terça-feira, 31 de julho de 2012
I SEMINÁRIO DE AÇÃO POÉTICA
O I Seminário de Ação Poética é uma atividade realizada em parceria entre o Centro Cultural São Paulo e a Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. O evento apresentará mesas de debates, recitais de poesia, shows musicais, mostra de videopoesia, lançamentos de livros e revistas. Serão convidados a participar instituições, poetas e professores que trabalham na difusão e na promoção da poesia.
Programação no CCSP
Entrada franca - sem
necessidade de retirada de ingressos
Praça Mário Chamie (Bibliotecas)
dia 15/8 - quarta
das 17h às 19h Quais são as tendências da poesia brasileira hoje?
com: Reynaldo Damazio e Claudio Willer - mediação: Claudio Daniel
debate
das 19h30 às 21h Como a poesia brasileira contemporânea é lida na universidade?
com: Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e Susanna Busatto - mediação: Claudio Daniel
das 21h às 22h Recital
com: Claudia Roquette-Pinto, Frederico Barbosa, Claudio Daniel, Contador Borges, Alice Ruiz, Ademir Assunção, Marcelo Montenegro, Carlos Felipe Moisés, Roberta Ferraz, Ale Safra, Janayna Barão, Andréia Carvalho, Mariana Botelho, Paula Freitas, Edson Bueno Camargo, Andréa Catrópa
dia 16/8 - quinta
das 19h30 às 21h Como a poesia brasileira contemporânea é lida na imprensa?
com: Alcino Leite Neto e Raquel Cozer - mediação: Claudio Daniel
das 21h às 22h Recital
com: Claudio Willer, Rubens Jardim, Simone Homem de Mello, Ricardo Corona, Micheliny Verunschk, Marcelo Ariel, Donizete Galvão, Paulo Ferraz, Chiu Yi Chih, Adriana Zapparoli, Diogo Cardoso
Programação na Casa das Rosas
dia 14/8 - terça
Lançamento das revistas Coyote e Mallarmargens e de livros de poesia das editoras que publicam poemas no Brasil. Serão realizados, ao longo do evento, lançamentos de diversas publicações:
debate
das 17h30 às 19h Do que precisa a poesia hoje?
Pressupostos para a redação da Carta Aberta: Em Defesa da Poesia.
com: Claudio Daniel, Ricardo Aleixo e Raimundo Gadelha
mesa
19h Como a poesia contemporânea brasileira é tratada pelo Estado?
com: Lau Siqueira e Pedro Américo de Farias - mediação: Frederico Barbosa
performance
20h30 Ricardo Aleixo
show de abertura
21h Péricles Cavalcanti
dia 15/8 - quarta
Lançamento das revistas Coyote e Mallarmargens e de livros de poesia das editoras que publicam poemas no Brasil. Serão realizados, ao longo do evento, lançamentos de diversas publicações: Ademir Assunção, Marcelo Montenegro, Claudio Daniel, Ale Safra, Andréia Carvalho, entre outros.
dia 16/8 - quinta
das 17h às 21h Feira do Livro de Poesia
mesa
das 17h às 19h Como a poesia brasileira contemporânea é publicada?
com: Heloisa Jahn (Ed. Cosac Naif) e Samuel Leon (Ed. Iluminuras) - mediação: Frederico Barbosa
dia 17/8 - sexta
mesa
das 17h às 18h30 Como a poesia brasileira contemporânea é tratada pelas instituições culturais? com: Claudiney Ferreira (Itaú Cultural) e Francis Manzoni (Sesc) - mediação: Claudio Daniel
mesa
das 18h30 às 20h Como a poesia brasileira contemporânea é lida nas escolas?
com: Gilson Charles dos Santos e Noemi Jaffe - mediação: Frederico Barbosa
debate
das 20h às 21h Afinal, do que mesmo precisa a poesia hoje?
