenuncia
Armageddon

*

Nefertiti, aninha seus zumbis de selfos
nestes escombros de corpos —
Vertical
desaparição.
Mudo, um coro escapa das lajes.

*

Todos os papéis são os mesmos
plenos de gregos segredos
grávidos de seca e nigredo.
Esfumam as praias com renúncia
enquanto nos perseguem, declaram o vento
único senhor dos precipícios. O que anuncia
o assombro dos riscos, praia de asteriscos.
O fulgor da pele intacta imanta e se decalca —
A mil graus, neve de pensamento.

*

ERÓTICA DAS SOMBRAS

Lendo na contraluz que o tempo alucina
Nas rótulas de ondas que em amarelo artéria barbarizam
Enquanto a boca apressa, sibilina,
entre sons (devorados de sentidos). Içam
o mar vertiginoso e kanjis de nuvens
nos olhos cheios de deus, Sal.
No biombo das montanhas — rugem
No sfumatto mental da fala e do Caos.
Na textura sépia da superfície de sons
Uma face letal lateja e se transmuta
(Estátua de estrondos, trilha de acenos)
Muda e nos sorri. Escuta
os espelhismos cifrados da manhã,
Lábio, na pele da romã.

*

inimigo
espelho da face
ecoa
(inacabado)
cai em rubra cortina
— em
câmera
lenta —
dobras sobre colinas

*

atordoado argumento:
qual paisagem
é real?
A de Jade, pedra de flanco, ou a que é já?
Vôos reluzem (circulares) – é o azul que se desfolha
Entre jatos
Minaretes-araucárias imprimem em símbolos
inventam a fala na pele de Laylak.
A hora furiosa solta-se, inçada
de vegetais e estática.
Sombras vomitam a distância,
Mandala de espantos.

*

No centro, alguma agulha o olho —
Agharta: lágrima no céu laranja.
Plumas de carne escrevem
a tarde celofane.
Ouro ecoa.
Quando voa —
está dormindo.
No agora gótico das sombras
teu lábio (calêndula) modula (calcina)
o matiz da invisível voragem
de ondas gongas:
Tempo, tudo o que a íris invê
no sudário das dunas, na curva de um silêncio.

POEMAS DE CLAUDIA ROQUETTE-PINTO


POEMA SUBMERSO

olho: peixe-olho que
desvia a mão enguia
a pele lisa a
té o umbigo e logo
a flora de onde aflora
(na virilha) o
barbirruivo a
ceso bruto na
fíbio: glabro

dedos tão tentáculos
e crispam esmer
ilham dorso abaixo a
cima abaixo brilha
o esforço — bravo
peixe tentando escapar      mas

ei-lo ao pé da frincha que
borbulha (esbugalha?)
roxo incha e mergulha em
brasa estala
e agora murcha
peixe-agulha e
vaza
vaza


RETRATO DE PABLO, VELHO

da sombra seu rosto se lança
um peixe
uma lua africana
boiando à superfície gasta e gris
a calva não dava um aviso
dos olhos vivos
de água, vivos
que engendram antes de ver
a testa de touro tem brio
empurra um nariz repartido:
uma face enfrenta,
a outra subtrai
o resto são rugas e ricto
papiro
e o som de cascos ancestrais


NO ÉDEN

peça a ela que se desnude
começa pelos cílios
segue-se ao arame dos
utensílios diários
(insônia alinhavando-se
de tiros,
a infância       seus disfarces)
é preciso
que se arranque toda a face
deixar que os olhos descansem
lado a lado com os sapatos
na camurça oscilante
de um quarto
isso, se quer (sequer desconfia)
tocar o que se fia (um par
de presas, topázios)
entre os vãos das costelas
abra o fecho ela desfecha
no escuro o quadrante onde vaza
a luz e suas arestas



a Novalis

Ainda úmidas sobre a folha,
orvalho escuro que pousa
na pele, impiedosa e nua.
Mal desgarradas da pena,
cada pequena curva
tatua as idéias na superfície ácida.
Isso imagino,
se te vejo debruçado
sobre a mesa o penhasco
olho anoitecido
despencando no hiato convulso das ventanias.
Isso enquanto imprimo
os teus Hinos à Noite
nestas folhas ordinárias,
palavra por palavra coagulando
na brancura infinita, saídas
da boca da máquina
como uma carta pela fenda da porta,
duzentos anos mais tarde e
úmidas, ainda.


***

Desprego as estrelas,
deixo que elas
rolem céu abaixo
soltas do seu facho
frio, iridescente,
ricochete rente
ao chão adormecido.
cobres,
estrelas de pobre, moedas que dobram
na queda, oco metal.
O mesmo que falta
às nossas mais altas
intenções, e nos deixa
(é sempre a mesma queixa)
nesse vai-da-valsa:
com as mãos repletas
de palavras certas, de moedas falsas.