Redação da Carta Aberta: Em Defesa da Poesia.
com: Ademir Assunção, Binho e Frederico Barbosa
show
das 21h às 22h Rodrigo Garcia Lopes
segunda-feira, 30 de julho de 2012
NOVOS LANÇAMENTOS DA LUMME EDITOR
Poemas míticos,
Contador Borges
Cautos causos,
Glauco Mattoso
Cores para cegos,
Claudio Daniel
Flor de lírio,
de Adriana Zapparoli
Camafeu escarlate,
Andréia Carvalho
Livro de orações,
Daniel Faria
Rua Aurora /
El Futuro, Alfredo Fressia
Nioque antes da
primavera, Francis Ponge
O sonho da insularidade, Delfín Prats
Cartas, de Blanchot
Dissonâncias de Foucault, Daniel
Gomes
Livro das areias,
Solange Rebuzzi
Ocos, de Piero
Eyben
Pedidos pelo e-mail vendas@lummeeditor.com
domingo, 29 de julho de 2012
POEMAS DE RODRIGO GARCIA LOPES
UM
POEMA PARA O DESERTO
com seus rios secos desde o começo
com sua sede sonora
som o sal que não pergunta
do sentido
deste paraíso perfeito
templo que se deita
olho de um sábio egípcio
um oásis
onde o céu
se amplia e revela
uma íris, ou quase,
e a metade da lua
magnifica
uma lágrima minha
fixando
o som misterioso das montanhas
a respiração dessas rochas e pessoas
automóveis deslocando seus vazios
sob o fog azul da luz no sul
o trânsito pesado e veloz
o stress das consoantes
o desdobrar da seda
o cheiro do fumo e de café africano
sensação imprecisa, pedra preciosa
que celebra
a tarde que dura, suprema,
em sua dimensão paralela
o mar invisível que se quebra
manso
aqui
onde não há água.
Não há margens, nem miragens.
Mas cedo ou tarde descobrimos
o que este outono
tem pra nos dizer:
tempo de se desfolhar
— cores, peles, percepções —
tempo de silêncio
flutuando agora no ar
fazendo
bolhas na superfície:
de um céu que é mais além.
Tempe,
Arizona, agosto de 1990
STANZAS
IN MEDITATION
para Henry David Thoreau
Folhas negras caem, rufam em profusão. O vento encrespa a
Água, Tempo, enruga
faces. Um vale revela
canyons, grutas:
em silêncio, exploramos o interior
destas montanhas: uma chuva fina,
estranha,
começa a cair
e súbito dissipa -
o ruído áspero
de uma vespa. Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,
começa a cair
e súbito dissipa -
o ruído áspero
de uma vespa. Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,
A fumaça abandonada por um trem, talvez.
Flores
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
conferindo as pegadas de um animal desconhecido.
A trilha termina num riacho.
A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das árvores.
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
conferindo as pegadas de um animal desconhecido.
A trilha termina num riacho.
A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das árvores.
Neblina nítida, colinas, um vapor neste
espelho.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre
a baía vazia
- a areia do dia exibindo sua rasante -
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:
chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os bambus
:
o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre
a baía vazia
- a areia do dia exibindo sua rasante -
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:
chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os bambus
:
o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes.
AGARTHA
No rosto das sombras arrecio, spray,
salito.
Espaço maciço e sem estrelas, presença
no avesso
de si mesma, fulgor de ossos,
unipensamento.
Sefiras ardem em vazios — névoa muezin
dobra-me e
se me-
dita. Nossos gestos sobrepostos escapam
(emblema de instantes).
A praia rege ondas com seus acenos de
ventos,
sua corola ocular:
áspero, acre olor de enquanto.
Rastilho de vagalumes acesos (ao
tocá-los).
O movimento queima.
O arder do corpo impermanece. Dispara
no som que bebe o estampido rouco (eco)
de sua imagem (sem sentido). O corpo,
nomádico,
imprime lucilâncias
no ombro do Céu, asceta.
*
LIOZ
Ninguém lê a página da praia.
Só as areias cujas trilhas velozes
traduzem
(alguma passagem, imagem alguma).
De noite, fósseis celestes.
Suas letras-seixos me frag-
mentam.
Vítreos vocábulos de sal
Dublam as ondas eretas.