***

há uma prata indecisa na copa destas árvores
há um lalique que - diáfano - cola às asas
da borboleta
há um grilo que retine
sílabas
às estrelas


***

gualde amarelo amarelo andante em verde
partitura oscilante das flores          o vento
(ralento até o silêncio)
mas ouça: na lousa da noite
os grilos vão deixando reticências

quarta-feira, 25 de julho de 2012

POEMAS DE ANTÔNIO MOURA


ALMOÇO NA RELVA

Do céu fechado
(semi-
círculo)
sobre o
lago
cai verde
uma gota de ave
— excremento —

abre n’água
cír          círculos
concêntricos

O lago, outro
círculo

verde
circundado
por mais verde avermelhado
pelo círculo do sol
poente

relva onde talo teso gramo

às portas do seu
triângulo jardim



FRIBURGO

A Washington Braun

Hibiscos.
Pequenos sóis terrestres em flor
à sombra da

montanha
encimada por

outra
flor: sol helianto

que desde a manhã
a este crepúsculo
muda cor

à rocha verde azul
púrpura agora
negra

Pedra do
Imperador


OUTRA MANHÃ

A Roque, Cláudia e José Antônio

Por detrás do verde monte
(não-verde-oliva
não-verde-musgo
verde-não-verde
não-verde-mar)

por detrás do verde monte
(não-verde-mata
ver de perto: entulho)
por detrás do verde-azinhavrado monte
de sucata, surge sujo

grafitado
— cicatrizes, placas, logomarcas
confusa cabala, restos de cartazes,
frases, chagas — crivado de balas

o
sol

e ao fundo
canto imaginário do galo
garganta
jorrando
do pescoço decepado
(gargalo)
ao esgoto escuro
o sangue
reencarnado:
outra manhã no mundo



NUMA ESTAÇÃO DO METRÔ, around
1916 d.C., a aparição das
faces na multidão, pétalas
num ramo escuro úmido,
dilata a pupila de Ezra,
enquanto outra turba
(a mesma?) se despetala:
um tiro (a esmo) desfolha
a bala a rosa da multidão,
numa estação do metrô,
1998 d.C.


APARTADO

Para
trás
está
emaranhada
a floresta

flor besta-fera
abrindo-se
ao hálito da serpente
tenebra

está a horda
de Calibãs,

clareira — aroma
de ervas

(Sempre nascente na fronte de um rio
O diabo aprisionado numa garrafa sobre a relva 


AS ARMAS ESTOCADAS

No quarto ao lado de meu silêncio
dorme a criança sem suspeitar do ar

que alimenta a violenta tosse da cidade,
durante o sono – monstros e rosnados –

um mercador de medos corrompe as
flores e lianas que buscam germinar

entrelaçadas à boca e ao cano dos fuzis,
a criança dorme, enquanto um arsenal

faz tic-tac tic-tac tic-tac tic-tac tic-tac
no fundo falso de um chapéu texano

que não vê diferença entre uma sentença
de morte e outra sentença, a do verbo criador,

senhor de mundos onde as pedras flutuam.
A criança dorme, dorme, enquanto suas chagas

são amargamente remendadas pelos laços
de família e os panos podres que abafam

o som das armas estocadas e o cochichar
subterrâneo do crime com as ideologias,

a criança dorme sem suspeitar que dia e noite
noite e dia as máquinas da morte trabalham 

fabricando assassinos  paralíticos deformados
cegos surdos mudos órfãos viúvas mutilados

e em promoções especiais – “compre uma
leve duas”, dá de brinde a vassoura da eugenia,

dia e noite, noite e dia, dia e noite, noite e dia
a máquina da morte vende a varejo – um tiro

para cada vivo – um dólar para cada morto, e
em forma de atacado um bem sortido genocídio,

a máquina da morte tem filiais em muitos países –
danger nas mãos de sacerdopatas e políticos ,

gnomos impotentes, que, no meio da noite
recalcados, levantam e apontam seu míssil

contra alguma pequena aldeia que acorda
da cama para em seguida deitar na tumba –

ossos e fragmentos que antes eras risos
espalhados pelo chão do bárbaro ofício 

No quarto ao lado do meu silêncio, só,
a criança dorme sem suspeitar de nada,

um gato listrado ao seu lado – sua alma


TRAVESSIA

Um dia para atravessar – sol
entre duas noites imensas,
tendo como companhia o corpo,
este pequeno animal que não
te pertence e que, sem nada
perguntar, se oferece, devotadamente,
ao tempo, deus que também é
o próprio corpo em silêncio
Um dia para transpor tendo por alimento
a poeira da estrada que se estende
branca, do nascente ao poente e
que, lentamente, transforma-se em
riacho negro que passa sob a
ponte suspensa da Via Láctea
Ir, à outra margem, de acordo
com o que a própria ida engendra
Ora com o silvo das serpentes sob o passo
Ora andando sobre as águas do poema