*
Riscos igualando quandos, clone de iguanas,
metais coriscos
na rocha mudra que ao sol a pino alucino
num chovisco de cravos,
Céu-sepulcro que cinge o Sul
em nacos que se dobram em contraplano
desenhando desterros nas senhas das
areias.
O cabelo do arrecio avulsa o oculto
flutuam flores de sangue dormidas em seu
sono
de clarões, faces crispadas, plásticos
mudos.
*
VIOLA
No sítio do estio a água (alfombra e
cânhamo)
Excita as diminutas claves da moça
De sombras tecida, torsão de boca, pedra
Pensa num grito de girassóis.
Um instante por um toque
de sua beleza brutal
que cristais no ar o corpo atiça
e bárbara desfixa
palavras, nosso vôo
sem escalas
e o mar, imensa
máscara de escamas
*
ouro laser de artifício & brisa
no crepúsculo hortelã
é ar de renúncia
ou céu que prenuncia
Armageddon
*
Nefertiti, aninha seus zumbis de selfos
nestes escombros de corpos —
Vertical
desaparição.
Mudo, um coro escapa das lajes.
*
Todos os papéis são os mesmos
plenos de gregos segredos
grávidos de seca e nigredo.
Esfumam as praias com renúncia
enquanto nos perseguem, declaram o vento
único senhor dos precipícios. O que
anuncia
o assombro dos riscos, praia de
asteriscos.
O fulgor da pele intacta imanta e se
decalca —
A mil graus, neve de pensamento.
*
ERÓTICA DAS SOMBRAS
Lendo na contraluz que o tempo alucina
Nas rótulas de ondas que em amarelo
artéria barbarizam
Enquanto a boca apressa, sibilina,
entre sons (devorados de sentidos). Içam
o mar vertiginoso e kanjis de nuvens
nos olhos cheios de deus, Sal.
No biombo das montanhas — rugem
No sfumatto mental da fala e do Caos.
Na textura sépia da superfície de sons
Uma face letal lateja e se transmuta
(Estátua de estrondos, trilha de acenos)
Muda e nos sorri. Escuta
os espelhismos cifrados da manhã,
Lábio, na pele da romã.
*
inimigo
espelho da face
ecoa
(inacabado)
cai em rubra cortina
— em
câmera
lenta —
dobras sobre colinas
*
atordoado argumento:
qual paisagem
é real?
A de Jade, pedra de flanco, ou a que é
já?
Vôos reluzem (circulares) – é o azul que
se desfolha
Entre jatos
Minaretes-araucárias imprimem em
símbolos
inventam a fala na pele de Laylak.
A hora furiosa solta-se, inçada
de vegetais e estática.
Sombras vomitam a distância,
Mandala de espantos.
*
No centro, alguma agulha o olho —
Agharta: lágrima no céu laranja.
Plumas de carne escrevem
a tarde celofane.
Ouro ecoa.
Quando voa —
está dormindo.
No agora gótico das sombras
teu lábio (calêndula) modula (calcina)
o matiz da invisível voragem
de ondas gongas:
Tempo, tudo o que a íris invê
no sudário das dunas, na curva de um
silêncio.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
POEMAS DE CLAUDIA ROQUETTE-PINTO
POEMA SUBMERSO
olho:
peixe-olho que
desvia
a mão enguia
a
pele lisa a
té
o umbigo e logo
a
flora de onde aflora
(na
virilha) o
barbirruivo
a
ceso
bruto na
fíbio:
glabro
dedos
tão tentáculos
e
crispam esmer
ilham
dorso abaixo a
cima
abaixo brilha
o
esforço — bravo
peixe
tentando escapar mas
ei-lo
ao pé da frincha que
borbulha
(esbugalha?)
roxo
incha e mergulha em
brasa
estala
e
agora murcha
peixe-agulha
e
vaza
vaza
RETRATO DE PABLO, VELHO
da
sombra seu rosto se lança
um
peixe
uma
lua africana
boiando
à superfície gasta e gris
a
calva não dava um aviso
dos
olhos vivos
de
água, vivos
que
engendram antes de ver
a
testa de touro tem brio
empurra
um nariz repartido:
uma
face enfrenta,
a
outra subtrai
o
resto são rugas e ricto
papiro
e
o som de cascos ancestrais
NO ÉDEN
peça
a ela que se desnude
começa
pelos cílios
segue-se
ao arame dos
utensílios
diários
(insônia
alinhavando-se
de
tiros,
a
infância seus disfarces)
é
preciso
que
se arranque toda a face
deixar
que os olhos descansem
lado
a lado com os sapatos
na
camurça oscilante
de
um quarto
isso,
se quer (sequer desconfia)
tocar
o que se fia (um par
de
presas, topázios)
entre
os vãos das costelas
abra
o fecho ela desfecha
no
escuro o quadrante onde vaza
a
luz e suas arestas
a Novalis
Ainda
úmidas sobre a folha,
orvalho
escuro que pousa
na
pele, impiedosa e nua.
Mal
desgarradas da pena,
cada
pequena curva
tatua
as idéias na superfície ácida.
Isso
imagino,
se
te vejo debruçado
sobre
a mesa o penhasco
olho
anoitecido
despencando
no hiato convulso das ventanias.
Isso
enquanto imprimo
os
teus Hinos à Noite
nestas
folhas ordinárias,
palavra
por palavra coagulando
na
brancura infinita, saídas
da
boca da máquina
como
uma carta pela fenda da porta,
duzentos
anos mais tarde e
úmidas,
ainda.
***
Desprego
as estrelas,
deixo
que elas
rolem
céu abaixo
soltas
do seu facho
frio,
iridescente,
ricochete
rente
ao
chão adormecido.
cobres,
estrelas
de pobre, moedas que dobram
na
queda, oco metal.
O
mesmo que falta
às
nossas mais altas
intenções,
e nos deixa
(é
sempre a mesma queixa)
nesse
vai-da-valsa:
com
as mãos repletas
de
palavras certas, de moedas falsas.
***
há uma prata indecisa na copa destas árvores
há um lalique que - diáfano - cola às asas
da borboleta
há um grilo que retine
sílabas
às estrelas
há um lalique que - diáfano - cola às asas
da borboleta
há um grilo que retine
sílabas
às estrelas
***
gualde
amarelo amarelo andante em verde
partitura
oscilante das flores o vento
(ralento
até o silêncio)
mas
ouça: na lousa da noite
os
grilos vão deixando reticências
quarta-feira, 25 de julho de 2012
POEMAS DE ANTÔNIO MOURA
ALMOÇO NA RELVA
Do céu fechado
(semi-
círculo)
sobre o
lago
cai verde
uma gota de ave
— excremento —
abre n’água
cír círculos
concêntricos
O lago, outro
círculo
verde
circundado
por mais verde avermelhado
pelo círculo do sol
poente
relva onde talo teso gramo
às portas do seu
triângulo jardim
FRIBURGO
A Washington Braun
Hibiscos.
Pequenos sóis terrestres em flor
à sombra da
montanha
encimada por
outra
flor: sol helianto
que desde a manhã
a este crepúsculo
muda cor
à rocha verde azul
púrpura agora
negra
Pedra do
Imperador
OUTRA MANHÃ
A Roque, Cláudia e
José Antônio
Por detrás do verde monte
(não-verde-oliva
não-verde-musgo
verde-não-verde
não-verde-mar)
por detrás do verde monte
(não-verde-mata
ver de perto: entulho)
por detrás do verde-azinhavrado monte
de sucata, surge sujo
grafitado
— cicatrizes, placas, logomarcas
confusa cabala, restos de cartazes,
frases, chagas — crivado de balas
o
sol
e ao fundo
canto imaginário do galo
garganta
jorrando
do pescoço decepado
(gargalo)
ao esgoto escuro
o sangue
reencarnado:
outra manhã no mundo
NUMA ESTAÇÃO DO METRÔ, around
1916 d.C., a
aparição das
faces na multidão, pétalas
num ramo escuro úmido,
dilata a pupila de Ezra,
enquanto outra turba
(a mesma?) se despetala:
um tiro (a esmo) desfolha
a bala a rosa da multidão,
numa estação do metrô,
1998 d.C.