  
QUANDO

Quando a luz cegar o seu fio
de navalha que corta tudo em
claro e escuro, e esta sombra
já não tiver a centelha com que
dialogar alternando-se em sol
e lua, silêncio e palavra, terra
e céu refletido nas águas do rio que
arrasta a imagem das noites e dos dias,
quando por mero acaso repentino
ou ocaso lento e gradual romper-se
o fio de voz que traz o não e o sim
na mesma frase de ritmo imprevisível,
nada ao mundo faltará e nada se
abalará a este pequeno movimento
de asa, que, ao decolar, vibra,
imperceptivelmente, a folhagem

  
ESCREVER

Escrever para supraviver
por um momento, ou ser
inteiramente num instante
em que passado, presente
e futuro se fundem numa
chama única e transparente.
Escrever para ver num lago
branco o lado negro de Narciso,
luz e sombra velando-se e
revelando-se nas pontas do
sorriso – anjo-monstro, que
nas águas aparece refletido.
Escrever, riscar à carvão na própria
lápide o brilho cego de diamantes.
Escrever, morrer e aspirar, eterna
mente, a poeira de uma estante


 Antônio Moura (Belém 1964) é autor de Dez (1996), Hong Kong (1999), Rio Silêncio (2004), A Sombra da Ausência (2009).


terça-feira, 24 de julho de 2012

FERNANDO PESSOA NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

 
Caros, no dia 27 de julho, sexta-feira, às 20h, acontecerá o primeiro recital do ciclo Menu de Poesia, que nesta edição será dedicado à leitura de poemas de Fernando Pessoa. O evento, organizado por Maria Alice Vasconcelos, acontecerá na Praça Mário Chamie (Bibliotecas) do Centro Cultural São Paulo, rua Vergueiro, n. 1.000, próximo ao metrô. A entrada é franca e não há necessidade de retirada antecipada de ingressos.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

POEMAS DE RONALD POLITO


ZERO GRAU

 aqui —
casa quarto cadeira
aqui —
é possível deter
o mecanismo dos relógios
um a um
aqui —
depois das montanhas está o mar
depois do mar
não há nada
não se aproxima o céu
nem mesmo há
terra à vista
aqui

 
COLETA DE DADOS
 (alguns momentos antes)

toda semente hesita
por duas vidas
ponteiros giram
porque não há retorno
entre arco e alvo
uma flecha de deslize
uma pálpebra uma nuvem
um oriente um atol
cada palavra sem papel

viver seria um jeito de desistir

   
EM LIBERDADE
 (instantâneo)

um piscar de olhos
uma ruga
um suspiro

arrepio
pulsação

— um rol quase exaustivo
de gestos mínimos

 
VÃO
 
Essa pele de luz que banha
as plantas, a varanda, e se arremessa
em espirais de fluxos,
vertigens, centelhas de lendas
indecisas, colares de deslizes,
penetrando sem pedir licença
para trazer tudo à tona,
à sua própria lancetada superfície,
essa fímbria de palidez
e desprendimento que passa
de olhos fechados maculando
com maquinarias de sombras
os móveis, quadros, aposentos, não,
não há como deter o espanto,
o corpo que salta sem asas
do sonho turvo para o trabalho
indecifrável (seu segundo turno
no escuro) de reconhecer,
tateando, os pontos cegos
e mecanismos, o inespecífico,
aglomerações de cinzas.


MUDA
 
silêncio sem fim
um grito em um estojo
— para não esquecer —
entre suspiros           afora
rumores de golpes
— ruídos

 
SEU NOME

(numa fração de segundo)

passou
entre os dedos

uma palavra e
dois silêncios

a presença
de uma ausência.


 BÁRBARO

 morder sem pensar, só pensar
se morder

Armando Freitas Filho

Um tipo de bicho,
de vírus, vampiro, um clone
mix de ventríloquo
e mímico, sim, anjo
sardônico (demasiado
humano), caracol
com cauterização e gana.

É a hora
do monstro (meu nome é
multidão), do máximo
denominador comum.
Exaustivo mesmo
quando improvisa, no atropelo
desse instante de sangue
correndo solto, sem futuro,
que ele engole ou cospe
desavisado, unânime.