APARTADO
Para
trás
está
emaranhada
a floresta
trás
está
emaranhada
a floresta
flor besta-fera
abrindo-se
ao hálito da serpente
tenebra
tenebra
está a horda
de Calibãs,
de Calibãs,
clareira — aroma
de ervas
de ervas
(Sempre nascente na fronte de um rio
O diabo aprisionado numa garrafa sobre a relva
AS ARMAS ESTOCADAS
No quarto ao lado de meu silêncio
dorme a criança sem suspeitar do ar
que alimenta a violenta tosse da cidade,
durante o sono – monstros e rosnados –
um mercador de medos corrompe as
flores e lianas que buscam germinar
entrelaçadas à boca e ao cano dos fuzis,
a criança dorme, enquanto um arsenal
faz tic-tac tic-tac tic-tac tic-tac tic-tac
no fundo falso de um chapéu texano
que não vê diferença entre uma sentença
de morte e outra sentença, a do verbo criador,
senhor de mundos onde as pedras flutuam.
A criança dorme, dorme, enquanto suas chagas
são amargamente remendadas pelos laços
de família e os panos podres que abafam
o som das armas estocadas e o cochichar
subterrâneo do crime com as ideologias,
a criança dorme sem suspeitar que dia e noite
noite e dia as máquinas da morte trabalham
fabricando assassinos paralíticos deformados
cegos surdos mudos órfãos viúvas mutilados
e em promoções especiais – “compre uma
leve duas”, dá de brinde a vassoura da eugenia,
dia e noite, noite e dia, dia e noite, noite e dia
a máquina da morte vende a varejo – um tiro
para cada vivo – um dólar para cada morto, e
em forma de atacado um bem sortido genocídio,
a máquina da morte tem filiais em muitos países –
danger nas mãos de sacerdopatas e políticos ,
gnomos impotentes, que, no meio da noite
recalcados, levantam e apontam seu míssil
contra alguma pequena aldeia que acorda
da cama para em seguida deitar na tumba –
ossos e fragmentos que antes eras risos
espalhados pelo chão do bárbaro ofício
No quarto ao lado do meu silêncio, só,
a criança dorme sem suspeitar de nada,
um gato listrado ao seu lado – sua alma
TRAVESSIA
Um dia para atravessar – sol
entre duas noites imensas,
entre duas noites imensas,
tendo como companhia o corpo,
este pequeno animal que não
este pequeno animal que não
te pertence e que, sem nada
perguntar, se oferece, devotadamente,
perguntar, se oferece, devotadamente,
ao tempo, deus que também é
o próprio corpo em silêncio
o próprio corpo em silêncio
Um dia para transpor tendo por alimento
a poeira da estrada que se estende
a poeira da estrada que se estende
branca, do nascente ao poente e
que, lentamente, transforma-se em
que, lentamente, transforma-se em
riacho negro que passa sob a
ponte suspensa da Via Láctea
ponte suspensa da Via Láctea
Ir, à outra margem, de acordo
com o que a própria ida engendra
com o que a própria ida engendra
Ora com o silvo das serpentes sob o passo
Ora andando sobre as águas do poema
Ora andando sobre as águas do poema
QUANDO
Quando a luz cegar o seu fio
de navalha que corta tudo em
de navalha que corta tudo em
claro e escuro, e esta sombra
já não tiver a centelha com que
já não tiver a centelha com que
dialogar alternando-se em sol
e lua, silêncio e palavra, terra
e lua, silêncio e palavra, terra
e céu refletido nas águas do rio que
arrasta a imagem das noites e dos dias,
arrasta a imagem das noites e dos dias,
quando por mero acaso repentino
ou ocaso lento e gradual romper-se
ou ocaso lento e gradual romper-se
o fio de voz que traz o não e o sim
na mesma frase de ritmo imprevisível,
na mesma frase de ritmo imprevisível,
nada ao mundo faltará e nada se
abalará a este pequeno movimento
abalará a este pequeno movimento
de asa, que, ao decolar, vibra,
imperceptivelmente, a folhagem
imperceptivelmente, a folhagem
ESCREVER
Escrever para supraviver
por um momento, ou ser
por um momento, ou ser
inteiramente num instante
em que passado, presente
em que passado, presente
e futuro se fundem numa
chama única e transparente.
chama única e transparente.
Escrever para ver num lago
branco o lado negro de Narciso,
branco o lado negro de Narciso,
luz e sombra velando-se e
revelando-se nas pontas do
revelando-se nas pontas do
sorriso – anjo-monstro, que
nas águas aparece refletido.
nas águas aparece refletido.
Escrever, riscar à carvão na própria
lápide o brilho cego de diamantes.
lápide o brilho cego de diamantes.
Escrever, morrer e aspirar, eterna
mente, a poeira de uma estante
mente, a poeira de uma estante
Antônio Moura
(Belém 1964) é autor de Dez (1996), Hong Kong (1999), Rio
Silêncio (2004), A Sombra da Ausência (2009).
terça-feira, 24 de julho de 2012
FERNANDO PESSOA NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO
Caros, no dia 27 de julho,
sexta-feira, às 20h, acontecerá o primeiro recital do ciclo Menu de Poesia, que
nesta edição será dedicado à leitura de poemas de Fernando Pessoa. O evento,
organizado por Maria Alice Vasconcelos, acontecerá na Praça Mário Chamie
(Bibliotecas) do Centro Cultural São Paulo, rua Vergueiro, n. 1.000, próximo ao
metrô. A entrada é franca e não há necessidade de retirada antecipada de ingressos.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
POEMAS DE RONALD POLITO
ZERO GRAU
aqui —
casa quarto cadeira
aqui —
é possível deter
o mecanismo dos relógios
um a um
aqui —
depois das montanhas está o mar
depois do mar
não há nada
não se aproxima o céu
nem mesmo há
terra à vista
aqui
COLETA DE DADOS
(alguns momentos antes)
toda semente hesita
por duas vidas
ponteiros giram
porque não há retorno
entre arco e alvo
uma flecha de deslize
uma pálpebra uma nuvem
um oriente um atol
cada palavra sem papel
viver seria um jeito de desistir
EM LIBERDADE
(instantâneo)
um piscar de olhos
uma ruga
um suspiro
arrepio
pulsação
— um rol quase exaustivo
de gestos mínimos
VÃO
Essa pele de luz que banha
as plantas, a varanda, e se
arremessa
em espirais de fluxos,
vertigens, centelhas de lendas
indecisas, colares de deslizes,
penetrando sem pedir licença
para trazer tudo à tona,
à sua própria lancetada
superfície,
essa fímbria de palidez
e desprendimento que passa
de olhos fechados maculando
com maquinarias de sombras
os móveis, quadros, aposentos,
não,
não há como deter o espanto,
o corpo que salta sem asas
do sonho turvo para o trabalho
indecifrável (seu segundo turno
no escuro) de reconhecer,
tateando, os pontos cegos
e mecanismos, o inespecífico,
aglomerações de cinzas.
MUDA
silêncio sem fim
um grito em um estojo
— para não esquecer —
entre
suspiros afora
rumores de golpes
— ruídos
SEU NOME
(numa fração de segundo)
passou
entre os dedos
uma palavra e
dois silêncios
a presença
de uma ausência.
BÁRBARO
morder sem pensar, só pensar
se morder
Armando Freitas Filho
Um tipo de bicho,
de vírus, vampiro, um clone
mix de ventríloquo
e mímico, sim, anjo
sardônico (demasiado
humano), caracol
com cauterização e gana.
É a hora
do monstro (meu nome é
multidão), do máximo
denominador comum.
Exaustivo mesmo
quando improvisa, no atropelo
desse instante de sangue
correndo solto, sem futuro,
que ele engole ou cospe
desavisado, unânime.